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Você conhece os “cofres” dos presídios?

Você conhece os cofres dos presídios?

Fala moçada! Saudades mil de todos vocês, meus amigos leitores. Devido ao muito trabalho que venho realizando, bem como as três turmas às quais tenho ministrado aulas, tive que me ausentar, mas, aos poucos, prometo voltar a escrever semanalmente no melhor e maior Canal de Ciências Criminais do Brasil.

Pois bem, chega de conversa e vamos ao que interessa coluna!

No mês de maio do corrente ano, tive uma surpresa ao fazer uma sustentação oral junto ao TRF4. Sustentava um habeas corpus em um processo no qual o paciente era acusado por um crime de tráfico de armas. Processo complexo cuja principal tese defensiva era a ausência de autoria dos fatos.

No processo federal, manejamos uma liberdade provisória e mesmo o réu possuindo residência fixa, trabalho lícito e bons antecedentes, o magistrado de primeiro grau negou o pleito defensivo trazendo como argumento para manter a prisão a já batida e desgastada garantia da ordem pública.

Incrível como alguns magistrados “esquecem” facilmente o preceito de que prisão é exceção e que a regra é se responder o processo em liberdade.

Pois bem. Habeas corpus pautado e lá fui eu para mais uma sustentação oral. O processo estava na ponta da língua. Comecei a sustentação oral informando as condições do paciente junto ao cárcere bem como sua primariedade e outros atributos que poderiam fazer com que o paciente respondesse ao processo em liberdade.

No entanto, o que mais chamou a atenção de um dos julgadores foi o fato de eu dizer que o paciente preso precisa de mais recursos financeiros do que quando solto, ou seja, teoricamente, na prisão, o acusado não necessitaria de nenhum valor, eis que o Estado deveria dispor a ele as condições mínimas para a sobrevivência, uma vez que retirou-lhe a liberdade e agora é o único e exclusivo responsável por sua tutela.

Estava eu falando desse paradoxo quando um dos desembargadores me interrompeu de maneira muito educada pedindo que lhe explicasse esse paradoxo de o preso necessitar de mais dinheiro na prisão do que em liberdade.

Na hora até me espantei, eis que não é comum o desembargador na fala do advogado pedir explicações, porém, percebi o interesse do magistrado e contei-lhe o que acontece nos presídios gaúchos.

Inicialmente, disse para o julgador que nos presídios gaúchos, o comando da casa prisional é feito pelo Estado na figura do diretor do presidio e também pelos presos.

Nada acontece sem a concordância dos apenados, pois o Estado falhou com os presídios no Rio Grande do Sul. Aqui, eles são comandados por facções criminosas que possuem o total comando das casas prisionais.

Cada galeria possui um plantão ligado à “prefeitura”. Esses presos possuem as mais diversas funções, sempre primando pela organização das galerias para que tudo ocorra com a maior tranquilidade, afinal, o cárcere é um ambiente tenso e pronto para explodir, daí a necessidade da prefeitura em cada galeria.

Mas se o preso não possui condições de colaborar com a “caixinha” da galeria e se ele não possui valores ou parentes que possam-lhe alcançar ao menos uma sacola de alimentos, como é a vida deste detento no cárcere?

Informo que esse apenado ficará entre os “caídos”, presos que fazem pequenos trabalhos para outros apenados, tal como lavar peças de roupas e outros serviços diários em troca de alguns trocados, ou ficam devendo “favores” para essas facções que lhe apoiam no cárcere, fornecendo alimentação de melhor qualidade, diferente da que vem do “panelão”, essa muitas vezes temperada com iguarias exóticas tipo, com ratos, baratas e besouros etc.

Acredito que o Estado brasileiro espere que os presos adotem a dieta de alguns países orientais onde a ingestão de insetos e outros animais é normal.

Os favores que os presos “caídos” ficam devendo quando postos em liberdades são crimes dos mais diversos, que vão do tráfico de drogas, roubos de veículos, homicídios e tantos outros.

Não adianta, ficou devendo no cárcere, tem que pagar: ou com valores ou com a própria vida, daí a importância de todos nós da sociedade civil se preocuparmos com que acontece nos presídios, afinal de contas, essa violência estoura contra todos nós.

E cofres?

Um dia da semana acontece a revista geral em determinados presídios. Aqui no presídio central, hoje “Cadeia Pública”, as revistas ocorrem às quintas-feiras e todos nós sabemos que nos presídios existem celulares, armas e outros objetos, portanto, quando os policias ingressam nas celas para as revistas, para onde vão esses objetos?

Aí surgem os cofres!

Os presos caídos, aqueles que não possuem recursos financeiros ou familiares para lhe auxiliarem, acabam alugando seu corpo e guardam dentro de si esses itens proibidos que couberem, especialmente drogas e telefones celulares, mas não se descartam armas e outros objetos, transformando-se em verdadeiros cofres humanos.

Lembro que, ao terminar minha sustentação oral, um clima de desconforto foi tomado naquela sessão. Um dos desembargadores federais informou não saber daquelas barbáries e a turma, por unanimidade, concedeu a ordem e soltou meu cliente naquele HC.

Fiquei feliz pela soltura e mais feliz em poder contar essas TERRÍVEIS verdades para quem deveria conhecer o depósito de seres humanos que foi criado no Brasil, mas que estão mais interessados em prender pela “garantia da ordem pública”.

Jean Severo

Mestre em Ciências Criminais. Professor de Direito. Advogado.

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