Estimados leitores do Canal Ciências Criminais, é com imenso prazer que, após breve momento afastado, retomo as atividades no melhor Portal Jurídico online da atualidade. O tema a ser abordado nas próximas colunas tem adquirido cada vez mais repercussão perante a sociedade e, não podia ser diferente, tem assolado cada vez mais os estudos e debates dos operadores do Direito. Falaremos sobre corrupção:
Cor-rup-ção: 1. Ato ou resultado de corromper; corrompimento; corruptela. 2. Decomposição de matéria orgânica, geralmente causada por microrganismos; putrefação. 3. Alteração das características de algo; adulteração. 4. Degradação de valores morais ou dos costumes; devassidão; depravação. 5. Ato ou efeito de subornar alguém para vantagens pessoais ou de terceiros. 6. Uso de meios ilícitos, por parte de pessoas do serviço público, para obtenção de informações sigilosas, a fim de conseguir benefícios para si ou para terceiros.
O estudo da corrupção evoluiu paulatinamente até alcançar o interesse das Ciências Criminais, as quais, atualmente, não podem mais deixar de envidar esforços para compreender os seus contornos, seu regramento, sua incidência e seus efeitos na estrutura social. Nos primórdios, contudo, os estudos vinculados à corrupção possuíam relação precípua com os campos da Sociologia, História e Ciência Política, na medida em que não se tinha compreensão do efeitos da corrupção em âmbito social. De fato, compreendia-se a necessidade de “combate” a este fenômeno “tão somente porque ela não se adequava aos princípios ou padrões éticos” (FURTADO, 2015, p. 22).
Todavia, mais recentemente, o desenvolvimento tecnológico, as formas de relacionamento interpessoal e a verificação de atos de corrupção vinculados ao Estado e a “coisa pública” demonstraram alguns dos efeitos deletérios da corrupção (JAPIASSÚ, 2007, p. 29-56). Nessa senda, a corrupção passou a ser percebida como um verdadeiro “mal público”, expressado por um conjunto de práticas ofensivas, danosas e injustas, contrapondo diretamente uma ideia de “bem público”, sugestionando a existência de demandas por maior controle dos aspectos relacionados à vida pública e aos gastos públicos (SCHILLING, 1998, p. 205-215).
Igualmente, o “fator corrupção” recebeu bastante atenção das instituições, da mídia e da sociedade em geral, ocasião em que se tornou recorrente o fato de importantes veículos de comunicação destinaram custosos espaços publicitários para versar sobre a matéria a ponto de praticamente inserir no vernáculo o vocábulo “Mensalão” e alterar a compreensão social da expressão “Lava Jato”.
As instituições formais de controle, em âmbito nacional e internacional, acompanharam essa movimentação por meio da instituição de diversas medidas de controle, na forma de fiscalização, prevenção e repressão a fatos e atos envolvendo a corrupção e irregularidades na gestão da coisa pública.
Nesse sentido, é possível verificar a realização de importante classificação internacional sobre o nível de corrupção nas nações, gestado pela organização denominada Transparency International – The Global Anti-Corruption Coalition. O primeiro ranking foi divulgado no ano de 1995 (CEPEDA; SÁNCHEZ, 2011, p. 13-62) – ainda antes, por exemplo, da criminalização da Lavagem de Dinheiro, que somente se operou com a Lei nº 9.613/1998 – ocasião em que o Brasil ocupava o vergonhoso título de quinto país mais corrupto na classificação geral, atrás apenas de Venezuela, Paquistão, China e Indonésia. Estava demonstrada a premente necessidade de o Brasil adotar medidas tendentes a encarar o problema e reduzir a corrupção no Brasil.
Assumindo a tendência internacional, iniciou-se no Brasil um processo de global governance, com a adoção de diversas ações internas com o desiderato de buscar maior controle e diminuição da corrupção. Com efeito, houve a ratificação de diversos Tratados e Convenções Internacionais[1], a criação de Grupos de Trabalho específicos em instituições estratégicas, bem como a edição de Leis e Normativas quanto ao ponto, tais como disposições na Lei de Improbidade Administrativa, Lei de Acesso à Informação Pública, Lei de Lavagem de Dinheiro e a Lei Anticorrupção (GRECO FILHO, 2015, p. 52).
Pouco mais de vinte anos depois e com a adoção de diversas medidas no âmbito do sistema de controle da corrupção, o Brasil saltou para a 76º colocação (de um total de 168 países ranqueados) na classificação estabelecida pela Transparency International. Houve alguma evolução, sem dúvidas, mas ainda há muito a ser melhorado. Isso é fato. O dispêndio irregular de verbas públicas gera cada vez mais revolta e se torna conduta cada vez mais digna de reprovação perante a sociedade.
Esse panorama, contudo, enseja reflexão e preocupação, na medida em que revela um grande risco, o risco de o “fator corrupção” gerar ranhuras e tensões democráticas em nossa estrutura interna e nossa compreensão dogmática. Isso porque a disseminação desse pensamento – de que a corrupção deve ser “combatida” a qualquer custo – pode causar retrocessos normativos e de interpretação técnica.
Assim, cumpre, antes de mais nada, zelar pelas Garantias e Direitos Fundamentais historicamente consolidados, sem olvidar, também, a necessidade de se assegurar efetiva punição, prevenção e controle dos malefícios causados pela corrupção, em toda a sua extensão.
Iniciamos a discussão – que seguirão em colunas elaboradas aqui no Canal Ciências Criminais – com essa breve exposição do tema, e seguiremos aprofundando, na sequência, a especificidade das medidas adotadas pelo Brasil e o atual contexto no qual nos encontramos, em relação às políticas de “combate” à corrupção.
REFERÊNCIAS
CEPEDA, Ana Isabel Pérez; Sánchez, Carmen Demelsa Benito. La política criminal internacional contra la corrupción. Revista Brasileira de Ciências Criminais. Vol. 89/2011. pp. 13-62. Mar-abr/2011.
FURTADO, Lucas Rocha. As raízes da corrupção no Brasil: estudos de caso e lições para o futuro. 1.ed. Belo Horizonte: Fórum, 2015.
GRECO FILHO, Vicente. O combate à corrupção e comentários à Lei de Responsabilidade de Pessoas Jurídicas. São Paulo: Saraiva, 2015.
JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano. A corrupção em uma perspectiva internacional. Revista Brasileira de Ciências Criminais. Vol. 64/2007. pp. 29-56. Jan-fev/2007.
SCHILLING, Flávia. A corrupção e os dilemas do judiciário. Revista Brasileira de Ciências Criminais. Vol. 23/1998. pp. 205-215. Jul-set. 1998.
NOTAS
[1] Ilustrativamente, cita-se: Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico; a Convenção Interamericana contra a Corrupção, da Organização dos Estados Americanos; a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional e a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção.