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Cigarros: contrabando ou descaminho?


Por Thathyana Weinfurter Assad


O cigarro, apesar de causar males à saúde, é de uso permitido no Brasil, ou seja, está no rol das drogas consideradas lícitas. Seu uso e comercialização submetem-se, no entanto, a regulamentações próprias, que tratam desde a vedação de seu uso em ambientes fechados, dos limites para sua propaganda comercial, até as regras próprias relacionadas ao comércio exterior.

A conscientização acerca da dependência que o tabagismo causa é importante, para que a população fique atenta aos prejuízos drásticos que essa droga (mesmo lícita) pode trazer ao organismo, seja do fumante, ou daquelas pessoas em contato com a fumaça (os denominados “fumantes passivos”).

Conforme informações do Instituto Nacional de Câncer (INCA), órgão auxiliar do Ministério da Saúde:

“O tabagismo integra o grupo dos transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de substância psicoativa na Revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10, 1997) e é a maior causa isolada evitável de adoecimento e mortes precoces em todo o mundo. 

É reconhecido como uma doença epidêmica que causa dependência física, psicológica e comportamental semelhante ao que ocorre com o uso de outras drogas como álcool, cocaína e heroína. A dependência ocorre pela presença da nicotina nos produtos à base de tabaco. A dependência obriga os fumantes a inalarem mais de 4.720 substâncias tóxicas, como: monóxido de carbono, amônia, cetonas, formaldeído, acetaldeído, acroleína, além de 43 substâncias cancerígenas, sendo as principais: arsênio, níquel, benzopireno, cádmio, chumbo, resíduos de agrotóxicos e substâncias radioativas. 

Algumas dessas substâncias tóxicas também são conhecidas como potenciais irritantes, pois produzem irritação nos olhos, no nariz e na garganta, além de paralisia nos cílios dos brônquios. Desse modo, o tabagismo é causa de aproximadamente 50 doenças, muitas delas incapacitantes e fatais, como câncer, doenças cardiovasculares e respiratórias crônicas.”

Apesar de ser permitido o uso de cigarro no Brasil, há algumas vedações quanto à importação e à exportação. Ou seja, dentre as regulamentações existentes sobre o fumo, algumas delas voltam-se ao controle de seu tráfego no âmbito do comércio exterior. Tais vedações são de importante análise, eis que são elas, justamente, que irão diferenciar as eventuais condutas de contrabando ou descaminho de cigarros irregularmente importados ou exportados.

O artigo 46, da Lei nº 9.532/1997, compilado pelo artigo 600, do Regulamento Aduaneiro (Decreto nº 6.759/2009), dispõe que:

“Art. 46. É vedada a importação de cigarros de marca que não seja comercializada no país de origem.”

Evidencia-se, aí, uma proibição (restrição absoluta) na importação. Ou seja, não se pode trazer ao Brasil cigarro de marca que não seja comercializada no país de origem da mercadoria. A questão intrínseca é: qual o motivo de, na origem, não ocorrer a comercialização de um produto que querem, então, inserir no nosso país? Assim, tal importação é proibida.

Sendo importação proibida, e considerando que o cigarro é droga lícita, não se enquadra, pois, no crime de tráfico de entorpecentes essa eventual conduta. De que se trata, então? Contrabando ou descaminho?

Pela breve leitura dos atuais artigos 334 e 334-A, do Código Penal, alterados pela Lei nº 13.008/2014, percebe-se que a conduta de importar cigarros de marca que não seja comercializada no país de origem enquadra-se no delito de contrabando (artigo 334-A – “Importar ou exportar mercadoria proibida”).

Outra vedação, por exemplo, é trazida pelo artigo 2º-D, do Decreto-Lei nº 1.593/1977, dispositivo incluído pela Lei nº 12.715/2012:

“Art. 2º-D. É vedada a produção e importação de marcas de cigarros anteriormente comercializadas por fabricantes ou importadores que tiveram o registro especial cancelado conforme disposto no art. 2º.”

No mesmo Decreto-Lei nº 1.593/1977, compilado pelo Regulamento Aduaneiro, no artigo 603, encontra-se a vedação do artigo 12:

Art. 12. Os cigarros destinados à exportação não poderão ser vendidos nem expostos à venda no País e deverão ser marcados, nas embalagens de cada maço ou carteira de 20 (vinte) unidades, pelos equipamentos de que trata o art. 27 da Lei nº 11.488, de 15 de junho de 2007, com códigos que possibilitem identificar sua legítima origem e reprimir a introdução clandestina destes produtos no território nacional. (Redação dada pela Lei nº 12.402, de 2011).

§1º As embalagens de apresentação dos cigarros destinados a países da América do Sul e América Central, inclusive Caribe, deverão conter, sem prejuízo da exigência de que trata o caput, a expressão “Somente para exportação – proibida a venda no Brasil”, admitida sua substituição por dizeres com exata correspondência em outro idioma. (Incluído pela Medida Provisória nº 2158-35, de 2001).

Ou seja, afora a conduta de importar cigarros de marca que não seja comercializada no país de origem, amoldam-se ao delito de contrabando, em tese, as condutas de importar cigarros de marcas anteriormente comercializadas por fabricantes ou importadores que tiveram o registro especial cancelado, nos termos da Lei, e de importar cigarro que seja destinado à exportação.

No entanto, por vezes, a importação ou exportação do cigarro são realizadas irregularmente, sem que seja o caso de uma vedação legal quanto à mercadoria em si. Pode ocorrer, por exemplo, de a importação ser de cigarro que pode ser importado, mas sem o devido pagamento de tributos correspondentes à operação de comércio exterior.

Nessas situações, não se fala em delito de contrabando, mas sim de descaminho, tipificado no artigo 334, do Código Penal (“Iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria”), observados, inclusive, os parágrafos do dispositivo.

Assim, para que se avalie corretamente sobre qual crime incide o agente que importa ou exporta ilegalmente a droga lícita do cigarro, necessário verificar se a operação de comércio exterior de referida mercadoria está elencada como uma vedação legal ou não. Em se tratando de proibição constante no texto de lei, estaremos diante, em tese, do delito de contrabando. Por outro lado, caso sejam permitidas a importação e exportação, sem vedações legais, mas a operação ocorrer sem o devido pagamento de direito ou imposto respectivos, estaremos, em tese, diante do crime de descaminho.

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Thathyana Weinfurter Assad

Advogada (PR) e Professora

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