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Caso Neymar: não existe manual de como a vítima deve se portar após uma violência sexual

Caso Neymar: não existe manual de como a vítima deve se portar após uma violência sexual

Na data de ontem, 02 de junho, o jogador de futebol brasileiro Neymar Júnior publicou em sua página do Instagram um vídeo após ter sido acusado de estupro por uma brasileira, de 26 anos de idade.

No vídeo veiculado em sua rede social, Neymar afirma que teve relações sexuais com a moça, mas que houve consentimento dela. E, para comprovar, apresentou prints das conversas que manteve com a suposta vítima via WhatsApp, sendo que nos prints apresentados há fotos da moça nua.

Diante disso, iniciaram as discussões sobre o jogador ter praticado o delito previsto no art. 218-C do Código Penal, que prevê:

Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio – inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática -, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais grave.

Analisando de forma técnica o conteúdo exposto no vídeo, nota-se que o jogador não teve o dolo descrito no tipo penal acima de divulgar fotografias sem o consentimento da vítima, mas apenas o intuito de se defender de uma acusação.

O fato é que as conversas não esclarecem nada e apenas demonstram que ele a teria procurado um dia depois, levando em consideração que o suposto crime tenha ocorrido no dia 15 de maio. Ocorre que não existe nenhum manual para a vítima se portar após uma violência sexual.

A ida da moça até a cidade de Paris e o envio de fotos íntimas (caso sejam realmente suas) também não demonstram que ela realmente teria consentido a relação sexual.

É triste pensar que, após a postagem do vídeo, deixou-se de lado todas as discussões em torno do suposto crime de estupro para se discutir a suposta prática do crime de divulgação de pornografia e ainda para fazer memes e piadas sobre trechos da conversa.

O que precisamos analisar é que a prática do delito de divulgação de pornografia seria apenas uma “consequência” de um delito anterior, muito mais grave e preocupante.

Em recente pesquisa elaborada pelo Instituto Patrícia Galvão em parceria com o Instituto Avon, estima-se que no Brasil ocorram de 822 a 1370 estupros a cada dia, já considerando a cifra oculta (termo empregado por criminologistas e sociólogos para descrever a quantidade de crimes não declarados ou não descobertos).

Vivemos em um mundo machista, em que se questiona o valor probatório da palavra da vítima. E o fato dela se apresentar como mais liberal no momento de conversas íntimas, e principalmente pelo envio de nudes, demonstra o quanto nossa sociedade prefere taxar a mulher, do que entender todo o contexto de uma acusação.

Apenas para demonstrar: quando tive conhecimento sobre o nome da vítima, tive a curiosidade de pesquisar no Google, e a primeira notícia que apareceu foi:

Mulher que acusou Neymar teria assediado outros dois artistas.

Em pesquisa nas redes sociais, sites de fofocas e notícias, não encontrei em nenhum desses qualquer pessoa/jornalista questionando a possibilidade da edição das conversas de WhatsApp pelo jogador. Isso porque, na verdade, a culpa sempre recai sobre a mulher. Somos indagadas sobre onde estamos, com quem estamos, qual roupa usamos, a todo momento. E ainda mais quando ocorrem fatos como esse.

O Datafolha realizou pesquisa em 2016, encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a qual demonstrou que 37% da população brasileira acredita que “mulheres que se dão ao respeito não são estupradas”. Outro dado mostra ainda que 30% acreditam que “a mulher que usa roupas provocativas não pode reclamar se for estuprada”.

Por fim, casos como esses demonstram que a sociedade vive em busca de inocentar ou culpabilizar alguém, apenas por informações obtidas em redes sociais. E que a mulher, ainda se encontra em um sistema machista e conservador, que avaliam a sua conduta, para averiguar se ela pode ser ou não vítima de estupro.

Desse modo, precisamos abandonar essa cultura de estupro, e entender que não importa o que estava vestindo, fazendo, o que disse, sem o consentimento, não importa quem, quando ou onde, ainda é estupro! Estupro é estupro. E é injustificável.


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Bethânia Silva Santana

Advogada. Coordenadora Adjunta do Laboratório de Ciências Criminais de Uberaba/MG. Pós Graduanda em Ciências Criminais (Estácio/CERS)

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