Cannabis medicinal: aspectos jurídicos sobre a Resolução 2.324/22 do CFM
Enquanto cerca de 50 países já consagraram o uso da cannabis com fins medicinais, diversos outros caminharam pela completa legalização, como por exemplo o Uruguai, o Canadá, o México e diversos outros estados dos Estados Unidos, com previsão de movimentar até o ano de 2024 cerca de US$55,3 bilhões1. Apesar da tendência mundial pela legalização, o Brasil permanece perdido no limbo do proibicionismo, encarcerando milhares de usuários anualmente e retrocedendo cada vez mais quanto aos usos medicinais da planta.
A história da criminalização da maconha demonstra que seu o único intuito foi o controle da população negra que tinha sido liberta no Brasil da pós-abolição. Observando-se tal contexto, conseguimos verificar com maior nitidez os preconceitos que orientam até hoje o uso da cannabis no Brasil, seja com fim recreativo ou medicinal.
Foi publicada a Resolução 2.324/2022 do Conselho Federal de Medicina no dia 14 de outubro de 2022, com consideráveis retrocessos ao que diz respeito da prescrição e do uso da cannabis com fins medicinais. Tal Resolução preocupou não apenas a comunidade médica, que teve a sua autonomia comprometida, como também os pacientes que se utilizam da cannabis para tratamentos de saúde.
O Conselho Federal de Medicina do Brasil é uma entidade que tem demonstrado se posicionar de modo elitista e com base conservadora. Um bom exemplo para ilustrar o cenário atual diz respeito ao uso indiscriminado da hidroxicloroquina durante a pandemia da COVID-19, medicamento comprovadamente ineficaz, mas que, ainda assim, o CFM assegurou que os médicos poderiam prescrever tal medicamento ineficaz em virtude da autonomia médica.
De modo contraditório, em outubro de 2022, o mesmo CFM que recomendou o uso de medicamento ineficaz durante a pandemia da COVID-19, deixando mais de 600 mil mortos no Brasil, definiu que essa “autonomia médica” tão defendida durante a pandemia, não é tão autônoma assim: restringiu a prescrição do óleo CBD e proibiu palestras e cursos sobre o uso da cannabis com fins medicinais fora do ambiente científico, mais uma vez transformando o conhecimento em algo elitista e restrito às academias, sem democratizar o saber popular e ancestral.
Em tal Resolução podemos observar uma notórias inconstitucionalidades. Em primeiro lugar ao restringir consideravelmente as possibilidades de prescrição médica da cannabis com fins medicinais, permitindo apenas nos casos que envolverem Síndrome de Dravet, Síndrome Lennox-Gastaut e Complexo de Esclerose Tuberosa, e somente para crianças e adolescentes, excluindo a prescrição para adultos e idosos.
Ora, se um adolescente, com prescrição médica e autorização dos pais, faz o uso do óleo CBD para o seu tratamento de saúde, automaticamente ao completar 18 anos e se tornar adulto ele seria proibido de continuar o seu tratamento? A sua condição de saúde prontamente melhoraria? Se trata de uma perigosa lacuna presente na Resolução, deixando os pacientes que completaram a maioridade em uma insegurança muito grande ao serem proibidos de dar continuidade ao tratamento, violando a fruição dos direitos humanos à vida digna e à saúde.
Em segundo lugar, por proibir que médicos ministrem aulas, palestras e cursos sobre o uso da cannabis com fins medicinais, restringindo exclusivamente para ambiente científico. Tal viés censura os médicos, os impedindo de propagarem informações preciosas, limitando o saber médico ao campo da indústria farmacêutica, desmerecendo saberes milenares ancestrais.
O uso da maconha com fins medicinais no Brasil nunca foi estável e sempre será objeto de muita luta e resistência. Apesar de a sociedade já estar se mobilizando para pressionar uma mudança na Resolução, a perspectiva é de que se judicialize a questão, principalmente por se tratar de questão inconstitucional, que fere o direito à saúde, além de princípios e garantias fundamentais como o da Dignidade da Pessoa Humana.
O momento é de mobilização para conter os inegáveis retrocessos que o país tem passado e de calma para resistir.