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Uma carona para o inferno (Parte Final)

Uma carona para o inferno (Parte Final)

Fala meu povo! Após uma semaninha de suspense, vou finalizar o artigo, ou melhor, esta história verídica na qual atuei como advogado de um querido amigo também advogado.

F disse que leu a coluna da semana passada e não conteve as lágrimas. Fico muito feliz quando o texto atinge seu principal objetivo, qual seja: tocar o coração dos amigos leitores. Apertem os cintos e vamos finalizar a colunaaaaaa!

Retomando de onde paramos na semana passada. O flagrante de F. O Delegado, intolerante, sequer ouviu os argumentos defensivos.

Indiciou F pelo tráfico e mandou distribuir o inquérito para autoridade judicial. F, preso em flagrante por tráfico, quando saiu de casa apenas para fazer mais uma audiência… Depois dizem que não se prendem inocentes!

F era, na realidade, uma vítima da situação, contudo, na ótica do delegado, foi tratado como sendo um traficante e quem iria decidir tudo isso seria o Poder Judiciário e o tempo corria contra mim naquele instante.

Fui conversar com F no xadrez pela última vez. Expliquei-lhe a situação e os próximos passos. Perguntei se ele gostaria que eu informasse à OAB o que ocorrera porque ele era um advogado e tinha prerrogativas e toda ajuda nessas horas é bem vinda. F apenas me pediu:

“Não chama ninguém. Esse delegado quer mídia e quanto mais mexer mais vai feder.”

F estava envergonhado, acuado mesmo sem ter cometido um ilícito. F era filho de uma família muito tradicional e me pediu para não avisar ninguém. Era tudo comigo. Seu velho pai era cardíaco e uma noticia de prisão do único filho poderia levar seu pai a óbito.

Disse para F que iria protocolar um pedido de liberdade na hora, no plantão mesmo, porém, precisava que os autos do inquérito fossem remetidos ao foro primeiro. Implorei para os policias que o fizessem o mais rápido possível.

Esse pedido, por sorte, foi apreciado pelo escrivão que também não concordou com o indiciamento do delegado. Sim, existem excelentes policiais e aquele escrivão era um deles. Os objetos pessoais de F foram entregues a mim e o GOE acabava de chegar para levar meu brother ao Presídio Central.

Meu coração parecia que ia explodir do peito. Adrenalina pura! Eu tinha que correr.

Procurei uma lan house e fiz o pedido de liberdade de F. Juntei cópia de alguns documentos e cheguei praticamente junto com os policiais que estavam entregando o inquérito no foro. Já passavam das seis horas e quem iria julgar o pedido era o juiz de plantão.

Falei com o assistente do magistrado e requeri um minutinho para conversar também com o juiz que ainda estava no foro. Expliquei a situação para o juiz que, graças a Deus, somente homologou a prisão em flagrante do cliente de F, mas não a converteu em preventiva e concedeu a liberdade provisória ao meu amigo.

Já passava das nove da noite quando saiu a decisão e voei para o Presídio para dar um apoio a F e aguardar a vinda da papelada do fórum. Seria uma noite longa.

Chegando PCPA, perguntei por F. Ele estava no isolado no jumbo. Conversei com os policiais militares, informei a situação e que o alvará de soltura estava chegando. O sargento responsável ligou para o plantão do foro que confirmou a soltura. Pedi para ficar com F no parlatório ate a chegada do alvará, o que me foi permitido.

Quando vi F através das grades e do vidro grosso do parlatório, percebi que meu amigo estava branco, pálido, apavorado. Disse: Jean, os caras falaram que eu vou subir galeria meu irmão.

Foi então que informei a F que seu alvará de soltura estava chegando. E chegou quase à meia-noite, fazendo com que meu amigo saísse do inferno daquele lugar.

A intolerância, birra e perseguição do delegado foram chanceladas pelo promotor que denunciou F por tráfico e pelo juiz que recebeu a denúncia. Contudo, ao final da instrução e de um longo processo judicial, F foi absolvido.

Cuidei de toda a sua defesa. Nunca mais vou esquecer a expressão do rosto do meu amigo ali preso. Às vezes fico pensando se aquele juiz não tivesse tido o bom senso de soltar F, o que seria dele naquele lugar?

E a sensação de culpa que eu ficaria em não ter conseguido êxito na sua soltura?

Quem pediu que eu escrevesse esse artigo foi o próprio F, um advogado muito bem sucedido e com uma família linda. F diz até hoje que eu sou seu salvador, que lhe tirei dos braços da morte. Exagero dele, obviamente, mas, realmente, esse foi um daqueles processos que me marcou.

Ajudei um amigo e percebi que a injustiça está presente em um indiciamento mal feito ou em uma denúncia desleixada, genérica. Muitas pessoas são prejudicadas, ou melhor, têm suas vidas destruídas por atos de autoridades incompetentes, que usam a expressão “eu protejo a sociedade” para justificar seu punitivismo doentio.

Além de incompetentes, são despreparados e sabem que, mesmo fazendo tudo errado, não serão punidas, afinal de contas, eles são AS AUTORIDADES!

Jean Severo

Mestre em Ciências Criminais. Professor de Direito. Advogado.

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