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Carga de autos: exceções do direito

Carga de autos: exceções do direito

Retirar em carga autos de processo é reconhecidamente uma prerrogativa profissional. Esse direito possui previsão expressa nos incisos XV (“ter vista dos processos judiciais ou administrativos de qualquer natureza, em cartório ou na repartição competente, ou retirá-los pelos prazos legais”) e XVI (“retirar autos de processos findos, mesmo sem procuração, pelo prazo de dez dias”) do artigo 7.º da Lei n.º 8.906/94.

O atual Código de Processo Civil também estabeleceu o acesso aos autos de processo como direito do advogado, conforme se verifica em seu artigo 107.

Sabe-se que algumas dificuldades eventualmente se fazem presentes quando do uso desse direito pelo advogado (algumas dessas já abordadas aqui, aqui e aqui), constituindo violações à prerrogativas que merecem o devido enfrentamento. Porém, há algumas situações em que o próprio Estatuto prevê que tais direitos não se aplicam, devendo o profissional ter ciência dessas exceções a fim de exercer a advocacia dentro daquilo que é previsto

O § 1º do artigo 7.º da Lei n.º 8.906/94 prevê as situações em que não se aplicam os incisos XV e XVI do mesmo artigo, sendo três as hipóteses: (1) quando se tratar de processo que tramite sob segredo de justiça; (2) “quando existirem nos autos documentos originais de difícil restauração ou ocorrer circunstância relevante que justifique a permanência dos autos no cartório, secretaria ou repartição, reconhecida pela autoridade em despacho motivado, proferido de ofício, mediante representação ou a requerimento da parte interessada”; e (3) quando penalizado nesse sentido o advogado que tiver deixado de devolver os autos no prazo legal.

Todas essas previsões possuem razão de assim serem, de modo que, quando presentes, não poderá o advogado levar do cartório os autos em carga – o que não significa que estará também impedido de realizar consulta junto ao balcão da secretaria.

A primeira exceção merece ser analisada apropriadamente, uma vez que não é pelo simples fato de um processo tramitar em segredo que o profissional, em todo e qualquer caso, não poderá realizar a carga dos autos.

Se assim fosse, o advogado que atua com direito de família, por exemplo, acabaria impedido de exercer sua função amplamente. A restrição atinge apenas os não habilitados no processo, ou seja, obviamente, os advogados constituídos pelas partes poderão realizar normalmente a carga de autos de processos que tramitem sob segredo de justiça.

A segunda hipótese de exceção ao direito de carga abarca tanto a situação na qual exista algum documento relevante no processo que justifique sua não retirada do cartório, quanto a de quando presente justo motivo para a permanência dos autos na secretaria. Conforme expõem VIEIRA e CERNOV (2016, p. 56):

o impedimento se refere à vista com retirada de autos fora do cartório, de tal forma que, ainda que haja nos autos tais documentos de difícil restauração, é garanta do advogado deles obter cópia e requerer que sejam autenticados pelo escrivão, quando necessário, pois foi excluído das ressalvas do § 1º do inc. XIV do art. 7º - que trata do direito de examinar os autos na repartição e obter cópias.

Assim, vale sempre ressaltar que uma coisa não significa outra: impedimento de carga de autos não veda o acesso do advogado ao feito.

Sobre a segunda parte da exceção prevista, a abertura de prazo em comum ou destinado à parte contrária são exemplos razoáveis desse impedimento que dispensam inclusive a aludida fundamentação concreta – essa que, entretanto, deve existir de maneira pormenorizada quando for o caso.

Finalmente, a terceira hipótese diz respeito ao impedimento de carga como forma de reprimenda. Essa penalidade é dada ao advogado que retira os autos do cartório e não os devolve no prazo previsto. Segundo o Estatuto, não basta a mera devolução com atraso para justificar a perda desse direito.

É necessário que haja intimação específica determinando a devolução do feito para que, somente então, seja possível atribuir a penalidade ao profissional. O § 4º do artigo 107 do Código de Processo Civil também prevê algo semelhante nesse mesmo sentido.

De qualquer forma, vale frisar que a penalidade diz respeito ao processo específico cujos autos não foram restituídos pelo profissional, além que o advogado continua tendo acesso ao feito mesmo com a reprimenda imposta, ou seja, “ainda que perca o direito de vista com carga, o advogado não perderá o direito de exame dos autos em cartório e obtenção de cópias” (VIEIRA e CERNOV, 2016, p. 57).

São essas as exceções previstas ao direito de carga de autos, as quais se justificam diante do contexto em que se situam, devendo o advogado conhecê-las para que saiba quando poderá, ou não, usufruir dessa sua prerrogativa profissional.


REFERÊNCIAS

VIEIRA, Hélio; CERNOV, Zênia. Estatuto, Regulamento Geral e Código de Ética da OAB: interpretados artigo por artigo. São Paulo: LTr, 2016.

Paulo Silas Filho

Mestre em Direito. Especialista em Ciências Penais. Advogado.

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