Comentários ao Projeto de Lei 7596/2017 (abuso de autoridade)
Comentários ao Projeto de Lei 7596/2017 (abuso de autoridade)
Nesta quarta-feira (14/08), a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 7.596/2017, que atualiza a Lei de Abuso de Autoridade, descrevendo 37 situações práticas que podem configurar o crime.
A lei, que segue para sanção presidencial, tem sido alvo de discussões entre algumas classes, principalmente as de magistrados, procuradores e policiais. A pergunta é: porque alguns se sentem desconfortáveis com lei?
Antes de debater, vejamos quais são as situações praticas que podem configurar o crime:
- Decretar medida de privação da liberdade em manifesta desconformidade com as hipóteses legais;
- Deixar de relaxar a prisão manifestamente ilegal;
- Deixar de substituir a prisão preventiva por medida cautelar diversa ou conceder liberdade provisória, quando manifestamente cabível;
- Deixar de deferir liminar ou ordem de habeas corpus, quando manifestamente cabível;
- Decretar a condução coercitiva de testemunha ou investigado manifestamente descabida ou sem prévia intimação de comparecimento ao juízo;
- Executar a captura, prisão ou busca e apreensão de pessoa que não esteja em situação de flagrante delito ou sem ordem escrita de autoridade judiciária, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei, ou de condenado ou internado fugitivo
- Deixar injustificadamente de comunicar prisão em flagrante à autoridade judiciária no prazo legal;
- Deixar de comunicar, imediatamente, a execução de prisão temporária ou preventiva à autoridade judiciária que a decretou;
- Deixar de comunicar, imediatamente, a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontra à sua família ou à pessoa por ela indicada;
- Deixar de entregar ao preso, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, a nota de culpa, assinada pela autoridade, com o motivo da prisão e os nomes do condutor e das testemunhas;
- Prolongar a execução de pena privativa de liberdade, de prisão temporária, de prisão preventiva, de medida de segurança ou de internação, deixando, sem motivo justo e excepcionalíssimo, de executar o alvará de soltura imediatamente após recebido ou de promover a soltura do preso quando esgotado o prazo judicial ou legal;
- Constranger o preso ou o detento, mediante violência, grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência, a exibir-se ou ter seu corpo ou parte dele exibido à curiosidade pública; a submeter-se a situação vexatória ou a constrangimento não autorizado em lei e a produzir prova contra si mesmo ou contra terceiro:
- Fotografar ou filmar, permitir que fotografem ou filmem, divulgar ou publicar fotografia ou filmagem de preso, internado, investigado, indiciado ou vítima, sem seu consentimento ou com autorização obtida mediante constrangimento ilegal, com o intuito de expor a pessoa a vexame ou execração pública;
- Constranger a depor, sob ameaça de prisão, pessoa que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, deva guardar segredo ou resguardar sigilo;
- Deixar de identificar-se ou identificar-se falsamente ao preso quando de sua captura ou quando deva fazê-lo durante sua detenção ou prisão;
- Submeter o preso, internado ou apreendido ao uso de algemas ou de qualquer outro objeto que lhe restrinja o movimento dos membros, quando manifestamente não houver resistência à prisão, internação ou apreensão, ameaça de fuga ou risco à integridade física do próprio preso, internado ou apreendido, da autoridade ou de terceiro;
- Submeter o preso a interrogatório policial durante o período de repouso noturno, salvo se capturado em flagrante delito ou se ele, devidamente assistido, consentir em prestar declarações;
- Impedir ou retardar, injustificadamente, o envio de pleito de preso à autoridade judiciária competente para a apreciação da legalidade de sua prisão ou das circunstâncias de sua custódia;
- Impedir, sem justa causa, a entrevista pessoal e reservada do preso com seu advogado;
- Manter presos de ambos os sexos na mesma cela ou espaço de confinamento;
- Invadir ou adentrar, clandestina ou astuciosamente, ou à revelia da vontade do ocupante, imóvel alheio ou suas dependências, ou nele permanecer nas mesmas condições, sem determinação judicial ou fora das condições estabelecidas em lei;
- Inovar artificiosamente, no curso de diligência, de investigação ou de processo, o estado de lugar, de coisa ou de pessoa, com o fim de eximir-se de responsabilidade ou de responsabilizar criminalmente alguém ou agravar-lhe a responsabilidade;
- Constranger, sob violência ou grave ameaça, funcionário ou empregado de instituição hospitalar pública ou privada a admitir para tratamento pessoa cujo óbito já tenha ocorrido, com o fim de alterar local ou momento de crime, prejudicando sua apuração;
