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O que pode mudar caso o STF decida descriminalizar o porte de drogas?

O Supremo Tribunal Federal (STF) pode prosseguir com o julgamento de um recurso na quinta-feira (1º), que busca a descriminalização da posse de drogas para uso pessoal. O processo está parado desde 2015 no tribunal e não aborda a venda de entorpecentes, que continuará sendo ilegal, independentemente do resultado do julgamento.

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A ação, movida pela Defensoria Pública de São Paulo, busca declarar inconstitucional o artigo 28 da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), que criminaliza a aquisição, guarda e transporte de entorpecentes para consumo pessoal.

Os defensores da descriminalização argumentam que o referido artigo viola direitos constitucionais, como a privacidade individual. A legislação atual não impõe pena de prisão aos usuários, mas prevê medidas educativas e serviços comunitários.

O STF está analisando o caso específico de um mecânico condenado por posse de 3 gramas de maconha enquanto estava preso em 2009. No entanto, esse caso é apenas o terceiro item da pauta do plenário, o que significa que pode não ser abordado no dia.

No entanto, esse julgamento tem repercussão geral reconhecida, o que significa que, se a posse de drogas for descriminalizada, poderá servir como base para anulação de penas e orientação de futuras decisões judiciais.

“A orientação é que todos os juízes de primeira instância também apliquem”, afirma a desembargadora do Tribunal de Justiça de São Paulo, Ivana David. A magistrada explica que, para não aplicar a jurisprudência, o juiz teria que apresentar outras provas de que o acusado não é apenas um usuário, mesmo que tenha sido pego com uma pequena quantidade de droga.

A legislação atual não estabelece critérios objetivos para distinguir usuários de traficantes, e estudos mostram um aumento no encarceramento no Brasil desde sua promulgação. “Quando a lei não define critérios quantitativos, o policial que faz a prisão muitas vezes classifica um usuário como traficante”, afirma o advogado criminalista Pierpaolo Bottini, autor do livro “Porte de Drogas para Uso Próprio e o STF”.

Atualmente, não há certeza de que alguém preso com um cigarro de maconha seja considerado usuário ou traficante, e não há uma investigação séria sobre isso. Precisamos de critérios objetivos para regular o uso pessoal.

Uma pesquisa recente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), baseada em mais de 5.000 processos nos tribunais de justiça do país, indica que se critérios quantitativos fossem adotados para definir o uso pessoal, como até 25 gramas de maconha e 10 gramas de cocaína, cerca de 30% dos réus seriam presumivelmente usuários.

Até o momento, três ministros se posicionaram a favor da descriminalização. O relator Gilmar Mendes defendeu a descriminalização da posse de todas as drogas, enquanto Luís Roberto Barroso e Edson Fachin limitaram seus votos à maconha. Barroso foi o único que defendeu a criação de critérios quantitativos para caracterizar o usuário. Em seu voto, ele sugeriu o limite de 25 gramas de maconha ou o cultivo de até seis plantas fêmeas como parâmetros para o uso pessoal.

É importante diferenciar os conceitos de despenalização, descriminalização e legalização. A despenalização significa que a conduta continua sendo considerada crime, mas não há previsão de pena de prisão. A descriminalização implica que a conduta deixa de ser tratada como crime, podendo ou não ser objeto de sanção administrativa. Já a legalização significa que a conduta deixa de ser crime e passa a ser regulada por lei.

O que pode mudar caso o STF decida descriminalizar o porte de drogas 1
Fonte: Folha – UOL

O advogado criminalista Bottini argumenta que é fundamental estabelecer critérios objetivos para todas as drogas, ou pelo menos para as mais comuns

O advogado Bottini defende que o julgamento seja abrangente e não se restrinja apenas à maconha. Ele argumenta que é fundamental estabelecer critérios objetivos para todas as drogas, ou pelo menos para as mais comuns. Ele ressalta que não se trata de discutir a legalização, mas de retirar o uso pessoal do âmbito penal. É um passo modesto, porém necessário, segundo ele.

Essa opinião é compartilhada por Renato Stanziola Vieira, presidente do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), que acredita que a descriminalização pode interromper o ciclo de hiperencarceramento. Ele destaca a falta de segurança em distinguir um usuário de um traficante quando alguém é preso com um cigarro de maconha, e a falta de investigações sérias sobre o assunto. Vieira afirma que são necessários critérios objetivos para regular o uso pessoal e evitar que seja tratado como crime.

Vieira também menciona que a eventual descriminalização pelo STF pode incentivar o Congresso Nacional a legislar sobre o tema. Ele defende uma política que respeite o direito das pessoas de usar substâncias de sua escolha, desde que não afetem a saúde pública.

A desembargadora Ivana David concorda com essas posições e defende a criação de critérios adicionais, além da quantidade de drogas, que possam distinguir usuários de traficantes. Ela destaca a ausência de uma lei que defina condições e requisitos, o que exige que o Judiciário enfrente essa questão.

À espera da retomada do julgamento, o Ministério Público de São Paulo e as partes interessadas no processo enviaram manifestações ao STF. A Promotoria argumentou que a criminalização da posse de drogas para uso pessoal é um imperativo no Brasil, dada a necessidade de lidar com graves problemas de saúde pública e segurança. A Promotoria faz parte do processo no STF porque o debate está centrado em um caso originário de São Paulo.

De acordo com o órgão, a aquisição de substâncias psicoativas ilícitas pelo usuário é apenas o último estágio de uma longa cadeia de crimes. O documento, assinado pelo procurador-geral de Justiça, Mário Luiz Sarrubbo, afirma que a ausência de criminalização dessa última etapa da cadeia de comércio resultaria em uma virtual falta de proteção aos direitos fundamentais e sociais.

Por outro lado, a Defensoria Pública de São Paulo, a Pastoral Carcerária da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, a Conectas Direitos Humanos, a ABGLT (Associação Brasileira de Lésbicas Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexo) e a Iniciativa Negra Por Uma Nova Política de Drogas enviaram uma manifestação conjunta ao STF defendendo a descriminalização da posse de drogas para uso pessoal.

Os representantes dessas organizações afirmam que a opção pela via penal não é legítima nem a mais eficaz e, portanto, é inconstitucional para proteger o consumo pessoal de drogas. Eles destacam que, embora a Lei nº 11.343/06 tenha sido criada com o intuito de romper com o paradigma repressivo e buscar uma responsabilização proporcional das condutas, seus 17 anos de vigência têm contribuído, na prática, para o aumento do encarceramento em massa, especialmente de pessoas negras e residentes em áreas periféricas.

Fonte: Folha de São Paulo

Daniele Kopp

Daniele Kopp é formada em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC) e Pós-graduada em Direito e Processo Penal pela mesma Universidade. Seu interesse e gosto pelo Direito Criminal vem desde o ingresso no curso de Direito. Por essa razão se especializou na área, através da Pós-Graduação e pesquisas na área das condenações pela Corte Interamericana de Direitos Humanos ao Sistema Carcerário Brasileiro, frente aos Direitos Humanos dos condenados. Atua como servidora na Defensoria Pública do RS.

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