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Concurso formal de crimes

Como foi dito na semana passada, os primeiros textos da coluna serão voltados para o concurso de crimes (concursos material e formal e crime continuado) e o objetivo desses textos é ajudar principalmente aqueles iniciantes na área penal, contribuindo, assim, para a compreensão dessa matéria tão importante para todos nós.

Desse modo, importante destacar que no primeiro texto o assunto foi o concurso material de crimes (leia AQUI). Apenas para relembrar, é possível citar como principais características do concurso material: a prática de mais de uma ação pelo agente, resultando em mais de um crime, com a consequente soma das penas aplicadas a cada um dos crimes concorrentes.

Dessa vez, como dito, o tema será o concurso formal de crimes. De acordo com o artigo 70 do Código Penal, o concurso formal ocorre:

Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade. As penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos, consoante o disposto no artigo anterior.

Percebe-se, portanto, que os requisitos dessa modalidade de concurso de crimes são: (a) uma só ação e (b) mais de um crime. É possível depreender, assim, que uma das diferenças entre os concursos material e formal está na quantidade de ações praticadas. Enquanto no material há a prática de mais de uma conduta, no formal o agente pratica uma só ação.

Mas também existem semelhanças entre as duas modalidades de concurso, visto que da mesma forma como acontece no material, o concurso formal pode ser homogêneo ou heterogêneo, isto é, os crimes concorrentes podem ser iguais ou diferentes.

Nesse ínterim, são classificados em perfeito (oportunidade em que a pena de um dos crimes é acrescida de uma fração) ou imperfeito (as sanções dos crimes são somadas, assim como ocorre no caso do concurso material).

Quanto ao concurso formal perfeito, pode se tratar de crimes concorrentes iguais (concurso formal homogêneo), em que o aumento será feito na pena de um dos crimes praticados, que são iguais; e de crimes diferentes (concurso formal heterogêneo), sendo que nesse caso o aumento será feito na pena mais grave.

Como forma de agravar a sanção a ser aplicada ao infrator (por ter praticado mais de um crime, mesmo que com uma só ação), a pena será aumentada em 1/6 (um sexto), no mínimo, até o máximo de 1/2 (metade).

Esse aumento da pena é necessário, pois, caso contrário, o tratamento dado a quem pratica mais de um crime mediante uma só ação seria igual ao dado àquele que comete um só delito.

Ressalte-se que, segundo a jurisprudência, o fator determinante para a escolha da fração a ser aplicada no caso concreto será a quantidade de vítimas ou de crimes concorrentes:

[...]. 3. A jurisprudência desta Corte Superior é firme em assinalar que a quantidade de infrações praticadas deve ser o critério utilizado para embasar o patamar de aumento relativo ao concurso formal de crimes. 4. Atingidas três esferas patrimoniais distintas, a fração de aumento pelo concurso formal deve ser reduzida para 1/5. [...]. (Processo: HC 319513 SP 2015/0065840-7; Orgão Julgador: T6 - SEXTA TURMA; Publicação: DJe 20/04/2016; Julgamento: 7 de Abril de 2016; Relator: Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ)

Assim, se foram praticados 02 (dois) crimes, a fração será de 1/6; se forem 03 (três) crimes, 1/5; 04 (quatro) crimes, 1/4; 05 (cinco) crimes, 1/3; 06 (seis) ou mais crimes, 1/2.

Não podemos deixar de considerar o fato de que a fração correspondente a quantidade de crimes praticados somente poderá ser aplicada após a dosimetria de cada um dos crimes.

Imaginemos, então, aquele clássico exemplo de concurso formal de crimes em que um motorista atropela 05 (cinco) pessoas, vindo a causar lesão corporal em todas elas. Nesse caso, o acusado responderá pela prática de cinco crimes tipificados no artigo 303 do Código de Trânsito (lesão corporal), na forma do artigo 70 do Código Penal, pois com uma só ação praticou mais de um crime.

Assim, como a pena em abstrato do crime de lesão corporal culposa na direção de veículo automotor é de 06 meses a 02 anos de detenção (além da suspensão do direito de dirigir), supondo a aplicação da pena mínima em todos os 05 crimes, por se tratar de crimes iguais (homogêneo), aplicaremos a pena de apenas um dos cinco crimes, aumentada de 1/3, pois temos cinco vítimas.

A pena definitiva nesse caso será de 6 meses + 1/3 = 8 meses de detenção, mais a suspensão do direito de dirigir.

