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Como fazer a defesa criminal quando somente se tem prova testemunhal?


Por Anderson Figueira da Roza


Seguidas vezes sou indagado por estudantes de Direito, por jovens advogados criminalistas e também por conhecidos curiosos de como fica a defesa de algum acusado quando o processo depende exclusivamente na palavra da vítima e suas testemunhas e o acusado? E logicamente estou falando de acusado que é inocente e que de fato está sendo processado sem ter participado do crime, o que é também muito comum.

Bem, primeiramente é preciso muita cautela para aceitar um caso com estas características, pois dependendo do tipo de delito, a palavra da vítima tem sim mais valor do que o acusado. Mas mesmos nestas circunstâncias é possível fazer um bom trabalho, e isso vai depender também do grau de interesse do advogado em trabalhar a prova durante a instrução processual.

As dicas que serão apresentadas mais adiante não são encontradas em livros de doutrina, e raramente serão debatidas na academia, são frutos de uma atividade profissional e aqui escritas por eu ter sido indagado tantas vezes sobre o assunto, logo, não é regra, mas se já deu certo para mim muitas vezes, pode dar certo para quem tem dúvidas a respeito do tema.

Existem muitos processos no Brasil, alguns com materialidade e que atribuem a autoria a acusados exclusivamente por depoimentos, desta forma, o advogado criminalista deve fazer o seguinte:

1) Não seja preguiçoso e analise minuciosamente todos os depoimentos colhidos no inquérito policial, quase sempre existem divergências, é comum pessoas dizerem mais coisas do que realmente “presenciaram”, as contradições deverão ser esclarecidas na instrução processual, e então você não terá outra oportunidade de confrontar essas dúvidas entre um depoimento e outro a não ser na audiência;

2) Vá ao local do fato, olhe você mesmo, tire fotos, grave vídeos, converse com alguém na rua que possa ter tido alguma notícia do ocorrido, sempre há novos detalhes que poderão lhe ajudar na formação da defesa. Lembre-se que em processos difíceis com estes, muitas vezes você não vai elucidar o fato, isso é trabalho da polícia, você precisa demonstrar que existem várias dúvidas quanto à autoria, e com dúvidas em excesso, fatalmente seu cliente deve ser absolvido;

3) Em casos que se originam a partir de animosidades ou divergências pessoais entre vítima e acusado, são muito comuns amigos da vítima se colocarem “a disposição” para serem testemunhas da vítima. Lembre-se que isso é um presente para a defesa, pois testemunhas forjadas, ao serem indagadas nos detalhes por um defensor consistente, abrem portas e janelas para passar as mentiras combinadas;

4) Lembre-se que por mais que sejam mentiras os depoimentos que acusam falsamente uma pessoa, você como defensor deve ser profissional, não ironizar, não debochar, não sorrir, não se alterar, mesmo diante de uma afirmação mentirosa, digo isto porque já presenciei advogados que ironizam, debocham, comentam respostas de uma testemunha, mas sinceramente não fica bem para quem está assistindo, e lembre-se que o julgador está atento ao seu trabalho;

5) Trace seu plano de perguntas, elas devem estar prontas desde quando você estudou o caso, e vá as eliminando uma a uma, nada pode deixar de ser respondido, e lembre-se que quem está comprometido de dizer a verdade é a testemunha e não você, logo, não se importe com o tempo, se a testemunha ficar nervosa, irritada, é melhor para você e seu cliente;

6) Após todas as testemunhas de acusação e defesa serem ouvidas, será a vez de o seu cliente ser ouvido, e aqui o defensor deve ter chamado a atenção em conversas anteriores de todas as contradições apresentadas, e ele deve ser esclarecedor em retirar tudo que foi apontado falsamente contra ele, de forma calma, clara, isso não quer dizer que não deva ter emoção, é muito difícil, uma pessoa que está sendo acusada de algo que não fez não estar inchada de sentimento de injustiça, mas a hora de colocar para fora é ali diante do juiz, do promotor e de você defensor, pois encerrado o interrogatório, o processo seguirá para as alegações finais orais ou escritas e sentença. E mesmo que haja recurso, dali pra frente seu cliente não será ouvido novamente, então o interrogatório é peça fundamental para uma absolvição em processos com provas de autoria registrada apenas por depoimentos.

Saliento mais uma vez que estas orientações são exclusivas para aqueles processos em que seu cliente é acusado falsamente. Nada impede que algumas destas dicas sejam usadas para outros tipos de processo, por isso afirmo sempre que a advocacia criminal é uma das poucas profissões em que você pode defender tantas pessoas que já não sabem mais o que fazer quando são acusadas levianamente.

AndersonFigueira

Anderson Roza

Mestrando em Ciências Criminais. Advogado.

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