É possível concurso material entre o crime de roubo e extorsão?
É possível concurso material entre o crime de roubo e extorsão?
Olá amigos, espero que estejam bem.
Esta semana iremos abordar a possibilidade da tipificação do crime de roubo em concurso material com o crime de extorsão.
O crime de roubo encontra-se tipificado no artigo 157 do Código Penal, in verbis:
Art. 157 – Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência:
Pena – reclusão, de quatro a dez anos, e multa.
Da leitura do supramencionado artigo resta evidente que, no crime de roubo, o objeto material tutelado é a coisa alheia móvel, sendo considerado um crime material, ou seja, para sua consumação, necessário que haja, no momento da infração, a posse deste objeto. Dito de outra forma, não é somente a retirada do bem da disponibilidade da vítima que garante a consumação do delito, mas sim, o posterior ingresso no patrimônio do agente ou de terceiro.
De outra sorte, o crime de extorsão, por sua vez, tem previsão legal no artigo 158 do CP:
Extorsão
Art. 158 – Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa:
Pena – reclusão, de quatro a dez anos, e multa.
§1º – Se o crime é cometido por duas ou mais pessoas, ou com emprego de arma, aumenta-se a pena de um terço até metade.
§ 2º – Aplica-se à extorsão praticada mediante violência o disposto no § 3º do artigo anterior.
§ 3o – Se o crime é cometido mediante a restrição da liberdade da vítima, e essa condição é necessária para a obtenção da vantagem econômica, a pena é de reclusão, de 6 (seis) a 12 (doze) anos, além da multa; se resulta lesão corporal grave ou morte, aplicam-se as penas previstas no art. 159, §§ 2oe 3o, respectivamente.
O crime de extorsão, previsto também no capitulo dos crimes contra o patrimônio, visa tutelar, de forma imediata, a liberdade e a integridade física da vítima, tendo-se o patrimônio protegido de forma mediata. Trata-se, portanto, de crime formal, consumando-se não em razão da efetiva obtenção da vantagem indevida e econômica, mas sim diante do constrangimento imposto à vítima, desde que idôneo à obtenção do intuito criminoso.
Dito de outra forma, a conduta tipificada pelo art. 158 do Código Penal é consubstanciada no constrangimento, na coação imposta pelo agente à vítima através de violência ou grave ameaça, visando que esta realize uma ação ou omissão necessária à obtenção de uma vantagem econômica indevida, que não está ao alcance do agente, mas depende, contudo, de uma conduta por parte da vítima.
Weber Martins Batista, sobre a distinção entre os crimes de roubo e extorsão, assim leciona:
O que caracteriza o roubo e o distingue da extorsão é que aquele primeiro é o crime da violência – violência imediata ou mediata, exercida de fato ou imediatamente prometida -, de tal modo que a vítima fica à mercê do agente. Assim, ainda quando está obtenha o bem com a cooperação da vítima, não se pode dizer que está agiu, pois, na realidade, teve suprimida sua vontade, portou-se como um verdadeiro instrumento material da vontade do agente. A extorsão, diferentemente, é o crime da ameaça, em que a vítima pratica a ação pretendida pelo sujeito ativo porque intimidada pela promessa de mal grave. Acontece que, neste caso, embora viciada pela coação, há vontade, a vítima age. O agente não obterá a vantagem pretendida sem um comportamento seu que poderá ser negado (Batista, Weber Martins. O furto e o roubo no direito e no processo penal).
Hodiernamente, são comuns nas cidades brasileiras a ocorrência do popularmente denominado “sequestro relâmpago”. Nesses casos, geralmente os agentes abordam a vítima, subtraem-lhe alguns bens como o veículo, celulares, joias e, não satisfeito com o produto do crime, obrigam-lhes a fornecer a senha de cartões bancários e de crédito para que sejam efetuados saques em dinheiro e compras enquanto a vítima tem a liberdade restringida.
Nesses casos os tribunais têm reconhecido o concurso material entre o roubo (conduta anterior) e a extorsão (conduta posterior) porque esses crimes são caracterizados por ações típicas distintas.
Vale frisar que o sequestro relâmpago é tema bastante polêmico na doutrina brasileira, e a depender do caso, haverá quem defenda tratar-se de roubo majorado, ou extorsão com causa especial de aumento de pena. Essa discussão será objeto de outro artigo.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em sua edição de n° 51 da Jurisprudência em Teses sobre crimes contra o patrimônio – roubo, latrocínio e extorsão, firmou o seguinte entendimento, a respeito do tema:
TESE 3. Há concurso material entre os crime de roubo e extorsão quando o agente, após subtrair bens da vítima, mediante emprego de violência ou grave ameaça, a constrange a entregar o cartão bancário e a respectiva senha para sacar dinheiro de sua conta corrente.
Precedentes: AgRg no AREsp 745957/ES, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, QUINTA TURMA, julgado em 19/11/2015, DJe 10/12/2015; EDcl no REsp 1133029/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 22/09/2015, DJe 19/10/2015;
A propósito, a Sexta Turma do STJ, possui remansosa jurisprudência no sentido de que, em se tratando de ações diversas e com desígnios autônomos, não há falar na existência de crime único entre os delitos de roubo e extorsão, mantendo-se incólume o concurso material.
DIREITO PENAL. HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO, EXTORSÃO E CORRUPÇÃO DE MENORES. CONDENAÇÃO. ROUBO E EXTORSÃO. AÇÕES DIVERSAS. DESÍGNIOS AUTÔNOMOS. CRIME ÚNICO. NÃO OCORRÊNCIA. REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. CONTINUIDADE DELITIVA. INVIABILIDADE. CRIMES DE ESPÉCIES DISTINTAS. CONCURSO MATERIAL MANTIDO. CONCURSO FORMAL ENTRE OS CRIMES DE ROUBO E CORRUPÇÃO DE MENORES. OCORRÊNCIA NA HIPÓTESE. PRECEDENTES. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. 1. Em se tratando de ações diversas e com desígnios autônomos, não há falar na existência de crime único entre os delitos de roubo e extorsão, mantendo-se incólume o concurso material. Para se concluir em sentido diverso, seria necessário o revolvimento do arcabouço fático-probatório, providência inviável no veio restrito e mandamental do habeas corpus. 2. Conforme entendimento pacífico desta Corte, não há continuidade delitiva entre os delitos de roubo e extorsão, porque de espécies diferentes. 3. (…). 4. Ordem parcialmente concedida. (STJ – HC: 411722 SP 2017/0199109-3, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento: 08/02/2018, T6 – SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 26/02/2018)
Lado outro, por óbvio, caso no contexto fático reste demonstrado que o réu praticou apenas uma ação, não há que se falar em concurso material.
FONTES AUXILIARES
CAROLLO, João Carlos. A correta tipificação do sequestro relâmpago. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3113, 9 jan. 2012. Disponível aqui. Acesso em: 2 set. 2019.
CUNHA, Rogério Sanches. O crime de roubo e o concurso com outros crimes. Disponível aqui. Acesso em: 10 ago. 2019..
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