Compreendendo as prerrogativas da advocacia criminal: o sigilo profissional
Por Paulo Dariva
Falar de prerrogativas profissionais do Advogado Criminal, a que nos propomos ao escrever a presente coluna, é falar de direitos do Advogado, no âmbito de sua atuação profissional. Representa, na verdade, falar de direitos que buscam tutelar não apenas o exercício da profissão do Advogado, mas sim, ao fim e ao cabo, os direitos constitucionais e legais do cidadão a quem ele representa.
Há, portanto, e o afirmamos desde logo, grave equívoco em se pensar as prerrogativas profissionais do Advogado como privilégios a ele concedidos, uma vez que, de fato, não se está diante de direitos que tutelam a sua pessoa, mas sim os direitos do seu constituinte, garantindo (ou tentando garantir) que o mesmo desfrute dos direitos e garantias que lhe são constitucional e democraticamente garantidos.
Não há dúvida, por outro lado, que os direitos do Advogado, os quais vêm amplamente disciplinados (mas não aí esgotados) no art. 7º da Lei nº 8.906/94, são de todos os regularmente inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil. No entanto, é na seara penal que eles se mostram mais relevantes e demandam maior atenção e proteção.
De fato, o Advogado Criminal precisa ser um verdadeiro combatente, constituindo, na sua atuação solitária, o soldado de um exército de um homem só, que trava, diariamente, a luta do um contra todos. Em sua atuação, fala por aquele que já não tem mais voz, por aquele que se vê acusado e, muitas vezes, de antemão “condenado” pela sociedade em que vive. Busca, assim, sob os ideais do Estado Democrático de Direito, em um processo penal que muito pouco os reflete, apresentar a versão do acusado sobre os fatos ali tratados.
Sim, o acusado é a parte fraca dessa relação. A acusação possui um aparato estatal extraordinário. O julgador, que deverá sempre ser (mas nem sempre o é) imparcial, tem o poder de manter ou retirar um de seus direitos mais caros: a liberdade. Do outro lado, e ao lado dele, apenas o Advogado Criminal!
Partindo dessas premissas, vamos tratar brevemente de uma dessas prerrogativas profissionais do Advogado Criminal: o sigilo profissional e a garantia de inviolabilidade da conversa telefônica entre Advogado e cliente. Tal direito está, sem sombra de dúvida, entre os direitos e garantias profissionais mais importantes aos Advogados, principalmente àqueles que militam na área criminal.
Imaginemos um caso hipotético (ou nem tanto) de dois colegas Advogados que, atuando em um processo criminal e representando seus clientes desde a investigação policial, são surpreendidos pela juntada aos autos de transcrições de conversas telefônicas realizadas entre eles e seus clientes.
Evidente que a Constituição Federal autoriza a interceptação telefônica, desde que por ordem judicial e nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. Aliás, ainda que a interceptação dos telefones dos seus clientes tenha sido regular e contado com autorização judicial, não é nesse ponto que reside o problema.
O Estatuto da Advocacia e da OAB (Lei nº 8.906/94), em seu art. 7º, II, é expresso, no sentido de que constitui direito do Advogado a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia. [grifo nosso]
Ou seja, conjugando-se o texto constitucional com o dispositivo legal acima referido, percebe-se facilmente que a comunicação entre o Advogado e seu cliente, seja de forma escrita, eletrônica, telemática ou telefônica, está resguardada por sigilo, quando relacionadas ao exercício profissional, não podendo ser violada, salvo em hipóteses específicas, em que o próprio Advogado é investigado.
O direito ao sigilo possui ligação direta com outros dois dispositivos constitucionais maiores, cuja preservação ele busca alcançar: o devido processo legal e a ampla defesa. E nesse aspecto é que fica claro que prerrogativas profissionais do Advogado são, em verdade, garantias de exercício de direitos constitucionais pelo cidadão!
Práticas como a acima exposta eliminam os próprios ideais de nossa Constituição Cidadã, tão arduamente conquistados, eis que, impedindo que Advogado e cliente possam tratar livremente acerca dos diversos aspectos envolvendo o processo criminal que os relaciona, impossibilitam que o processo penal possa ser minimamente justo e democrático.