ArtigosDireito Penal

Como nasce o Direito, por Carnelutti

Francesco Carnelutti (1879/1965), um dos mais célebres juristas italianos, deixou um leque de obras que ainda hoje são fundamentais para o estudo do Direito. Em Como nasce o Direito, Carnelutti expõe de maneira sintética os principais pontos do estudo do Direito. Primeiramente, o autor conceitua Direito e juristas, pontos fundamentais no estudo da temática proposta:

Estou convencido que, para meus ouvintes, a palavra direito sugere a ideia de legislação, até mesmo a dos conjuntos de normas jurídicas que se chamam de códigos. Embora seja uma definição empírica, de começo podemos aceitá-la: um conjunto de normas que regula a conduta dos homens; (…). (CARNELUTTI, 1954, pg. 09).

Não passou despercebido ao célebre jurista que nem todos os membros de um parlamento tem a formação universitária jurídica, um ponto crítico de toda sociedade moderna:

Por conseguinte, as leis são feitas, se não unicamente, ao menos também, pelos homens que não aprenderam como fazê-las. (Idem, pg. 10).

O jurista defende que o cidadão comum tenha um mínimo de conhecimento jurídico, pois como o Estado pode cobrar respeito às leis, e punir quem as fere, com um povo ignorante?

Sob esse aspecto, dizíamos, o ordenamento dos estudos vigentes na Itália, principalmente no que diz respeito à instrução média, apresenta sérios defeitos. Quer para fins educacionais, quer para fins informativos, ou seja, tanto na formação do caráter como no treinamento técnico para as várias obrigações sociais, é necessário um mínimo de conhecimento jurídico. (Idem, pg. 13).

Continuando a sua reflexão sobre a necessidade e utilidade do Direito, o autor defende que o Direito vem para trazer a paz social, a ordem. A guerra, o caos, são o oposto do que o Direito prega.

Separando Direito de moral, Carnelutti estabelece: “Esse sub-rogado da moral é o direito.” (Idem, pg. 23). Mas o homem nem sempre obedecerá ao Direito ou à moral por livre e espontânea vontade, daí a necessidade da sanção: o castigo a quem desobedece ao Direito. Então o autor chega ao conceito de delito.

Delito ou ato ilícito, para o autor, são as condutas anti-sociais, escolhidas pelo legislador, que trarão uma sanção (castigo) a quem a comete. O autor reconhece o problema do número cada vez maior de delitos criados pelo legislador, tornando o estudo do Direito Penal cada vez mais complexo. O autor distingue entre dolo e culpa, crimes omissivos e crimes comissivos, e os atos chamados de contravenções, menos graves do que o crime comum. 

Desse modo, pouco a pouco o conceito de crime vai deslocando-se. Em sua origem, o crime seria um ato imoral, que, em virtude da gravidade do dano que dele resulta para a ordem social, castiga-se com a pena; em outras palavras, o centro de gravidade do crime estaria na moral. Em razão da evolução a que me referi, um fato qualifica-se de crime nem tanto por razões morais quanto por razões jurídicas, ou seja, nem tanto por que merece ser castigado quanto por que é castigado. O caráter positivo do crime consiste, pois, na punibilidade de um fato do homem. (Idem, pg. 30).

Carnelutti reflete na função da pena. O jurista considera que a pena tem função preventiva e repressiva, mas critica o sistema penal por ser um tormento para o réu, uma vingança.

O jurista reflete que o Direito desde a Idade Moderna gira em torno de dois bens jurídicos principais: a vida humana e a propriedade. Dessa forma, os delitos de homicídio e de furto são os mais frequentes e punidos no sistema de Justiça. No capítulo sobre a propriedade, o jurista reflete:

Assim, a propriedade, de instituto puramente econômico passa a ser um instituto jurídico e até se converte em um direito. (Idem, pg. 33).

A propriedade é, historicamente, o primeiro dos direitos subjetivos. (Idem, pg. 36).

No capítulo sobre legislação, o autor diferencia ente leis jurídicas e leis físicas ou naturais, leis expressas (escritas) e o que denomina de leis tácitas (os costumes), leis não escritas, mas com grande poder de influenciar o Direito. O autor também reflete sobre o número crescente de leis nas sociedades modernas:

Atualmente, discute-se, cada vez com maior insistência, uma denominada crise da lei, um dos aspectos mais visíveis da moderna crise do direito.

(…) Para alcançar esse objetivo, é necessário que as leis possam, antes de tudo, serem conhecidas. Mas o que pode fazer um cidadão, hoje, para conhecer todas as leis de seu país? (…) O ordenamento jurídico, cujo maior mérito deveria ser a simplicidade, transformou-se, para nossa desgraça, em um complicado labirinto, no qual, até os que deveriam ser os guias, perdem-se. (Idem, pg. 46-47).

No capítulo sobre o juízo, Carnelutti reflete sobre o processo, distingue o processo civil do processo penal, o processo de cognição do processo de execução. Nas palavras do autor, o processo penal serve para “comprovar e castigar o ato delituoso.” (Idem, pg. 50).

O autor defende o Estado democrático de Direito. Estado é a sociedade juridicamente ordenada. Não há Estado sem Direito nem Direito sem Estado. Carnelutti diferencia Estado de nação: o conceito de nação pertence à sociologia, não ao Direito.

Tendo em vista a complexidade dos Estados modernos, o jurista defende o direito internacional como solução para que os diferentes estados que compõe o mundo moderno vivam em paz. Uma comunidade internacional é defendida pelo autor como uma via para a paz entre os povos. Antecipando-se à União Europeia, defende uma Europa unida, inclusive com uma constituição própria.

Carnelutti finaliza seu livro enfatizando a função do Direito de garantir a paz entre os homens:

Sem a bondade, a ciência do direito poderá, sem dúvida, fazer que cresça a árvores do direito, mas essa árvore não dará os frutos de que os homens tem necessidade. (Idem, pg. 68).


REFERÊNCIAS

CARNELUTTI, Francesco. Como nasce o Direito. Campinas: Russell Editores, 2010.

Leia mais:

STF: dosimetria da pena não pode ser objeto de análise em HC


Quer estar por dentro de todos os conteúdos do Canal Ciências Criminais?

Siga-nos no Facebook e no Instagram.

Disponibilizamos conteúdos diários para atualizar estudantes, juristas e atores judiciários.

Maria Carolina de Jesus Ramos

Especialista em Ciências Penais. Advogada.

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo