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Chico Picadinho: o que seu caso demonstra?

Francisco Costa Rocha ou Chico Picadinho é filho de um poderoso exportador de café e sua amante. A mãe, Dona Nancy, já havia abortado duas vezes, mas, embora as pressões existentes, resolveu dar uma chance ao destino, nascendo, em 27 de abril de 1942, o pequeno Francisco: rejeitado pelo pai e dono de uma das histórias mais emblemáticas deste País.

Aos quatro anos de idade, Francisco foi levado a morar em um sítio com um casal de empregados de seu pai, em razão de uma doença pulmonar sofrida pela mãe. Nesta ocasião, o sentimento de abandono que já existira, aflorou-se. O casal responsável pelos seus cuidados não demonstrava afetividade.

Marcado pela solidão, nesta época Francisco passava mais tempo na mata, em companhia de porcos, cobras, galinhas ou gatos. Aliás, através de rituais sádicos começou a matar gatos de diferentes maneiras, buscando comprovar a tese de que possuíam sete vidas. Foi também nesta fase que Francisco passou a ter fortes pesadelos noturnos.

Dois anos já haviam se passado quando Dona Nancy fora buscar o filho novamente – que mal a reconheceu. Agora, Francisco passou a presenciar os relacionamentos instáveis de sua mãe.

Ainda na infância, há relatos no sentido de que Francisco, quando começara seus estudos em uma escola católica, teria presenciado um caso de pedofilia envolvendo um de seus colegas. A partir disso, diante de comportamento cada vez mais desafeto e de isolamento social, reprovou no quarto ano, vindo, posteriormente, a abandonar os estudos.

Na adolescência, passou a integrar um grupo denominado “senta pua”, onde sofreu abusos sexuais. A partir de então, a prática de sexo com violência e as experiências homossexuais não lhe eram mais estranhas.

Como o desejo de ingressar na Escola Naval havia sido frustado pela sua mãe, que não o queria morando longe, Francisco se alistou na Aeronáutica quando completou 18 anos. Mais tarde ainda tentou entrar para a academia da Polícia Militar, mas não obteve êxito.

Foi como corretor de imóveis que Francisco começou a ganhar dinheiro. Com um horário de trabalho flexível, passou a vivenciar a boemia paulistana. Frequentava a famosa “boca do lixo”, zona conhecida pela prostituição e uso de drogas.

Não só se relacionava com diversas mulheres – sem firmar compromisso, pois era avesso ao controle excessivo de suas ações – como também com homens, influentes nos setores culturais e sociais da boemia. Em verdadeira troca de favores sexuais, aproveitava os benefícios advindos.

Nesta época, Francisco morava na Rua Aurora, no centro de São Paulo. Dividia o apartamento com seu amigo cirurgião-médico da aeronáutica, Caio, que, embora casado, utilizava do local para manter relações extraconjugais.

Em agosto de 1966, Chico conheceu Margareth Suida, bailarina austríaca, com 38 anos de idade. Após beberem em um bar, convidou a pretendente para ir ao seu apartamento. Conforme análises periciais, foram encontradas muitas pontas de cigarro no apartamento, com marca de ambos, tendo o crime, ao que parece, demorado horas para acontecer.

O fato é que, durante a relação sexual, Chico avançou sobre o corpo de Margareth, pegando-a pelo pescoço, e, em seguida, enforcando-a com um cinto, ceifando a vida da breve amante. Por não achar a chave do quarto, Chico arrombou a porta e arrastou a ofendida até o banheiro do apartamento, colocando-a na banheira.

Naquele momento, retirando os mamilos de Margareth com uma gilete, Chico iniciou a retaliação: seios, pélvis, músculos, nádegas, alguns jogados em baldes de plástico, outros no vaso sanitário. A perícia constatou que a vítima foi atingida nas regiões dorsal direita, glútea direita, perianal, parte anterior do pescoço, torácica, abdominal, pubiana, coxa esquerda, braço e antebraço esquerdo.

Após o ato, exausto, Francisco acordou no sofá da sala. Já ciente do que fizera resolveu contar ao seu amigo que havia uma pessoa morta no apartamento. Embora tenha pedido silêncio, não demorou muito para a polícia, sem qualquer sinal de resistência, prender Chico – no dia 05 de agosto de 1966.

Nos autos do processo, as primeiras falas de Francisco indicavam que a motivação do crime fora a semelhança da situação da vítima com sua mãe, na medida em que ambas se relacionavam com homens em troca de dinheiro ou status social. Entretanto, há que diga que Chico perdeu o controle quando foi ridicularizado pela amante ao tentar fazer sexo anal.

Assim, Francisco foi condenado a 18 anos de reclusão por homicídio qualificado, somados a mais 2 anos e 6 meses pela destruição do cadáver. Posteriormente, teve a pena comutada para 14 anos e 4 meses de reclusão. Na prisão, estudou, trabalhou diretamente com a diretoria da cadeia e, até mesmo, casou. Em 1974, oito anos após o primeiro crime, obteve a liberdade, tendo o parecer realizado pelo Instituto de Biotipologia Criminal excluído o diagnóstico de personalidade psicopática.

Ao sair da prisão, o casamento não deu certo. Sua esposa engravidou e começou a exigir a presença de Francisco na gravidez. Chico logo casou-se novamente, vindo a ter outro filho, que, por sinal, sofria problemas prisquiátricos e veio a se envolver em crimes contra o patrimônio.

Novamente separado, Francisco voltou a frequentar a “boca do lixo”, entregando-se a vida noturna: bares, sexo e drogas. A sexualidade sádica começou a virar rotina, com práticas cada vez mais agressivas.

Foi então que, dois anos e cinco meses após obter a liberdade, Francisco veio a cometer o segundo homicídio, em 1976. Em uma lanchonete conheceu Ângela, prostituta com 34 anos. No apartamento de um amigo de Chico, enquanto mantinha relações sexuais, Ângela foi morta por estrangulamento e a história se repetiria. Chico buscou dar um fim ao corpo da nova vítima; pegou uma faca, um canivete e um serrote. Tirou os seios, abrindo-os pelo ventre, e jogou as vísceras no vaso sanitário, que não demorou a entupir. Retirou os olhos de Ângela e retalhou a boca para diminuir o tamanho do crânio. Colocou os membros em sacos plásticos e malas. Cansado, adormeceu no sofá.

Após, fugiu do local, buscando encontrar um velho companheiro de cela que poderia ajudá-lo. Todavia, Francisco, ainda procurando uma saída, foi surpreendido pela polícia e preso novamente.

Na próxima parte da coluna, acompanhe como se desenrolou o segundo julgamento de Chico Picadinho, sua atual situação e alguns temas polêmicos quanto à resposta do sistema jurídico brasileiro a indivíduos com características de psicopatia.


Eduardo Dallagnol Lemos – Pós-graduando em Direito Penal e Política Criminal. Graduado em Direito. Assessor de Desembargador no TJ/RS.

Thiago Aguiar Fachel – Pós-graduando em Direito Público. Graduado em Direito. Advogado.

João Artur Krupp Bohmann – Graduado em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul. Advogado.

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