Compliance esportivo: como prevenir a manipulação de resultados e apostas?
Compliance esportivo: como prevenir a manipulação de resultados e apostas?
Em reportagem veiculada no último final de semana (clique aqui para acessá-la na íntegra), o Esporte Espetacular tratou a respeito da compra de resultados no futebol e de como esses esquemas ilegais influenciam – ou podem influenciar – o mercado de apostas.
No Brasil, em que pese o mercado de apostas esportivas não ser legalizado, duas situações podem ser verificadas na prática: (a) legalmente, o apostador pode realizar apostas on line, em sítios de empresas hospedadas em outros países ou; (b) ilegalmente, o apostador pode realizar apostas em bancas informais.
As possibilidades de acesso ao mercado de apostas esportivas (legalizado ou não) faz com que possa surgir um esquema paralelo de compra de resultados, permitindo aos “apostadores manipuladores” conhecerem previamente o placar da partida e, assim, lucrar altas cifras através de apostas em jogos com desfechos predeterminados.
Essa prática configura ilícito penal, que sujeita os manipuladores (apostadores, jogadores, dirigentes, árbitros, empresários etc) a uma pena de 2 a 6 anos, nos termos do art. 41-C a E, do Estatuto do Torcedor (Lei 10.671/03):
Art. 41-C. Solicitar ou aceitar, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem patrimonial ou não patrimonial para qualquer ato ou omissão destinado a alterar ou falsear o resultado de competição esportiva ou evento a ela associado: Pena - reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos e multa. Art. 41-D. Dar ou prometer vantagem patrimonial ou não patrimonial com o fim de alterar ou falsear o resultado de uma competição desportiva ou evento a ela associado: Pena - reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos e multa. Art. 41-E. Fraudar, por qualquer meio, ou contribuir para que se fraude, de qualquer forma, o resultado de competição esportiva ou evento a ela associado: Pena - reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos e multa.
Nesse contexto, diversos organismos, nacionais e internacionais, em esforço conjunto com autoridades públicas, vêm buscando implementar mecanismos de integridade esportiva no âmbito das apostas, com o objetivo de prevenir ilícitos vinculados à manipulação de resultados.
As práticas de transparência e integridade beneficiam a todos que almejam ética no esporte, desde federações, clubes, dirigentes, torcedores, árbitros, jogadores, apostadores, empresários, bancas de apostas etc.
Alguns pactos e diretrizes internacionais, firmados no intuito de minimizar, prevenir e sancionar as ocorrências de manipulação de resultados esportivos, podem ser citados, como é o caso do Tennis Anti-Corruption Program, da Tennis Integrity Unit – TIU (aqui), a Convention on the Manipulation of Sports Competitions do Concil of Europe (aqui) ou as Model Rules to Assist Sports Organisations in Implementing the Olympic Movement Code on the Prevention of the Manipulation of Competitions, do Comitê Olímpico Internacional (aqui).
As diversas normativas, exemplificativamente referidas, evidenciam a importância cada vez maior dos programas de compliance no âmbito dos esportes, seja para prevenir ilícitos relacionados à manipulação de resultados ou quaisquer condutas ilegais no âmbito esportivo.
Segundo esse panorama, poder-se-ia indagar: como os programas de compliance podem colaborar, concretamente, na prevenção de ilícitos relacionados à compra de resultados dos jogos? Sem pretensão de esgotar o tema, algumas sugestões – que podem ser implementadas tanto por clubes como pelas federações – contribuem para com o debate.
Em primeiro lugar, e como parece sintomático, não se desenvolve um programa de integridade sem o suporte incondicional dos dirigentes dos clubes e federações. Nesse sentido, é necessário engajamento absoluto da alto escalão do esporte para que o combate ao mercado ilegal de apostas seja combatido.
Essa adesão irrestrita pode se dar de diversas formas, como por exemplo, através de investimentos em sistemas internos de prevenção, canal interno de denúncias, mediante a celebração de termos de cooperação com o poder público (polícia, ministério público), através dos quais a direção do clube se compromete a encaminhar aos órgãos públicos quaisquer informações sobre indícios de irregularidades e ajustes espúrios em determinados resultados.
Em segundo lugar, é imperioso, em um programa de compliance, que o clube e/ou a federação criem um Código de Ética e Conduta, nele expondo de forma clara e acessível a política de integridade e transparência do clube, através da previsão: (a) de condutas vedadas, por serem consideradas ilícitas (ex.: é proibido que jogadores, comissão técnica e quaisquer funcionários recebam ou aceitem proposta financeira para influenciar o resultado de uma partida) e; (b) das medidas disciplinares para os que violarem o Código.
Em terceiro lugar, deve-se conhecer com profundidade a legislação que busca prevenir a manipulação de resultados, para que os colabores, funcionários, atletas e diretores possam se adequar às leis vigentes. No que diz especificamente com o futebol, há regra específica no Regulamento Geral das Competições (2018), da Diretoria de Competições da Confederação Brasileira de Futebol, que versa sobre a prevenção da manipulação de resultados, nos seguintes termos:
Art. 55. Com o objetivo de evitar ou dificultar a manipulação de resultado de partidas, considerar-se-á conduta ilícita praticada por atletas, técnicos, membros de comissão técnica, dirigentes e membros da equipe de arbitragem e todos aqueles que direta ou, indiretamente, possam exercer influência no resultado das partidas, os seguintes comportamentos: I - apostar em si mesmo, ou permitir que alguém do seu convívio o faça (treinador, namorada, membros da família, etc.), em seu oponente ou em partida de futebol; II - instruir, encorajar ou facilitar qualquer outra pessoa a apostar em partida de futebol da qual esteja participando ou possa exercer influência; III - assegurar a ocorrência de um acontecimento particular durante partida de futebol da qual esteja participando ou possa exercer influência, e que possa ser objeto de aposta ou pelo qual tenha recebido ou venha a receber qualquer recompensa; IV - dar ou receber qualquer presente, pagamento ou outro benefício em circunstâncias que possam razoavelmente gerar descrédito para si mesmo ou para o futebol; V - compartilhar informação sensível, privilegiada ou interna que possa assegurar uma vantagem injusta e acarretar a obtenção de algum ganho financeiro ou seu uso para fins de aposta; VI - deixar de informar de imediato à sua entidade de prática, de administração ou à competente autoridade desportiva, policial ou judiciária, qualquer ameaça ou suspeita de comportamento corrupto, como no caso de alguém se aproximar para perguntar sobre manipulação de qualquer aspecto de uma partida ou mediante promessa de recompensa financeira ou favores em troca de informação sensível.
Em quarto lugar, um programa de compliance robusto não é aquele que se limita apenas a implementar políticas de integridade. É necessário, ainda, atualização constante das políticas de ética e transparência, motivo pelo qual se faz necessário que os treinadores, jogadores, diretoria, etc, realizem cursos, workshops, palestras, para que estejam sintonizados com as diretrizes do Código de Ética do Clube e com a legislação mais recente no que se refere à prevenção de ilícitos.
A partir dessas quatro diretrizes, pode-se iniciar a construção de um programa de compliance com vistas a evitar a manipulação de resultados, buscando-se garantir o fair play não apenas dentro de campo, mas também fora dele.