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Novos horizontes: conexão penal entre Brasil e Espanha

Conexão Penal. Brasil e Espanha. A mais nova coluna do Canal Ciências Criminais.

Fruto de uma política de isolamento cultural e restrição de acesso à educação, resultado da ditadura militar, durante algumas décadas o Direito Penal brasileiro permaneceu alheio ao desenvolvimento da dogmática estrangeira. Sabemos que o Direito, e por consequência, o Direito Penal, é resultado da sociedade, de sua cultura e de seus rumos políticos, desta forma não havia como se esperar que apenas a dogmática penal não sofresse com a censura e o autoritarismo.

O isolamento do Direito Penal brasileiro conduziu a um conhecimento (re)produzido em si mesmo. Alheio ao desenvolvimento do Direito Penal europeu, principalmente aquele produzido na escola alemã, assim como às teorias e críticas criminológicas, a doutrina brasileira passou mais de 30 anos travando discussões estéreis entre causalismo e finalismo. O Direito Penal brasileiro não acompanhou a revolução da tecnologia e os avanços do sistema de produção de modelo capitalista que levaram a uma mudança social global sem precedentes.

De outro lado, a legislação penal nacional se aprofundou na “guerra às drogas”. O combate ao tráfico de drogas e a perseguição ao traficante elevado ao patamar de inimigo público interno foram as principais preocupações da política criminal brasileira das décadas de 60, 70 e 80. Entre o período de 1964 à 1976 o Brasil teve cinco significativas alterações legislativas em matéria de tóxicos (Lei n. 4.451/64, Decreto n. 54.216/64 que promulgou a Convenção Única de Entorpecentes de Genebra, Lei n. 5.726/71 e Lei n. 6.368/76). Esta “evolução” da legislação brasileira de drogas resultou em prejuízos acumulados até os dias presentes, com o sucateamento da estrutura policial, encarceramento em massa e potencialização da violência urbana.

O quadro até aqui descrito começou a mudar quando uma série de Professores brasileiros de Ciências Penais partriram a buscar formação de Excelência em Universidades estrangeiras, especialmente europeias. Em decorrência da flexibilização das fronteiras nacionais ao conhecimento e na esteira da intensificação do processo de globalização, diversos pesquisadores nacionais buscaram desenvolver seus estudos no exterior, de forma plena ou com períodos curtos de pesquisa. Dentre os pesquisadores nacionais que “importaram” o conhecimento penal desenvolvido na Europa para o Brasil podemos destacar nomes que mais tarde viriam a compor a base da doutrina penal nacional moderna. Sem pretensão de exaustão, mas apenas de forma ilustrativa, podemos destacar alguns nomes de grande influência na doutrina nacional, tais como: Cezar Roberto Bitencourt, Juarez Cirino dos Santos, Luiz Flávio Gomes, Rodrigo Sánchez Rios, Jacinto Coutinho, André Luís Callegari, Paulo César Busato, Giovani Saavedra, Luis Greco, Aury Lopes Jr., dentre outros.

Todavia, os custos deste fechamento do Direito Penal brasileiro em si mesmo são grandes e se refletem nos dias atuais. O penalista brasileiro foi obrigado a assimilar o avanço de teorias penais desenvolvidas ao longo de mais de três décadas em poucos anos. Este problema pode ser percebido nas dificuldades que temos em nos adaptar aos conceitos do direito penal econômico, no trato com o delito corporativo e, de maneira especial, na forma como estas questões são tratadas no cotidiano forense.

Mas se pudéssemos eleger a pior consequência deste intercâmbio tardio do Direito Penal brasileiro com o de outros países, certamente a eleita seria a legislação penal brasileira. Arraigada em teorias voltadas a responsabilização pessoal e individual construídas com base em uma realidade social em que o delito era um ato determinado e praticado por autores individuais isoladamente, as leis penais brasileiras não são capazes de lidar com fenômenos modernos como a criminalidade de empresa e a criminalidade transnacional. Exemplo disso é o complexo quadro que se pinta no Brasil com o “combate à corrupção”, baseado na importação de institutos que fogem à estrutura sobre a qual foi construído o Direito Penal brasileiro, tal qual a figura da colaboração, ou delação, premiada, gerando um desiquilíbrio à aplicação de princípios constitucionais elementares ao Estado de Direito pátrio.

Em outubro deste ano de 2016 inicio um desafio pessoal, irei para a Espanha cursar Doutorado na Universidade Pompeu Fabra sob a orientação do Professor Jesús-Maria Silva Sánchez. O Canal Ciências Criminais está oferecendo-me a chance de dialogar com seus leitores com o intuito de conectarmos, em tempo real, as discussões penais espanholas e europeias com as discussões nacionais. O objetivo desta coluna será formar uma conexão do conhecimento penal entre Brasil e Espanha possibilitando que se intensifique este intercambio cultural tão importante ao desenvolvimento de nosso Direito Penal.

Nas próximas semanas, já em solo espanhol, trarei ao Canal Ciências Criminais notícias sobre as pesquisas, estudos e discussões em torno do Direito Penal desenvolvidas na Europa.

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