O caso Bruno, o tempo do processo penal e os seus efeitos
O caso Bruno, o tempo do processo penal e os seus efeitos
Há alguns dias ganhou extrema notoriedade nos noticiários nacionais a soltura do ex-goleiro Bruno, julgado e condenado em um júri popular a uma pena de 22 anos e 3 meses pelo homicídio e ocultação do corpo de sua ex-companheira Eliza Samudio, após ter sido colocado em liberdade por uma decisão do Ministro Marco Aurélio de Mello, do Supremo Tribunal Federal.
O fato é de conhecimento público o que torna desnecessário adentrar nos detalhes do caso, até mesmo por não ser este o objeto do presente texto.
Analisemos o aspecto temporal que se reveste de suma importância para compreendemos a decisão que entendeu por revogar a prisão preventiva de Bruno e que serve(ria) de fundamento para tantos outros casos.
Primeiramente, devemos ter em mente que qualquer indivíduo para que possa ser considerado culpado por um delito, necessita do trânsito em julgado de uma sentença condenatória, por força do que dispõe o Art. 5º, LVII da Constituição Federal.
Desta forma, gostemos ou não, concordemos ou não, isto é uma exigência de nosso texto constitucional, o que, em um estado democrático de direito deve bastar por si só.
Isso implica em um dever de tratamento (ZANOIDE DE MORAES, 2010) do Acusado, como se inocente fosse, enquanto houverem recursos questionando a sua culpa.
Obviamente, que em momento algum isso impede que um indivíduo possa vir a ser preso antes de uma sentença condenatória definitiva, mas esta prisão, por ser cautelar, estará sujeita a observância de outros critérios, exigindo requisitos distintos, que não representem um juízo final de culpa do Acusado.
Tanto esta prisão é possível, que no caso em que estamos comentando, o Réu ficou preso preventivamente por mais de 6 anos.
Pois bem, Bruno foi julgado, condenado e interpôs o recurso cabível ao Tribunal de Justiça. Ocorre que este recurso aguarda julgamento há mais de 03 anos.
Juridicamente, a decisão do Ministro do STF está perfeitamente correta e adequada, uma vez que a demora de 3 anos no julgamento do recurso, torna extremamente excessiva e, assim, injustificável a prisão preventiva do Acusado (Bruno).
A decisão do Supremo não deveria levar em conta a condenação do Acusado? Elementar que não, afinal de contas é uma decisão ainda passível de recurso, que não foi atingida pelo trânsito em julgado e o Supremo enquanto guardião da Constituição deve fazer valer a regra da presunção de inocência.
Ao Supremo não compete juízos morais, tampouco fazer uso de condicionantes externas para o cumprimento de seu mister, qual seja: a defesa da Constituição.
Avaliar de forma diferente a regra da presunção de inocência pelo fato do crime ser grave, ter repercussão ou, mesmo, ter havido uma condenação de primeira instância, sob pena de esvaziar um princípio fundante de nosso processo penal como a presunção de inocência.
Os argumentos que incisivamente criticam a decisão baseiam-se na impunidade de um indivíduo com uma pena tão elevada estar em liberdade, olvidando que não há pena fixada ainda, na medida em que há um recurso pendente de julgamento.
Imaginar que a condenação do júri seja o bastante para deixar alguém preso é ferir de morte, não só a combalida presunção de inocência, como o duplo grau de jurisdição.
O fato que motivou a revogação da prisão do Goleiro Bruno fora a demora no julgamento do processo, uma vez que o recurso de apelação aguarda julgamento há mais de 3 anos.
O direito a um julgamento em um prazo razoável é uma garantia convencionalmente imposta, estando o Tribunal Europeu de Direitos Humanos a exigir, cada vez mais, dos países medidas aptas a garantir a observância a esta garantia (GIACOMOLLI, 2015).
O Direito Penal se apodera do tempo do indivíduo e, por isso a necessária avaliação entre o tempo e o Direito.
Ao colocar um indivíduo na situação de réu em um processo, isto lhe causa uma série de efeitos em sua vida, o que fica ainda mais grave no caso de uma prisão antes do julgamento.
Por isto, o tempo desta duração necessita ser razoável e mesmo uma definição tão abstrata basta para impedir abusos e medidas desproporcionais.
A duração excessiva do processo causa malefícios a todos. Ao réu que se vê preso e muitas vezes condenado, sem julgamento. À vítima que sente a impunidade na demora da resposta estatal para a dor que sofreu. O processo que perde com o perecimento de muitas provas. E a sociedade que vê o decurso excessivo de tempo lhe tirar a confiança no judiciário.
Por isto, o paradoxo temporal que nos ensina OST (1999, p. 32), referindo que o juiz é chamado para decidir casos de hoje com a ajuda de textos de ontem, tendo simultaneamente em mente o precedente que sua decisão poderá projetar para amanhã.
O tempo do processo não pode acompanhar a velocidade de nossas relações sociais, mas não pode, também, ignorar a dinamicidade de nossos anseios.
Por isto, o Estado necessita julgar em um prazo razoável, não podendo o indivíduo, seja ele quem for, seja qual for a acusação que pese em seu desfavor pagar com a sua liberdade pela ineficiência estatal.
A ausência de sanções paras uma série de prazos previstos em nosso processo penal, torna certo o rumo da ineficiência, na medida em que o descumprimento dos prazos não acarreta em nenhuma alteração nos fatos.
Temos isto verificado na designação de audiências, na conclusão de inquéritos, no oferecimento da denúncia, dentre tantos outros momentos processuais com prazos fixados em lei, mas que não possuem previsão de sanções para sua inobservância.
Situação ainda mais gravosa é a da prisão preventiva, onde sequer há um prazo para a duração e sua ausência permite uma comodidade aos Tribunais em validar sua duração por prazo indeterminado e, não raras vezes, muito excessivo.
O Judiciário não pode se imiscuir na sua função de garantidor dos preceitos constitucionais e convencionais, de modo a chancelar a omissão legislativa e permitir prisões que extrapolem o limite do razoável.
A definição de razoabilidade deve ser compreendida em atenção à matriz principiológica que orienta a nossa Constituição, não podendo um conceito, ainda que vago, ser utilizado de forma a restringir direitos constitucionais.
Enfim, concordando ou não com a decisão do Supremo, devemos saber que lhe deu causa, quem descumpre as regras do jogo deve ser objeto das críticas e dos apontamentos e não aqueles que buscam a sua observância (LOPES JR., 2014), pois, houvesse o tribunal julgado em prazo razoável o recurso e não enxergando nele razões para novo julgamento popular, inexistiriam elementos para a soltura.
REFERÊNCIAS
GIACOMOLLI, Nereu José. O Devido Processo Penal. São Paulo: Atlas, 2015.
LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva, 2014.
OST, François. O Tempo do Direito. Lisboa: Piaget, 1999.
ZANOIDE DE MORAES, Maurício. Presunção de Inocência no Processo Penal Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.