Como elaborar uma boa peça de contrarrazões de recurso
Como elaborar uma boa peça de contrarrazões de recurso
Cobrada no último exame da Ordem, de número XXVII, as contrarrazões de Apelação, por exemplo, devem ser elaboradas com muita cautela, pois o advogado deve atacar tese por tese que foi apresentada pela parte contrária, no caso o Ministério Público.
Para tanto, deve o advogado manter-se sempre muito bem atualizado, tanto doutrinariamente como jurisprudencialmente, para ter êxito em seus pedidos e, com isso, não prejudicar a situação de seu cliente.
Na última prova da Ordem, foi trazida uma situação hipotética muito interessante que foi o caso de dois indivíduos que se conheceram dois dias antes de suas prisões em flagrante e, na ocasião da prisão, confessaram que a droga apreendida era sim para comercialização, ou seja, tinham o fito de mercancia.
Foram condenados e a defesa se resignou com a decisão, mas o representante do parquet não e, então, apresentou recurso de Apelação tempestivamente.
Contrarrazões de Apelação
Portanto, a peça a ser apresentada é a de Contrarrazões de Apelação ou Razão do Apelado, no prazo de 8 dias, devendo a mesma ser endereçada ao juízo a quo, prolator da sentença, magistrado de piso (com muitos hoje têm simpatia na pronúncia), porém requerendo o encaminhamento para o Tribunal de Justiça (juízo ad quem), para apreciação das razões.
No caso apresentado na recente prova da Ordem, o representante do Ministério Público Estadual apresentou as seguintes teses:
a) nulidade da instrução, porque o interrogatório não foi o primeiro ato, como prevê a Lei nº 11.343/06;
b) condenação do réu pelo crime de associação para o tráfico, já que ele estaria agindo em comunhão de ações e desígnios com o adolescente no momento da prisão, e o Art. 35 da Lei nº 11.343/06 fala em “reiteradamente ou não”;
c) aumento da pena-base em relação ao crime de tráfico diante das consequências graves que vem causando para a saúde pública e a sociedade brasileira;
d) afastamento da atenuante da confissão, já que ela teria sido parcial;
e) afastamento da causa de diminuição do Art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06, independentemente da condenação pelo crime do Art. 35 da Lei nº 11.343/06, considerando que o réu seria portador de maus antecedentes, já que responde a ação penal em que se imputa a prática do crime de furto;
f) aplicação do regime inicial fechado, diante da natureza hedionda do delito de tráfico;
g) afastamento da substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, diante da vedação legal do Art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06.
Posto isto, como dito, o advogado deve atacar tese a tese, ponto a ponto, item a item, do que foi alegado pelo MP, para que a situação de seu cliente não venha a ser agravada.
Então, vamos lá…
1) Ab inito, não há que se falar em nulidade da instrução, pois, ainda que haja Procedimento Próprio, previsto na Lei 11.343/06, em seu art. 57, prevendo que o interrogatório seja o primeiro ato, não há qualquer nulidade quando o interrogatório é realizado ao final, como último ato; senão vejamos:
A um, pelo fato do próprio Código de Processo Penal ter sido alterado em 2008, passando o interrogatório a ser realizado como último ato, sendo que anteriormente era previsto como primeiro;
A dois, tanto a doutrina como jurisprudência, de forma ampla e majoritária, entendem que deve ser sim o último ato, para a máxima do Contraditório e Ampla Defesa. Na prática, na grande maioria das vezes é assim que é feito.
Na esteira, para alegação de nulidade, deve-se demonstrar efetivo prejuízo, no primeiro momento em que tiver oportunidade de se manifestar, ou seja, deveria o promotor exteriorizar tal alegação em sede de alegações finais e não apelação;
2) Quanto ao pedido de condenação por Associação ao Tráfico, tal sustentação é totalmente descabida, pois o entendimento vastamente pacificado, tanto doutrinariamente quanto jurisprudencialmente, é que: para caracterização da Associação é imprescindível que fique demonstrada a vontade de permanecer associado, ainda no que pese a conduta descrita ser “reiteradamente ou não”, é o que se chama de societas sceleris, devendo o advogado requerer a ratificação da absolvição por este delito.
