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Cifra negra e o processo de vitimização na Criminologia Cultural

A cifra negra e o processo de vitimização na Criminologia Cultural

Introdução

A prática de uma infração penal e, da mesma forma, o seu estabelecimento no diapasão do conhecimento social é diretamente relacionada com a valoração e reação social que o ato criminoso desencadeia no âmbito coletivo.

O sociólogo Edwin Sutherland, a partir da Teoria da Associação Diferencial, enfatiza a definição de cifra negra e os seus subtipos. Nessa perspectiva, surge a figura da cifra negra como um viés de criminalidade oculta.

Em síntese, a cifra negra representa os casos que não chegam ao conhecimento das autoridades públicas, demonstrando que os níveis de criminalidade são maiores do que aqueles oficialmente registrados.

Essa ocultação, por vezes anteposta pela próprio sujeito passivo, denota um caráter de vitimização atrelado a um contexto cultural socialmente aceito. Assim, as cifras do Direito Penal próprias dos coletivos de tipificações estão diretamente relacionadas à conotação da vítima como próprio indivíduo portador de um ricochete social.

Além disso, o controle difuso ou informal praticado pelas relações sociais em uma complexidade de formas tem relação direta com o estabelecimento de ocultação da infração penal, tornando-se um contraponto ao controle formal ou estatal.

Em uma análise minimalista de cada cifra, na perspectiva de sujeito inserido no grupo social então praticante dos atos criminosos, designa o enredamento da denúncia. Assim, fracionando os crimes nas zonas em que ele é mais praticado, poderá ser analisado como fato de maior ou menor aceitação social.

A cifra verde, examinada como os crimes ambientais, é um exemplo nítido de atos praticados que desenvolvem ínfima reação social. Ainda, a autoconfissão e a vitimização são técnicas podem ser utilizadas para traçar o real alcance da criminalidade, sobretudo em relação a grupos que tendem a sofrer maiores violências, como o abuso sexual no caso das mulheres e a violência física contra a população LBGTQ.

Vitimização secundária e a cifra negra

Nesse meandro, cumpre questionar a inércia da vítima quanto ao ajuizamento em delatar os fatos para, por consequência, ser iniciada a persecução penal. A vitimização secundária como estudo da criminologia responde essa indagação, ao estabelecer que a vítima se entrega à incredulidade, desacreditando nos órgãos componentes do sistema penal.

Nessa esteira, Costa Andrade salienta que “(…), também a vítima é julgada”, independente do resultado processual ela será estigmatizada ou responsabilizada em parte pelo fato criminoso em um desencadeamento social. A representatividade é outro fator que comprova essa inércia em relação as vítimas. Como já referido, o medo de julgamento e responsabilização do ato inibem a denúncia.

Criminologia Cultural e vitimização 

A interação entre o crime e a cultura serviu de base metodológica para o desenvolvimento da chamada Criminologia Cultural, denominada pela ótica do crime como uma consequência cultural, enfatizada na subcultura que dela emana e nas perspectivas de uma sociedade multicultural.

Além disso, observar o desvio como processo de resistência em linha divisória na criminalização simbólica das formas de culturas inferiores é um mecanismo de construção de significados empregados ao crime.

Do mesmo modo, o multiculturalismo em uma pluralidade de identidades inseridas em uma mesma sociedade geral, e ao mesmo tempo fragmentada, possibilita uma estruturação de subversão e preconceitos a depender de cada observador.

Nessa perspectiva, o crime deverá ser analisado também como um fator de adequação social para determinado grupo. Essa adequação pode ser fator de discriminação de certas condutas ou inibição de denúncias. Um exemplo prático é a pirataria. A conduta ainda é tipificada como crime, mas a percepção social da punibilidade desse delito parece não mais existir.


REFERÊNCIAS

MAYORA, Marcelo. Criminologia Cultural, Drogas e Rock andRoll. In: Criminologia cultural e rock. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

ROCHA, Álvaro Filipe Oxley da. Crime, Violência e Segurança Pública como produtos culturais: inovando o debate. In.Revista dos Tribunais, ano 101, vol. 917, março 2012, pp. 271-289.

SANTOS, Juarez Cirino. A Criminologia radical. Curitiba: IPCP: Lumen Juris, 2006.

SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. 5. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.

SUTHERLAND, Edwin H. White collar criminality in American Sociological Review, s.l. v. 5, n.1, p. 01-12, fev. 1940.

Marcelo Soares Mota

Graduando em Direito na Universidade Regional do Cariri (URCA)

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