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A coculpabilidade no Direito Penal brasileiro

A coculpabilidade no Direito Penal brasileiro

A terminologia da palavra coculpabilidade é sugestiva, uma vez que o prefixo “co” indica ligação, concomitância. Já a palavra culpabilidade representa o grau de reprovabilidade que deverá incidir sobre uma determinada conduta típica e ilícita perpetrada pelo agente delinquente. Desta forma, conclui-se que o vocábulo deve ser compreendido como a concomitância de culpas, responsabilidades entre o agente delitivo e o Estado. 

Destarte, a natureza jurídica da coculpabilidade é de princípio constitucional implícito, derivado dos princípios da individualização das penas, dignidade da pessoa humana e razoabilidade, devendo o referido princípio ser definido como a atribuição ao Estado de parcela de responsabilidade quando do cometimento de infrações por indivíduos que, claramente, sofreram e sofrem um processo constante de marginalização social, que são, decididamente, excluídos e alheios ao olhar estatal, tendo o seu âmbito de autodeterminação abruptamente adulterado na origem, sendo essa alteração fator determinante para as escolhas e caminhos a serem trilhados por eles.  

Nesse sentido, o Estado, falho e inoperante quanto às suas funções precípuas, de garantia e manutenção a todos os indivíduos, indistintamente, de seus direitos fundamentais, notadamente ante a exclusão socioeconômica e cultural gerada em virtude dessa sua omissão, deverá arcar com parcela da responsabilidade de forma concorrente com o agente delitivo.  

Contudo, o que se pretende com o princípio da coculpabilidade não é conduzir à impunibilidade do agente delitivo, muito menos atribuir ao Estado a responsabilidade penal pelos delitos cometidos por aquele, fazendo-se insurgir contra o Estado a aplicação da pena, mas, sim, gerar uma menor reprovação social da conduta do indivíduo delinquente e delinear uma pena justa, em homenagem ao princípio da individualização das penas, ao reconhecer a sua ineficácia na realização de seu papel constitucionalmente previsto. 

Parcela da doutrina penalista, sendo Raúl Eugênio Zaffaroni o precursor do princípio ora em comento, tem buscado cada vez mais dar êxito a um direito penal social, humano, exatamente por fenômeno social que é o delito, optando pela defesa da aplicação do princípio da coculpabilidade no direito penal brasileiro, como forma de atenuar as mazelas acarretadas pela falha e omissão estatal.   

A inserção da coculpabilidade e a sua consequente aplicação no ordenamento jurídico penal brasileiro podem ser verificadas em quatro momentos distintos, valendo-se do sistema Nelson Hungria de dosimetria da pena:

A) na primeira fase de dosimetria penal, a coculpabilidade poderia ser inserida como uma das circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, devendo ser levada em consideração pelo magistrado quando da fixação da pena base;

B) poderia ser encartada, ainda, como atenuante genérica a ser inserida no artigo 65 do Código Penal ou, também, como atenuante inominada do artigo 66 do mesmo diploma, tendo esta última uma boa visibilidade de aplicação, vez que o magistrado poderá levar em conta para atenuar a pena, circunstâncias relevantes, anteriores ou posteriores ao crime, embora não prevista expressamente em lei;

C) por fim, poderia ser utilizada também como causa de diminuição de pena a ser inserida no Código Penal e aplicada na terceira fase de dosimetria, sendo, talvez, a hipótese na qual a pena poderia ser imposta aquém do mínimo legal, uma vez que em razão da súmula 231 do Superior Tribunal de Justiça, é vedada a incidência de circunstância atenuante que culmine na condução da pena abaixo do mínimo legal previsto.  

Contudo, em que pese a posição de parcela da doutrina tendente a aplicabilidade do princípio da coculpabilidade, a jurisprudência dominante dos Tribunais estaduais e federais, bem como do Superior Tribunal de Justiça rechaça a aplicação do referido princípio sob o fundamento de que o reconhecimento deste seria uma forma de concessão de prêmios aos indivíduos que “optaram” pelo caminho da criminalidade, devendo sobre estes, unicamente, recair o peso de uma “escolha” errada.

Entretanto, questiona-se: somos responsáveis por nossas escolhas. Certo. Mas que escolhas temos? 

O que se pretende neste momento, sem jamais buscar o esgotamento de um tema tão complexo como o em análise, é proporcionar uma reflexão e um olhar diferenciado em relação à fixação da pena daquele agente delinquente que sofreu e sofre um processo de exclusão social, de marginalização, bem como chamar a atenção para a necessidade de uma análise casuística dos delitos, vez que injusto seria toda responsabilidade pelo cometimento de um delito recair somente sobre os ombros de quem já suportou e suporta o descaso e a hostilidade de um Estado inoperante e omisso, bem como de uma sociedade excludente e preconceituosa, quando estes últimos também contribuíram, ainda que indiretamente para a consecução do crime.  

José Daniel Criscolo Figueiredo

Advogado criminalista (MG)

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