Na situação hipotética apresentada pelo prova, tanto Joao quanto Marcelo afirmam que se conheceram um dia antes da prisão em flagrante, o que garante e assevera que não havia intenção de estabilidade e permanência.
3) Com relação ao aumento da pena-base no que tange ao delito de tráfico, esta não deve prosperar, pois absurdamente alega o MP, sendo uma completa incoerência, ou quem sabe uma alegação aberrante, juridicamente falando, que o crime de tráfico atinge a saúde pública;
Ora, trata-se do próprio bem jurídico tutelado, bem jurídico protegido, é exatamente o que atinge, afeta, alcança, o crime de tráfico de drogas, tratando-se de claro e evidente bis in idem, caso o magistrado aumentasse a pena base por esta alegação;
4) Na quarta tese apresentada, o representante do parquet manifesta-se pela não redução da pena pela confissão, pois esta foi parcial. Pois bem… Tratemos, então. da confissão…
A confissão é tida como atenuante genérica, prevista no art. 65, Inciso III, alínea “d” do Diploma Legal. A confissão, ainda que parcial ou a chamada “confissão qualificada”, quando o agente confessa ser o autor, porém estaria acobertado por alguma justificante (ter agido sob o manto de alguma excludente de ilicitude, aquelas previstas no art. 23 do CP), deverá ser reconhecida pelo juiz, tanto é assim que o STJ entendimento sumulado, de nº 545, prevendo que toda vez que a confissão for valorada pelo magistrado na sentença, deverá ser reconhecida a atenuante em comento.
Na situação apresentada pela banca, ficou claro que o juiz valorou ou valorizou o fato do réu afirmar que o material seria destinado à mercancia;
5) Por fim, em suas 5ª, 6ª e 7a teses de razões, alega o representante do MP que deveria ser afastada a diminuição de pena, aquela prevista no § 4º, do art. 33, da Lei respectiva lei de drogas, em razão do réu ser portador de maus antecedentes.
Todavia, é possível extrair das informações apresentadas que o réu apenas responderia por ação penal de furto, mas sem qualquer condenação; posto isto, não há que se falar em maus antecedentes, sob pena de violação da Súmula 444 do Superior Tribunal de Justiça, ainda que por aplicação analógica, pois o referido entendimento se traduz em não poder ser considerado como maus antecedentes o simples fato de se responder a inquéritos policiais ou ações penais ainda em curso, sem qualquer condenação transitada em julgado, impossibilitando assim o aumento da pena-base.
Com efeito, em consequência, deveria ser mantido o regime inicial aberto, não somente em decorrência do entendimento do STF que o Tráfico-Privilegiado não é delito etiquetado como hediondo e, sendo assim, possível a substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos; mas, ainda que fosse assim considerado (crime hediondo), não haveria qualquer óbice em ser decretado o regime inicial aberto, sob pena de completa inconstitucionalidade por afronta e ofensa ao princípio da individualização da pena.
Ex positis, deverá ao final de suas contrarrazões, requerer a mantença da sentença em seu inteiro teor, devendo o candidato na prova datar sua peça do dia 13 de novembro de 2018, pois como já trazido logo no inicio desses comentários, o prazo fatal é de 8 dias, e como de praxe, o examinando deve sempre datar no último dia do prazo, que se inicia no dia seguinte após a intimação, que ocorreu no dia 05 de novembro de 2018, numa segunda-feira.
Tanto na prova da Ordem, quanto na prática, o candidato deve sempre se manter atentos aos prazos, pois tal erro crasso é inadmissível a um profissional da área.
Estudem, não percam tempo!
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