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Compartilhamento de dados diretamente pelo fisco ao Ministério Público

Compartilhamento de dados diretamente pelo fisco ao Ministério Público

Ao se compulsar procedimentos policiais ou ação penais que envolvam a prática de crimes contra a ordem tributária, extrai-se o compartilhamento direto de peças de informações entre a Fisco e o Ministério Público, consubstanciada nas denominadas representações fiscais para fins penais, que culminam com a instauração de procedimentos investigatórios que embasam o oferecimento de denúncias.

Dos termos da mencionada representação fiscal, deparamos com a extrapolação da autorização legal de compartilhamento de informações entre o Fisco e o Ministério Público, por burla às regras constitucionais garantidoras do sigilo bancário e fiscal.

Assim, o MP utiliza-se da Fisco para criar atalho e se furtar ao controle do Poder Judiciário, desvirtuando o regramento constitucional sobre a proteção de dados sigilosos. 

O Fisco, como praxe, costuma ir além do mero compartilhamento ou envio de informações relativas à identificação dos titulares das operações e dos montantes globais, de modo a comprometer a higidez constitucional da intimidade e do sigilo de dados (art. 5º, incisos X e XII, da CF). 

Em suas páginas constam, em destaque, que às informações ali contidas são resguardadas pelo sigilo fiscal, ou seja, a forma de proteção existente para assegurar a inviolabilidade dos informes fiscais do contribuinte.

Os dados fornecidos pelo contribuinte ao agente fiscal são de foro íntimo, visto compreenderem desde o cadastro pessoal até a mais detalhada descrição do patrimônio dos indivíduos, motivos que justificam a proteção constitucional do sigilo fiscal– sendo um desdobramento da proteção à intimidade – e legal, estando insculpido nos artigos 5º, inciso X, da CF e 198, do CTN.

Nesse aspecto, cumpre realizar um parêntese: restou reconhecido durante o julgamento das ADI´s nsº 2.386, 2.390, 2397 e 2.859, de relatoria do Min. Dias Toffoli, julg. 24/02/2016, Dje 21/10/2016, na qual se perfilhou pela constitucionalidade da LC nº 105/2001, para declarar a legitimidade do Fisco ao acesso dos dados bancários e fiscais durante o exercício de seu dever fiscalizatório, sem intermediação do Poder Judiciário.

De nenhuma forma se está buscando o reconhecimento contrário ao referendado pelo Supremo Tribunal Federal, mas conforme restou consignado durante o julgamento das mencionadas ADI´s,  não obstante a LC nº 105/2011 possibilite o acesso ao Fisco de tais dados protegidos, não permite a divulgação dessas informações, resguardando a intimidade e a vida privada do contribuinte. 

O Min. Relator enfatizou ainda que:

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Perceba-se, pois, que, com base nesse dispositivo, à Administração Fazendária tem acesso apenas a dados genéricos e cadastrais.  Assim, o compartilhamento de dados bancários e fiscais dos órgãos administrativos de fiscalização e controle com o Ministério Público, sem o adequado balizamento dos limites de informações transferidas, ou seja, fora dos espaços elencados em lei, podem redundar em julgamentos inquinados de nulidade por ofensa às matrizes constitucionais da intimidade e do sigilo de dados (art. 5º, incisos X e XII, da CF), por implicar em quebra das garantias fundamentais às avessas por estarem destituídas de manifestação do Poder Judiciário.

Nesse cenário, em decorrência das múltiplas demandas que veiculam a matéria em apreço, com o escopo de fixar as balizas objetivas para que os órgãos administrativo, deverão observar ao transferir automaticamente para o Ministério Público, para fins penais, informações sobre movimentação bancária e fiscal dos contribuintes em geral, sem comprometer a ordem constitucional, o STF reconheceu repercussão geral e fixou o 990, ementada da seguinte forma:  

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A despeito de o Supremo Tribunal Federal ter reconhecido a repercussão geral da questão, por transcender para além do interesse subjetivo das partes envolvidos no processo, à época, ancorado pelo disposto no § 5º, do art. 1.035, do CPC, não determinou a paralisação de todos os processos que versem sobre a matéria, pois no entender do Relator, inexiste sobrestamento imediato decorrente automaticamente da lei, restando a sua análise a critérios de conveniência e oportunidade.

Posteriormente, no leading case representado pelo RE 1055941/SP, o Min. Dias Toffoli, revendo seu posicionamento, concluiu pela necessidade de suspender o processamento de todos os processos e procedimento em andamento, que tramitem no território nacional e versem sobre o mesmo assunto, como providência indispensável a garantir a segurança jurídica e evitar proliferação de decisões conflitantes. 

E como consequência determinou:

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Diante do panorama delimitado no leading case, fixou-se o entendimento de que as investigações preliminares instauradas em virtude do compartilhamento de dados pelos órgãos de fiscalização e controle sem prévia anuência do Poder Judiciário, que ultrapassem as balizas dos limites de informações transferidos, os parâmetros estabelecidos – ADI´s nsº 2.386, 2.390, 2397 e 2.859 – para acesso exclusivamente de dados genéricos e cadastrais, devem ter seu processamento sobrestado até deliberação definida do Supremo Tribunal Federal. 

Feitas as ponderações indispensáveis a correta compreensão da controvérsia, retoma-se a atenção para a temática proposta, primordialmente sobre os dados compartilhados pelo Fisco ao Ministério Público Federal, que ultrapassam em larga escala os standards estipulados nas referidas ações diretas de constitucionalidade.

Sopesando de forma genérica o conteúdo de uma representação fiscal para fins penais, revela o acesso direto, bem como o seu posterior compartilhamento de dados fiscais e bancários fora dos limites delineados pelo Supremo Tribunal Federal – dados genéricos e cadastrais, isto é, identificação do titular e do montante global -, com a utilização de inúmeros documentos contábeis e fiscais dotados de confidencialidade, todos recebidos durante o exercício da atividade fiscalizatória e, portanto, sob a forma de proteção existente para assegurar a inviolabilidade dos informes fiscais do contribuinte (sigilo fiscal). 

Em outras passagens, observa-se nova inobservância parâmetros definidos nas referidas ADI´s, ao se imiscuir no sigilo bancário ao permitir a identificação da origem dos gastos efetuados. 

Verifica-se duplo abuso: (i) seja pelo desvirtuamento do exercício fiscalizatório realizado pelo Fisco em relação ao acesso à revelia do ordenamento jurídico ao se imiscuir em dados bancários e fiscais não autorizados por lei e (ii) com a extrapolação do direito de compartilhar as informações maculadas de nulidade, ambas desprovidas de autorização judicial.

Deste modo, a representação fiscal ao descer a minúcia, transbordando a fronteira definida pela LC nº 105/2001, adentra a esfera de proteção constitucional, além de compartilhar ilegalmente às informações ilicitamente recebidas, quando era indispensável pronunciamento judicial para tanto.

Considerando os parâmetros fixados na decisão paradigma, para que a suspensão atinja as investigações preliminares e processos judiciais, basta que fique evidenciado (i) que os procedimentos inquisitórios foram instaurados em virtude do compartilhamento, (ii) que o compartilhamento de dados deu-se sem autorização judicial da quebra de sigilos e (iii)  que o referido compartilhamento ultrapassou a identificação dos titulares das operações bancárias e dos montantes globais.


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André Fini Terçarolli

Advogado Criminalista. Membro do Núcleo de Advocacia Criminal.

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