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A criminalização do compartilhamento de cena de sexo ou nudez

A criminalização do compartilhamento de cena de sexo ou nudez 

A agilidade e a facilidade da disseminação de conteúdo pela via digital, através de aplicativos como o WhatsApp e o Instagram, transformou progressivamente a dinâmica dos relacionamentos pessoais nos últimos dez anos.

Nesse contexto, era de se esperar que o compartilhamento de informações de cunho íntimo e sexual também tomasse nova perspectiva.

Atividades como o sexting e a troca de imagens e vídeos sensuais entre parceiros e parceiras – popularmente denominados de nudes – tornaram-se comuns no ambiente social e, na mesma medida em que foram multiplicadas as oportunidades de relacionar-se, multiplicaram-se as chances de alguma das partes ter sua intimidade violada por “vazamentos.

A constante inovação nas ferramentas e nas possibilidades de utilização da internet, aliada às precárias condições de controle, investigação e levantamento de ilegalidades, acabam por fornecer terreno fértil ao comportamento criminoso.

Deve-se atentar, para o propósito deste artigo, que, no caso do compartilhamento não consentido de material íntimo, nem sempre o indivíduo por trás da conduta violadora preenche o estereótipo do criminoso digital, possivelmente imaginado pelo leitor como o hacker interpretado por Jonny Lee Miller em “Hackers – Piratas de Computador”.

Muitas vezes o responsável pela exposição alheia é o cidadão comum que, independentemente de possuir relação de amizade ou amorosa com a vítima, deixa de importar-se com as consequências de seus atos em razão de uma pseudo-invisibilidade decorrente do ambiente digital (SYDOW, DE CASTRO, 2017, p. 86/87).

Isso ocorre em razão da sensação de liberdade “sem limites” que é inerente ao ecossistema virtual e causa no usuário, o que Spencer Toth SYDOW e Ana Lara DE CASTRO (2017, p. 69) chamam de distanciamento dos filtros culturais. Trata-se de fenômeno que propicia ao indivíduo a sensação de que seus atos na internet não repercutem em consequências no mundo real e, portanto, não demandam a incidência de qualquer filtro moral.

Por essa razão, frequentemente compartilham-se fotos e vídeos íntimos sem qualquer reserva. A desmaterialização da conduta que expõe e vulnera a intimidade alheia a desveste de qualquer racionalização sobre suas consequências na vida da pessoa exposta.

No entanto, ao contrário do acreditado, o que se percebe atualmente é o continuo intrincamento das esferas real e virtual. Isto é, passam a entrelaçar-se conduta real, física, e virtual, e isso eleva o problema da exposição não consentida a outro patamar.

Nesse contexto é que se nota a relevância do conteúdo da Lei. 13.718 de 2018, que tipificou, além de outras práticas, a divulgação e o compartilhamento de material derivado de estupro, sexo ou pornografia sem o consentimento dos participantes:

Divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável, de cena de sexo ou de pornografia

Art. 218-C – Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio – inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática -, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais grave. (g.n.)

Como se vê da leitura do dispositivo legal, a lei não criminaliza propriamente o envio e a recepção de nudes, mas, de forma bastante prudente, torna punível penalmente o compartilhamento não consentido de material relacionado a cena de sexo, nudez ou pornografia.

Isto é, objetiva-se juridicamente a proteção da liberdade e da dignidade sexual da vítima em face de conduta dolosa perpetrada por agente que compartilha clandestinamente – pela internet ou qualquer outro meio – conteúdo sexual sem prévio consentimento.

Ademais, importa o esclarecimento de que não comete o crime somente o indivíduo que recebe originariamente e compartilha o material ilícito, mas todos aqueles que, mesmo o tendo recebido fortuitamente, vierem a compartilhá-lo. Quer dizer: a consumação do delito se dá no momento em que se verificar a execução de qualquer um dos verbos nucleares presentes no caput do artigo 218-C do Código Penal.

Assim, considerando a velocidade em que se compartilha conteúdo erótico na internet e a aparente inviabilidade de controle e contenção sobre o material virtualizado, inclusive a gravidade dos danos que a exposição indevida acarretam à vítima, percebe-se, a priori, conveniente e acertado o provimento legislativo que introduziu em nosso ordenamento penal o acautelamento da dignidade sexual, ainda que a violação ocorra pela via digital.


REFERÊNCIAS

DE CASTRO, Ana Lara Camargo. SIDOW, Spencer Toth. Exposição Pornográfica não consentida na Internet: Da pornografia de vingança ao lucro. Coleção Cybercrime. Belo Horizonte, Editora D’Placido, 2017.

DE OLIVEIRA, José Antonio M. Milagre, DE JESUS, Damásio. Manual de Crimes Informáticos. Saraiva, Ebook, 2017.

FREITAS, Bruno Gilaberte. Lei n. 13.718/2018: Importunação sexual e pornografia de vingança. Canal Ciências Criminais. Disponível aqui.

OLIVEIRA, Marcel Gomes. LEITÃO, Joaquim Júnior. As inovações legislativas aos crimes sexuais no enfrentamento à criminalidade: Comentários à Lei n. 13.718/2018. Empório do Direito, 2018. Disponível aqui.


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Diego Meyer Sens

Advogado, graduado em Direito e Pós-graduando em Direito e Processo Penal.

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