As condições de saúde no sistema prisional brasileiro
As condições de saúde no sistema prisional brasileiro
Norberto Bobbio (2004) salienta que o problema em relação aos direitos humanos não está na positivação e no reconhecimento legal, afinal eles estão garantidos no arcabouço legislativo: o grande entrave está na sua efetivação e aplicabilidade prática.
Essa premissa pode ser constatada quando nos reportamos a analisar as condições de saúde nas quais estão submetidas as pessoas privadas de liberdade no interior das prisões brasileiras.
No que tange a saúde, a Lei 8080 de 1990, denominada Sistema Único de Saúde (SUS) preconiza que “a saúde é um direito do cidadão e dever do Estado, e deve ser garantida mediante a oferta de políticas sociais econômicas”, política esta de caráter universal, integral e gratuita devendo ser estendida a todos os cidadãos independente da condição em que se encontram.
Neste liame as pessoas privadas de liberdade que hoje abarrotam as prisões brasileiras devem ter o direito à saúde garantida de forma digna, humana, integral e universal, no entanto, a realidade vem deflagrando uma enorme incongruência entre o direito positivado e a aplicabilidade prática.
Desta forma, Moraes (2015, p. 72), menciona que um dos grandes desafios para o Sistema Único de Saúde e o Sistema Prisional são as doenças infecciosas, que são aquelas transmissíveis por agentes patogênicos como vírus, bactérias e parasitas, e se dissipam rapidamente em ambientes fechados e com grande contingente de pessoas, como são as prisões brasileiras.
É o caso da escabiose (sarna) que se alastra por roupas e colchões, da hanseníase (lepra) e das hepatites (A, B e C) e, principalmente, da tuberculose.
De acordo com o referido autor, o contágio das doenças infecciosas ocorre no sistema prisional devido a alguns fatores relacionados ao próprio encarceramento, tais como: celas superlotadas, mal ventiladas e com pouca iluminação solar; exposição frequente à micro bactéria responsável pela transmissão da tuberculose; falta de informação e dificuldade de acesso aos serviços de saúde na prisão (MORAES, 2015).
Corroborando com as reflexões apontadas acima, Costa (2015, p. 74) complementa a discussão informando que, segundo o médico chefe do presídio Central de Porto Alegre, Clodoaldo Ortega, 25% da população carcerária do Central sofria de tuberculose, doença facilmente transmissível, ainda mais considerando o ambiente insalubre, que pode e deve ser diagnosticada na própria unidade prisional e que se, adequadamente tratada, possui 100% de chances de cura.
Ainda neste sentido o programa Profissão Repórter exibido pela rede globo no dia 07 de junho de 2017 aponta uma realidade nem um pouco alheia ao que estamos acostumados a presenciar, metade das mortes que ocorrem dentro do sistema penitenciário é causada por doenças como HIV, sífilis e tuberculose.
O repórter Estevan Muniz esteve em dois presídios no Piauí e um na Bahia para mostrar as péssimas condições sanitárias. Havia baratas nas caixas d´água; esgoto dentro das celas e dezenas de ratos nos corredores. Na penitenciária de Esperantina, um surto de sarna atingiu 150 detentos e até o diretor do presídio.
Pode-se aferir frente a estes dados que o Estado enquanto garantidor e propulsor de políticas públicas está deixando muito a desejar, expondo milhares de seres humanos que estão sob sua custódia a condições subumanas, cruéis, degradantes e vexatórias, voltando-se totalmente na contramão do que prevê inúmeros instrumentos legislativos positivados tanto em nível nacional quanto internacional.
Diante desse cenário deprimente, é possível falar em reintegração social? Como o Estado está preparando estes seres humanos para o retorno a vida em sociedade? O que podemos fazer enquanto coletivo humano para reverter essa dramática situação de violação de direitos?
Certamente os desafios são inúmeros, mas devemos adotar uma atitude de reflexão e indignação, só assim poderemos quem sabe provocar transformações neste universo marcado pelo descaso em relação ao ser humano.
Neste contexto, coaduna-se com Bauman (2005, p. 108-109), quando este compara as prisões brasileiras a verdadeiros “depósitos de lixo humano”, e salienta que
o sistema resume-se hoje quase que totalmente em separar de modo estrito o “refugo humano” do restante da sociedade, excluí-lo do arcabouço jurídico em que se conduzem as atividades dos demais e “neutralizá-los”. O “refugo humano” não pode mais ser removido para depósitos de lixo distantes e fixado firmemente fora dos limites da “vida normal”. Precisa, assim, ser lacrado em contêineres fechados com rigor. De forma explicita, o principal e talvez único propósito das prisões não é ser apenas um depósito de lixo qualquer, mas o depósito final, definitivo.
O pensamento de Bauman nos leva a considerar que realmente o sistema prisional brasileiro não está preocupado em garantir os direitos preconizados na legislação atua de um modo totalmente repressivo e cruel, colocando em risco milhares de vidas humanas e ainda percebe-se cada vez mais um retrocesso em relação as políticas de segurança pública, visto que segue crescendo o índice de reincidentes demonstrando desta forma a total falência do sistema no que pertine a reintegração social das pessoas privadas de liberdade. Um cenário marcado pelo retrocesso e pela ausência de comprometimento com o futuro e com a vida humana.
REFERÊNCIAS
BAUMAN, Zygmunt. Vidas Desperdiçadas. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. 10. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.
COSTA, Dagoberto Albuquerque da. Presídio Central de Porto Alegre. In. RIGON Bruno Silveira; SILVEIRA Felipe Lazzari; MARQUES Jader (Org.). Cárcere em Imagem e Texto. 1 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015.
MORAES, Ana Luísa Zago de. Tuberculose e Cárcere. In. RIGON Bruno Silveira; SILVEIRA Felipe Lazzari; MARQUES Jader (Org.). Cárcere em Imagem e Texto. 1 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015.