E se o motorista tivesse atropelado 05 pessoas, lesionando 03 e matando as outras 02, a pena aplicada seria a do crime mais grave, por se tratar de concurso formal heterogêneo, ou seja, o de homicídio culposo, aumentada também em 1/3. Dessa forma, aplicando-se a pena mínima, seria: 02 anos + 1/3 = 02 anos e 08 meses de detenção (além da suspensão do direito de dirigir).

Percebe-se que o objetivo da lei é punir com menor severidade aquele que pratica somente um ato, mas comete mais de um crime, por entender que “o agente tem em mente uma só conduta, pouco importando quantos delitos vai praticar” (NUCCI, 2013, p. 491), diferentemente do que ocorre no caso do concurso material, em que mais de uma conduta é praticada e, por tal razão, a punição é mais severa, com a somatória das penas de cada um dos crimes.

É por tal razão que não há possibilidade de considerar (em mais um clássico exemplo) que um indivíduo que envenena o reservatório de água de uma cidade, vindo a matar todos os habitantes do local, responda apenas por um dos ilícitos acrescido de uma fração, pois, apesar de ter praticado uma só conduta e mais de um crime, agiu, como diz a lei, com “desígnios autônomos”, devendo, portanto, ser aplicada as sanções de forma cumulativa.

Esse é o ensinamento constante na parte final do artigo 70 do Código Penal, referente ao concurso formal imperfeito, segundo o qual “As penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos, consoante o disposto no artigo anterior”.

A hipótese mencionada acima é conhecida, também, como “concurso formal impróprio ou imperfeito. Existe tal concurso quando a conduta única, dolosa, foi consequência de desígnios autônomos, isto é, o agente quis mais de um resultado.” (DELMANTO, Celso…[ET AL.]. Código Penal Comentado. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 317).

Segundo CAPEZ (2011), “há uma só ação, mas o agente intimamente deseja os outros resultados ou aceita o risco de produzi-los. Como se nota, essa espécie de concurso formal só é possível nos crimes dolosos”.

Na hipótese do concurso formal impróprio ou imperfeito, a pena final será aplicada da mesma forma como ocorre no concurso material, ou seja, somando as penas de cada um dos crimes.

Por fim, o parágrafo único do referido artigo determina que “Não poderá a pena exceder a que seria cabível pela regra do art. 69 deste Código”, ou seja, estabelece que a pena final, depois de aplicada a regra do concurso formal, não pode ser maior do que aquela que seria aplicada se fosse utilizada a regra do concurso material(conhecido como “concurso material benéfico”).

Para exemplificar, a doutrina quase sempre utiliza a mesma situação, qual seja: réu condenado pelo crime de homicídio (pena mínima de 06 anos) e pelo de lesões corporais (pena mínima de 03 meses).

Segundo o concurso formal, a pena aplicada será a do crime de homicídio, por ser a mais grave, aumentada de 1/6 (um sexto), o que totalizará uma sanção final de 07 (sete) anos.

Todavia, se fosse aplicada a regra do concurso material (artigo 69 do Código Penal), a pena total a ser aplicada seria de 06 (seis) anos e 03 (três) meses.

Nesse caso, a regra do concurso material é mais benéfica do que a do formal, fazendo com que, consequentemente, se aplique a cumulação das penas, conforme estabelecido no artigo 70 do Código Penal.

Por fim, é possível estabelecer algumas diferenças e semelhanças entre as duas modalidades de concurso de crimes que estudamos: (1) enquanto no concurso material o agente pratica mais de uma ação, no formal há a prática de uma só ação; e (2) no material as penas dos crimes são somadas, sendo que no formal perfeito aplica-se uma fração à pena de um dos crimes e no formal imperfeito as penas são somadas como ocorre no concurso material.

Com isso, encerro o texto dessa semana, com a esperança de que tenha ajudado a entender um pouco melhor essa modalidade de concurso de crimes. Na semana que vem falaremos sobre o crime continuado, tipificado no artigo 71 do Código Penal, você não pode perder, até lá!


REFERÊNCIAS

NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. Revista dos Tribunais, SP: 2013.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2011.

DELMANTO, Celso…[ET AL.]. Código Penal Comentado. São Paulo: Saraiva, 2010.

Pedro Magalhães Ganem

Especialista em Ciências Criminais. Pesquisador.

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