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O colapso nos presídios

O colapso nos presídios

A falência do sistema prisional brasileiro vem de longa data, sem a busca efetiva por soluções, seja de governos, seja da sociedade civil. Recentemente, uma chacina nos presídios de Manaus, no estado do Amazonas, deixou 55 mortos em duas cadeias da cidade.

Numa mostra de descaso com a gravidade da situação, o governo desse estado ainda não pagou as indenizações da chacina ocorrida em 2017. Em Manaus, a administração dos presídios é feita por uma instituição privada.

Em sua obra “Sistema prisional: Colapso atual e soluções”, o autor Rogério GRECO (2010, p. 150) já trazia uma radiografia das mazelas do sistema prisional:

Não é incomum, por exemplo, que nas cadeias brasileiras, onde os presos aguardam o seu julgamento, ocorra a chamada superlotação carcerária. No Estado de Minas Gerais, na década de 90, do século passado, a situação se agravou de tal maneira que, em uma delegacia localizada na cidade de Belo Horizonte, os presos deram início àquilo que denominaram de “ciranda da morte”. Assim, os presos que se encontravam naquele estabelecimento prisional, fizeram uma série de reivindicações dirigidas à melhoria do sistema. Como forma de pressionar o governo estadual a atender as referidas reivindicações, os presos elegiam um companheiro de cela e o matavam. Assim, começaram a matar os presos, um por dia, até que os pedidos fossem considerados e atendidos.

Mortes nos presídios de Manaus

Superlotação e guerra entre facções criminosas foram causas determinantes para a onda de mortes nos presídios de Manaus em 2017. Dois anos depois, a situação se repete, mostrando inequivocadamente o descaso com a gravidade da situação.

Em sua obra, GRECO (2010, p. 180 e 250) enfatiza que o Direito Penal Máximo só vai piorar a situação:

A corrupção existente no sistema carcerário, conjugada com o tratamento indigno dispensado aos detentos (aqui incluída, obviamente, a superlotação carcerária) tornou-se uma marca registrada do sistema penitenciário do século XX, bem como do início do século XXI. Isso, porém, deveu-se também em parte a uma opção política, adotada pela maioria dos países, que foi o movimento de lei e ordem, ou seja, de Direito Penal máximo, em que os governos que não cumpriam suas funções sociais viam no Direito Penal a solução dos seus problemas.

Toda vez que algum crime grave é mostrado pela mídia, tem início uma mobilização com a finalidade de se alterar a legislação, pugnando-se, sempre, pela neocriminalização ou pela neopenalização, vale dizer, a mídia nos força a reconhecer que o Poder Legislativo precisa acordar para os problemas sociais e, através da criação de novas leis penais, ou mesmo com o recrudescimento das penas já cominadas em abstrato, tentar impedir, a qualquer custo, a criminalidade.

O legislador, a seu turno, pressionado pelos meios de comunicação, que chamaram para si a responsabilidade de representar a opinião pública, cede a essa pressão e, a todo instante, faz editar novos tipos penais incriminadores, aumentando as penas dos delitos já existentes, criando circunstâncias agravantes, trazendo novas majorantes, enfim, fazendo com que, cada vez mais, ocorra um inchaço na legislação, o que acarreta um processo terrível para todos nós, chamado de inflação legislativa.

Insistir no discurso punitivo, então, só vai piorar o caos presidiário, com pouco ou nenhum efeito na redução dos índices de criminalidade.

Em 2013, em uma rebelião em Pedrinhas, no estado do Maranhão, 22 presos foram mortos, alguns deles decapitados. A Corte Interamericana de Direitos Humanos impôs uma medida cautelar ao país, sob pena de condenação internacional. Entre as medidas impostas, estavam:

  • Adotar medidas necessárias e efetivas para evitar novas mortes e danos à integridade dos presos;
  • Reduzir imediatamente a superlotação;
  • Investigar os fatos denunciados pelas organizações e que levaram a Comissão a adotar estas medidas.

Desde então, as prisões do estado do Maranhão seguem monitoradas por diferentes órgãos, tais quais a OAB e as ONG’s Conectas e Justiça Global. No entanto, pouca mudança houve nas condições do sistema presidiário do estado.

O massacre do Carandiru também chegou até a CIDH, a qual expediu as seguintes recomendações:

A Comissão de Direitos Humanos recomenda à República Federativa do Brasil o seguinte:

1. Realizar uma investigação completa, imparcial e efetiva a fim de identificar e processar as autoridades e funcionários responsáveis pelas violações dos direitos humanos assinaladas nas conclusões deste relatório.

2. Adotar as medidas necessárias para que as vítimas dessas violações que foram identificadas e suas famílias recebam adequada e oportuna indenização pelas violações definidas nas conclusões deste relatório, assim como para que sejam identificadas as demais vítimas.

3. Desenvolver políticas e estratégias destinadas a descongestionar a população das casas de detenção, estabelecer programas de reabilitação e reinserção social acordes com as normas nacionais e internacionais e prevenir surtos de violência nesses estabelecimentos. Desenvolver, ademais, para o pessoal carcerário e policial, políticas, estratégias e treinamento especial orientados para a negociação e a solução pacífica de conflitos, assim como técnicas de reinstauração da ordem que permitam a subjugação de eventuais motins com o mínimo de risco para a vida e a integridade pessoal dos internos e das forças policiais.

