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Como funciona a cadeia de custódia da prova pericial?

Como funciona a cadeia de custódia da prova pericial?

Muito tem se falado de cadeia de custódia da prova pericial no Brasil. Grande parte dessa onda de textos publicados sobre o tema se dá devido ao grande avanço e popularidade da perícia criminal e do efeito CSI, como já exposto no texto sobre a “incontestabilidade” da prova pericial (não leu? Leia AQUI o texto). Mas o que sustenta esse conceito de cadeia de custódia da prova pericial?

Pouco se fala, no meio jurídico, sobre criminalística. Infelizmente há uma separação abissal entre o direito e dada área do conhecimento. A criminalística é uma disciplina técnico-científica por natureza e jurídico-penal por destinação, a qual concorre para elucidação e a prova das infrações penais e da identidade dos autores respectivos, por meio da pesquisa, do adequado exame e da interpretação correta dos vestígios materiais dessas infrações (RABELLO, 1996, p. 12). Ou seja, a criminalística é a área do conhecimento que tem por objetivo a análise de vestígios extrínsecos ao ser humano associados a eventos criminais. Os vestígios intrínsecos são da alçada da medicina legal.

Posto isso, sabe-se que a criminalística é a base da perícia criminal. Ou seja, uma vez sendo a perícia criminal um instrumento de auxílio à justiça criminal, far-se-ia necessário que também nos currículos da graduação de direito fosse incorporada a disciplina. Afinal, muito se questiona, no âmbito jurídico, sobre a cadeia de custódia da prova pericial, mas raríssimas (se não ausentes) vezes vê-se juristas tratando dos princípios da criminalística. Princípios fundamentais que servem de alicerce para o debate sobre a cadeia de custódia da prova pericial. 

Mas antes de falar dos princípios, falemos rapidamente da cadeia de custódia. A finalidade da cadeia de custódia é assegurar a idoneidade dos objetos e bens escolhidos pela perícia ou apreendidos pela autoridade policial, a fim de evitar qualquer tipo de dúvida quanto à sua origem e caminho percorrido durante a investigação criminal e o respectivo processo judicial (ESPÍNDULA, 2013, p. 187).

A cadeia de custódia é constituída pelas formas que devem ser respeitadas nas tarefas de ocupação, conservação, manipulação, transporte e entrega no laboratório de destino da substância de exame, bem como todos os procedimentos internos laboratoriais até a emissão do laudo pericial, a fim de garantir que a substância ou objeto analisado é o mesmo que o apreendido, de modo que se produza uma prova lícita, efetiva e sem vulneração do estado de direito de defesa dos acusados. Logo, cadeia de custódia da prova não é de competência absoluta dos peritos, mas também de todos os envolvidos nas esferas investigativas e processuais.

Entendido o que é e para que serve a cadeia de custódia, afinal, qual a base principiológica desse instituto?

O princípio da documentação faz parte de um grupo variado de princípios da criminalística, os quais são amplamente estudados no âmbito pericial, e pouco abarcados no ensino jurídico. Ao lado dele, temos princípios como o da descrição, da análise, da associação, da reconstrução, da classificação, da individualização, da identificação, da transferência, etc.

O princípio da documentação diz que toda amostra deve ser documentada, desde seu nascimento no local de crime, até sua análise e descrição final, de forma a se estabelecer um histórico completo e fiel de sua origem. É um princípio que demonstra a necessidade de documentar tudo aquilo que ocorre no “caminho do vestígio”, ou seja, não se pode realizar a coleta de um material sem que haja a documentação, a escrita do que está sendo realizado. 

Ele se coaduna com o princípio da mesmidade (descrito pela primeira vez no âmbito da cadeia de custódia por Ruben Darío González), o qual prevê que o elemento analisado e utilizado em juízo seja realmente o recolhido na cena, que a interpretação da análise da evidência reflita exatamente o que ocorreu e, ainda, que o estado do elemento tenha sido conservado em condições idênticas às que se encontrava no local do crime.

Ou seja, documentar o caminho percorrido por um elemento assegura que, futuramente, o princípio da mesmidade seja rapidamente comprovado. Sem a documentação, a mesmidade esvai-se. 

Associando os princípios da documentação e da mesmidade, encontramos uma base epistêmica fundante da cadeia de custódia da prova pericial. O entendimento dos princípios em associação ao estudo da criminalística é de necessária importância para o entendimento da prova científica. Não há como estudar prova pericial sem que se estude criminalística. É necessária uma interdisciplinaridade entre o processo penal e a criminalística para entender de maneira completa a prova científica. Só assim chegaremos à excelência do ensino da temática. 


REFERÊNCIAS

ESPÍNDULA, Alberi. Perícia criminal e cível: uma visão geral para peritos e usuários da perícia. 4. ed. Campinas: Millenium, 2013.

RABELO, Eraldo. Curso de criminalística. Porto Alegre: Sagra Luzzato. 1996.


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Maria Eduarda Azambuja Amaral

Doutoranda em Ciências Criminais (PUCRS) bolsista CAPES/Brasil do INCT Forense. Mestre em Biologia Celular e Molecular (PUCRS). Especialista em Perícia Criminal e Ciências Forenses (IPOG). Biomédica (UFRGS) e Graduanda em Direito (PUCRS).

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