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Conceito de bem jurídico e tutela de imoralidades pelo Direito Penal

Conceito de bem jurídico e tutela de imoralidades pelo Direito Penal

Por Daniel Lima e José Muniz Neto

É entendimento dominante na imensa maioria dos ordenamentos jurídicos mundo afora que a missão precípua do Direito Penal é proteger valores e interesses considerados relevantes pelo meio social. Adota-se, portanto, a teoria do bem jurídico para servir de norte e, ao mesmo tempo, delimitar a atuação do legislador infraconstitucional. 

Para Roxin (1997: 51-56), um dos principais expoentes da teoria do bem jurídico, o conceito de bem jurídico é anterior à lei penal, sendo dever do legislador infraconstitucional limitar pautar a sua atuação legislativa nos limites constitucionalmente impostos.

Nessa esteira, e ainda segundo o autor, o direito penal – ramo que impõe as restrições mais severas – não deve intervir para tutelar meras imoralidades, pois estas não lesionam quaisquer bens jurídicos. O autor exemplifica a questão através do antigo crime de homossexualidade entre adultos (que possuía previsão no Código Penal Alemão de 1962). 

Para Roxin (2013: 14-15), a adoção da teoria do bem jurídico para fins de criticar a legislação penal foi de crucial importância para revogação do crime de homossesualidade entre adultos. Segundo o autor, não há bem jurídico legítimo a ser protegido na prática homossexual entre adultos – desde que estes, obviamente, acordem de forma livre e espontânea para prática do ato sexual.

Todavia, o referido autor faz uma ressalva no sentido de que a impossibilidade de se tutelar meras imoralidades não impede que sentimentos, desde que legítimos, e que coincidam com as normas constitucionais, possam ser resguardados pelo Direito Penal. 

 […] Claro está que condutas que lesam interesses jurídicos podem simultaneamente violar normas morais; pelo núcleo do direito penal, é essa, inclusive, a regra. Mas, pela concepção de uma teoria do bem jurídico baseada em interesses, as ações que violem exclusivamente normas morais subtraem-se à criminalização (NEUMANN, 2012: 252)

Em outra perspectiva, Roxin (2013: 16-17) nos mostra através da legislação alemã e de decisões do Tribunal Constitucional Alemão que, em algumas ocasiões, o conceito de bem jurídico é desconsiderado pelo intérprete para a manutenção de incriminações. 

O autor traz à tona a decisão de 2008 do Tribunal Constitucional Alemão, na qual considerou-se constitucional a punição do incesto entre irmãos. 

Segundo o autor, a Corte Constitucional Alemã, de forma contraditória, ao mesmo tempo em que desconsiderou qualquer possibilidade de limitação à intervenção penal através da utilização do princípio de proteção de bens jurídicos, buscou elencar bens jurídicos (família, saúde, genética, e etc…) para justificar a incriminação.

Partindo dessa premissa, nota-se que a teoria do bem jurídico, nos dias atuais, pode ser utilizada tanto para justificar uma incriminação, como também, a contrario sensu, para evitar a atuação estatal por meio do Direito Penal.

Todavia, apesar dessa dupla vertente na utilização da teoria do bem jurídico, é correto afirmar que uma incriminação só gozará de dignidade penal quando existir correspondência de sentido entre o bem jurídico tutelado pelo Direito Penal e os valores prestigiados pela Constituição (FIGUEIREDO DIAS, 2012) .

Nas palavras do autor:

É nesta acepção – concluía eu – que os bens jurídicos protegidos pelo direito penal devem considerar-se concretizações dos valores constitucionais expressa ou implicitamente ligados aos direitos e deveres fundamentais e à ordenação social, política, social e econômica. Sendo por esta via que os bens jurídicos se transformam em bens jurídicos dignos de tutela penal, ou com dignidade jurídico-penal, numa palavra, em bens jurídico-penais. (FIGUEIREDO DIAS, 2012a: 252). 

É preciso, portanto, que o bem jurídico possua um referente constitucional (ainda que implícito) para que o mesmo goze de relevo e possa ensejar a intervenção do Direito Penal.

Nessa esteira, nos parece óbvio que o Direito Penal não é meio idôneo para tutela de meras imoralidades. Não é função da medida extrema impor qualquer tipo de orientação sexual para quem quer que seja.


REFERÊNCIAS

FIGUEIREDO DIAS, Jorge de. O direito penal do bem jurídico como princípio jurídico-constitucional à luz da jurisprudência constitucional portuguesa. In: Direito penal como crítica da pena: estudos em homenagem a Juarez Tavares por seu 70.º Aniversário em 2 de setembro de 2012, organizadores Luís Greco, Antonio Martins. Madri: Marcial Pons, 2012, p. 249-261.

ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general, tomo I – la estructura de la teoria del delito. Trad. Diego Manuel Luzón Peña, Miguel Diaz, Garcia Conlledo d Javier de Vicente Remesal. Madrid: Editorial Civitas, 1997. 

ROXIN, Claus. O conceito de bem jurídico como padrão crítico da norma penal posto à prova. In: Revista portuguesa de ciência criminal. Coimbra, a 23, n.1 (Jan.-Mar.2013), p.7-43.


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Daniel Lima

Mestrando em Direito Penal e Ciências Criminais. Especialista em Direito Penal e Processo Penal. Advogado.

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