- Proceder à obtenção de prova, em procedimento de investigação ou fiscalização, por meio manifestamente ilícito;
- Induzir ou instigar pessoa a praticar infração penal com o fim de capturá-la em flagrante delito, fora das hipóteses previstas em lei;
- Requisitar instauração ou instaurar procedimento investigatório de infração penal ou administrativa, em desfavor de alguém, à falta de qualquer indício da prática de crime, de ilícito funcional ou de infração administrativa;
- Divulgar gravação ou trecho de gravação sem relação com a prova que se pretenda produzir, expondo a intimidade ou a vida privada ou ferindo a honra ou a imagem do investigado ou acusado;
- Prestar informação falsa sobre procedimento judicial, policial, fiscal ou administrativo com o fim de prejudicar interesse de investigado;
- Dar início ou proceder à persecução penal, civil ou administrativa sem justa causa fundamentada ou contra quem sabe inocente;
- Estender injustificadamente a investigação, procrastinando-a em prejuízo do investigado ou fiscalizado;
- Negar ao interessado, seu defensor ou advogado acesso aos autos de investigação preliminar, ao termo circunstanciado, ao inquérito ou a qualquer outro procedimento investigatório de infração penal, civil ou administrativa, assim como impedir a obtenção de cópias, ressalvado o acesso a peças relativas a diligências em curso, ou que indiquem a realização de diligências futuras, cujo sigilo seja imprescindível;
- Exigir informação ou cumprimento de obrigação, inclusive o dever de fazer ou de não fazer, sem expresso amparo legal;
- Deixar de corrigir, de ofício ou mediante provocação, tendo competência para fazê-lo, erro relevante que sabe existir em processo ou procedimento;
- Coibir, dificultar ou impedir, por qualquer meio, sem justa causa, a reunião, a associação ou o agrupamento pacífico de pessoas para fim legítimo;
- Decretar, em processo judicial, a indisponibilidade de ativos financeiros em quantia que extrapole exacerbadamente o valor estimado para a satisfação da dívida da parte e, ante a demonstração, pela parte, da excessividade da medida, deixar de corrigi-la:
- Demorar demasiada e injustificadamente no exame de processo de que tenha requerido vista em órgão colegiado, com o intuito de procrastinar seu andamento ou retardar o julgamento;
- Antecipar o responsável pelas investigações, por meio de comunicação, inclusive rede social, atribuição de culpa, antes de concluídas as apurações e formalizada a acusação.
Um dos argumentos que vi ser utilizados pelos que se opõe a referida lei é que a autoridade não pode ser punida ao cometer um erro durante o exercício de suas funções. Sendo assim, pergunto-me: como fica a situação da pessoa que foi vitima do abuso de autoridade?
Ao analisar os 37 exemplos práticos para configuração do crime, percebo que todos os pontos são evidentes que deveriam ser respeitados por toda e qualquer autoridade no exercício de suas funções.
Concordo que não era para existir uma lei desse tipo, mas como advogado atuante percebo que, infelizmente, se faz necessária a existência da referida. Ora, ao inquirir cada ponto da lei, todos apenas exemplificam o que desde 1988 já está escrito e que deveria ter restrito cumprimento.
Bastava informar que a autoridade que descumprir as cláusulas pétreas da constituição estará cometendo o crime em debate. A lei se resume na hipótese de a autoridade que descumprir o que dispõe o art. 5º, incisos: II, III, X, XIV, XLV, XXXIX, XL, XLVIII, XLIX, LIV, LXVI, LXVIII, XLI, LV, LVI, LXI, LXII, LXIII, LXIV, LXV, LXVI, todos da CF de 1988, sofrerá sanções.
No entanto, não é tão simples assim. Para quem é atuante no dia a dia jurídico, principalmente a classe de advogados criminalista sabe que a ocorrência dos abusos é frequente.
A tristeza e frustração são naturais quando se presencia situações de abuso de autoridade, principalmente porque tais autoridades têm conhecimento da lei, estudaram-na e devem aplicá-las. E alguns até são seus guardiões.
Vale lembrar que a lei que regulamenta o direito de representação nos casos de abuso de autoridade é de 1965, ou seja, da época da ditadura militar, no caso a Lei 4.898. É bem verdade que estamos em momentos diferentes daquele, porém infelizmente traços da ditadura se fazem presentes nos dias atuais e é necessário que seja eliminado qualquer rastro de abusos de autoridade na época do exercício do pleno Estado Democrático de Direito.
Ao ler e reler a lei em debate percebe-se a existência de exemplos práticos do que já não deve ser feito. A meu ver, qualquer que se sinta desconfortável é porque não conhece a Carta Magna e o ordenamento jurídico ou se conhece não quer cumprir a rigor. Aqueles que a criticam desejo que nunca venham a ser vitima de abuso de autoridade.
Ao final venho destacar que no Estado Democrático de Direito os fins não justificam os meios.
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