Seria absurda a coculpabilidade estatal em crimes econômicos?
A questão do grande número de encarceramentos de excedentes sociais e da população vulnerável sempre foi discutida em Criminologia. Da mesma forma, o obscurantismo sobre as infrações cometidas pelas classes abastadas foi amplamente debatido. Destaque-se, sobre os assuntos, a obra “Punir os Pobres”, de Loïc Wacquant.
Observa-se que a pobreza, bem como outras características socioeconômicas, foram exaustivamente apontadas como causas decisivas dos altos índices de criminalidade entre cidadãos pobres e da proliferação dos crimes comuns (contra a vida, o patrimônio, integridade física, honra etc.).
No contexto, a negligência do Estado pode ser apontada como um facilitador da criminalidade, tendo a Máquina Pública a polêmica coculpabilidade, constituindo-se esta, segundo parte da doutrina, um princípio constitucional implícito e uma circunstância atenuante inominada (art. 66 do CP).
Contudo, no Brasil, com o fortalecimento do Ministério Público e da Polícia Federal, além do crescimento de acusações mútuas entre agremiações políticas, os crimes cometidos por empresários e tradicionais líderes políticos são mais facilmente objeto de investigações e de processos judiciais.
Claramente, os fenômenos auxiliaram a supressão das causas que acolhiam a carência de condenações por tais crimes. Segundo Edwin Hardin Sutherland, os fatores que suprimiam a atenção em torno dos “white colar crimes” seriam o status dos autores, a cultura da repressão por meio de outras áreas do direito e a insciência das vítimas acerca dos infrações.
Assim, o crescente punitivismo sob as classes altas poderá estimular a discussão sobre as causas dos crimes econômicos e, consequentemente, as estratégias alternativas às penas; da mesma forma que, coerentemente, faz a doutrina em relação aos crimes cometidos historicamente pelos desassistidos sociais.
Dessa maneira, considerando que há a responsabilização do Poder Público em seus deveres enquanto Estado Social, seria proveitoso também avaliar as características estatais que poderiam estimular a criminalidade de colarinho branco, considerando, por exemplo, o viés de garantidor público do bom funcionamento da Ordem Econômica e Financeira e do Sistema Tributário Nacional?
Sobre as questões, a disparidade entre altos tributos e serviços públicos ineficientes (quando não inexistentes), bem como uma má regulação do mercado aberto, podem estimular a proliferação de infrações com o animus exclusivo de promover a sobrevivência das pessoas jurídicas, as quais são fontes de subsistência de empresários (e não apenas objetos de saldo de rentistas).
Em ambos os campos estratégicos de ações do Estado, a inviabilização do crescimento, ou mesmo o sufocamento das grandes, médias e pequenas empresas podem ser decisivos às práticas criminosas, não restando alternativa ao empresário inserido em uma crise socioeconômica (causada por atos de corrupção estatal) e diante do temor dos onerosos processos de falência, que, na prática, podem afetar diretamente seus bens e sua sobrevivência (mesmo no contexto da responsabilidade limitada).
Assim, aquela corresponsabilidade tradicional – embora aparente considerar apenas seu fundamento superficial, qual seja a marginalização do acusado e as falhas estatais referentes a direitos sociais -, agora, sob o prisma dos crimes econômicos, passa a revelar seu objeto de tutela, isto é, a proteção dos indivíduos (de classes econômicas distintas) e dos direitos fundamentais.
Dessa forma, em verdade, a corresponsabilidade dedica-se a elementos de uma igualdade formal e não da igualdade material, como seria na hipótese de se considerar as desigualdades sociais em sua aplicação.
Surpreendentemente, ver-se que a percepção da teoria exclusivamente pela ótica da desigualdade social atacaria justamente uma das perspectivas da igualdade, ideia central dos direitos sociais ou de segunda geração, visto que o fim útil da corresponsabilidade é a atenuação ou afastamento da pena.
Portanto, seria proveitoso avaliar as consequências dos métodos estatais no cenário da criminalidade econômica; porém, durante uma provável dosimetria que por ventura considere a teoria da coculpabilidade, seria incabível considerar o poder aquisitivo ou a invulnerabilidade social do autor.
Dessa forma, abandonaremos o risco de regressar ao direito penal do autor (Escola da Defesa Social) e de criar uma nova consideração da periculosidade inerente ao criminoso rico – aquele que com suas ações traz gigantescas e nefastas consequências socioeconômicas; assegurando a sobrevivência da Teoria Finalista (de Hans Welzel).
É importante considerar, por fim, que o recente direcionamento dos holofotes punitivos à criminalidade econômica deve primar, em todos os seus aspectos (não só acerca da teoria da coculpablidade), pela igualdade formal na aplicação do direito incriminador, considerando sempre a eterna discrepância entre o indivíduo e o poder do Estado.
A medida impediria futuras considerações incompatíveis com o Direito Penal, como a reversão do ônus da prova considerando a ausência de hipossuficiência econômica e de informação (a exemplo do Direito do Trabalho e do Consumidor), a ponderação entre garantias penais e o risco do negócio, ou mesmo a análise da riqueza como causa de aumento de pena.
As consequências podem parecer impossíveis, porém em matéria penal é necessário ter cautela, principalmente em períodos de mudanças e conturbações sociais. A história mostra que em momentos de grandes transtornos o Direito Penal como se encontra é rapidamente atacado, vide a recente decisão do STF pela prisão em segunda instância, a qual interpretou, em desfavor do réu, a cláusula pétrea da presunção de inocência (at. 5º, LVII, CF).
Leia mais sobre crimes econômicos AQUI.