4. Adotar as medidas necessárias para o cumprimento, no presente caso, das disposições do artigo 28 da Convenção (Cláusula federal) relativas às matérias que correspondem à competência das entidades componentes da federação, neste caso o Estado de São Paulo. 

As condições medievais dos presídios brasileiros

Sem uma melhoria imediata das condições medievais dos presídios brasileiros, sem investigação e punição às torturas e agressões ocorridas dentro dos próprios presídios, seja pelas autoridades, seja pelos presos entre si, pouco ou nada irá mudar.

GRECO (2010, p. 226) chegou às seguintes conclusões em sua obra:

O problema carcerário nunca ocupou, basicamente, a pauta de preocupações administrativas do governo. O tema vem à tona, normalmente, em situações de crises agudas, ou seja, quando existe alguma rebelião, quando movimentos não governamentais trazem a público as mazelas existentes no cárcere, enfim, não é uma preocupação constante dos governos a manutenção de sistemas carcerários que cumpram a finalidade para as quais foram construídos.

Essa afirmação pode ser muito contundente, mas não foge à realidade. Isso porque, principalmente nos países subdesenvolvidos ou ainda em desenvolvimento, o orçamento destinado ao sistema penitenciário quase nunca é suficiente para as suas necessidades básicas. Os direitos mais comezinhos, a exemplo da possibilidade de se alimentar dignamente, de tomar banho, utilizar a energia elétrica, enfim, situações que, de modo algum, importariam em regalias para o preso, são desprezados, fazendo com que o sistema carcerário mais se pareça com as masmorras do período medieval.

Há, portanto, uma falta de interesse estatal em cumprir, inclusive, com aquilo que, muitas vezes, vem determinado em sua própria legislação, bem como nos tratados e convenções internacionais de que foram signatários.

A ONU editou recentemente As Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos, que ficaram conhecidas como Regras de Mandela. O documento contém 122 Regras a ser observadas E cumpridas pelos países signatários. O Brasil participou ativamente das discussões e da elaboração do documento, em 2015, mas até o presente momento as propostas não foram traduzidas na execução de políticas públicas para as graves questões penitenciárias.

As Regras de Mandela preveem um presídio modelo, impensável na realidade brasileira:

Regra 12

1. As celas ou locais destinados ao descanso noturno não devem ser ocupados por mais de um recluso. Se, por razões especiais, tais como excesso temporário de população prisional, for necessário que a administração prisional central adote exceções a esta regra deve evitar-se que dois reclusos sejam alojados numa mesma cela ou local.

2. Quando se recorra à utilização de dormitórios, estes devem ser ocupados por reclusos cuidadosamente escolhidos e reconhecidos como sendo capazes de serem alojados nestas condições. Durante a noite, deverão estar sujeitos a uma vigilância regular, adaptada ao tipo de estabelecimento prisional em causa.

Regra 13

Todos os locais destinados aos reclusos, especialmente os dormitórios, devem satisfazer todas as exigências de higiene e saúde, tomando-se devidamente em consideração as condições climatéricas e, especialmente, a cubicagem de ar disponível, o espaço mínimo, a iluminação, o aquecimento e a ventilação.

Tratamento médico, orientação jurídica, separação de presos provisórios de definitivos, separação de presos civis de presos que cumprem prisão penal, muitas das regras previstas nas Regras de Mandela já encontravam previsão na LEP, na Constituição e em tratados internacionais anteriores.

A adoção do Direito Penal Mínimo, mediação penal e Justiça Restaurativa não devem ser descartadas:

Esqueceu-se da conquista do raciocínio relativo à natureza subsidiária do Direito Penal. Hoje, o Direito Penal não é mais visto como a ultima ratio, mas sim como a prima, ou a solo ratio, ou seja, deixou-se de lado o raciocínio que o Direito Penal, como o mais radical ramo do ordenamento jurídico, deveria somente intervir quando os demais ramos se mostrassem insuficientes para a proteção de um determinado bem.

Na sociedade de hoje, em que o Estado Social foi transformado em um Estado Penal, tudo interessa a esse ramo do ordenamento jurídico. O princípio da intervenção mínima, basicamente, perdeu o sentido. O raciocínio de que ao Direito Penal somente interessa a proteção dos bens mais importantes e necessários ao convívio em sociedade cedeu lugar àquele que diz que todos os bens merecem ser protegidos pelo Direito Penal. (GRECO, 2010, p. 251).

Nenhuma medida isolada é suficientemente eficaz no sentido de resolver o problema do sistema prisional, razão pela qual todas as ações apontadas deverão ser aplicadas conjuntamente. Com toda certeza, optando por enfrentar o problema do cárcere com seriedade, considerando que o preso não perdeu o status de ser humano, por pior que tenha sido a infração penal por ele praticada e, ainda, que os demais direitos não lhe tenham sido retirados com o decreto condenatório, a humanização do sistema prisional é uma necessidade que não pode ser deixada de lado.” (GRECO, 2010, p.  351).


REFERÊNCIAS

GRECO, Rogério. Sistema prisional: colapso atual e soluções alternativas. 2. ed. Niterói: Impetus, 2010.


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Maria Carolina de Jesus Ramos

Especialista em Ciências Penais. Advogada.

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