Aspectos iniciais do confisco alargado de bens
Aspectos iniciais do confisco alargado de bens
Com a entrada do novo ministro da Justiça e lançamento do novo pacote de medidas anticorrupção, uma das propostas apresentadas insere-se na utilização do confisco alargado de bens. Como o conceito ainda é distante para grande parcela dos aplicadores do direito, objetiva-se explanar aspectos gerais sobre esta medida.
Defensores da aplicação do confisco alargado de bens, como Sergio Fernando Moro e Sólon Cícero Linhares, alegam que a medida se mostra eficaz no que concerne ao combate da corrupção sistêmica.
É certo que a corrupção sistêmica prejudica toda uma nação, posto dificultar aplicações em itens essenciais para o desenvolvimento do país. Ainda, o prevalecimento de poderes próprios para extrair benesses acaba por envolver, também, entidades internacionais, sejam públicas ou privadas, diante do aspecto transnacional do mercado e de uma cultura forte da utilização do “jeitinho” para “facilitar” negociações.
Nesse diapasão, inegável o fato pelo qual o Brasil é signatário de convenções que visam combater à corrupção e, desse modo, é “obrigado” a instituir medidas que reduzam a corrupção no país. E assim o tem feito, como por exemplo, a Lei Anticorrupção, as obrigações e disposições envolvendo programas de conformidade e demais alterações legislativas nesse sentido.
No Direito Penal brasileiro, existem medidas cujo fito consiste na recuperação de valores, ou seja, de efeito pecuniário/patrimonial. Quais sejam: arresto, hipoteca legal e sequestro de bens.
O arresto, grosso modo, incide sobre bens móveis de origem legal que são passíveis de penhora, visando a assegurar a reparação de danos oriundos de um crime pelo agente perpetrado.
Já a hipoteca legal objetiva assegurar um futuro ressarcimento ao patrimônio da vítima ou algum prejuízo que tenha causado a esta. Por último, o sequestro de bens é uma forma de apropriação judicial de bens móveis ou imóveis de propriedade ao réu, cuja origem é proveniente do delito praticado, como proveito do crime.
Ainda, incumbe destacar a presença de medidas cautelares na legislação esparsa, tais como na Lei de Drogas, onde é possível perder veículos utilizados para a prática do delito e na Lei de Lavagem de Dinheiro, com probabilidade de sequestro de bens ou a hipoteca legal.
Nesse sentido, muito embora existam medidas cautelares aplicáveis, também se discute sobre a efetividade dessas e, posto isso, alegam que o confisco alargado de bens se demonstra como uma medida favorável a ser utilizada no combate à corrupção.
Atualmente, existem duas espécies de confisco: a clássica, recaindo sobre instrumentos e/ou proveitos de um crime, tais como a arma utilizada; e o confisco por equivalência, ou seja, a constrição de valores que sejam iguais aos auferidos pelo agente com o crime.
Posto isso, passando o artigo para a análise do confisco alargado de bens, também chamado por confisco ampliado em países como Portugal e, ainda, utilizado por alguns países europeus, o confisco consiste na constrição de valores que equivalham a diferença entre os bens patrimoniais totais do agente defronte ao patrimônio que comprovadamente seja lícito ou oriundo de fontes legitimas.
Com isso, tal confisco abarcaria, em conjunto com os outros modos de confisco, um plexo maior de possibilidades de redução dos malefícios do crime, visando, inclusive, a reduzir a prática de delitos, por se mostrar “mais agressiva”.
E, deste modo, foi objeto da medida nº 67 do novo pacote de medidas anticorrupção, cujas premissas são basicamente: condenar o agente pelos delitos tipificados pelo art. 91-A da proposta; ser a propriedade do bem incompatível com a renda declarada pelo réu; e a presunção de que os bens foram obtidos em detrimentos da atividade delituosa.[1]
Em razão da novidade do termo e da medida no cenário brasileiro, algumas problemáticas foram encontradas, as quais fomentam discussões sobre a constitucionalidade da medida.
A primeira delas, como juristas contrários a medida defendem, consiste na agressão aos princípios da presunção da inocência e da não culpabilidade, pois se amolda a uma medida gravosa aplicada antes do trânsito em julgado da ação penal, ou seja, sua aplicação se daria após a sentença de segunda instância.
Outrossim, diante da característica do confisco, outra crítica envolve a inversão do ônus da prova, fazendo com que o réu prove que a origem dos bens e valores não são oriundas dos delitos, sendo de origem lícita.
Por outro lado, os defensores do confisco alegam que a medida seria uma alternativa eficaz para a redução da criminalidade econômica e transnacional e recuperaria os prejuízos causados pelas infrações.
Além do mais, os favoráveis ao confisco alegam que, em razão da admissibilidade da prisão em segunda instância, conforme decidido pelo Supremo, o confisco alargado seria cabível e não agrediria o princípio da presunção da inocência posto ser aplicado somente após a segunda instância.
Outro ponto sobre o confisco consiste na natureza dela. Parte da doutrina portuguesa, como Damião da Cunha, defendem pela natureza extra penal e, desse modo, atribuiu natureza administrativa “anexa” a uma condenação penal. Já a parte contrária, como Lourenço Martins, defendem que o confisco é de natureza cível “dentro” do processo penal.
No Brasil, um dos únicos autores que abordam sobre o confisco, Sólon Cícero Linhares, traz a ideia de que o confisco alargado é uma medida de caráter penal, mas com efeitos civis.
Concluindo a breve explanação sobre confisco alargado de bens, depreende-se do contexto atual a necessidade de mecanismos de inibição da corrupção, bem como na obrigação que o Brasil possui em adotar medidas de precaução e repressão.
Contudo, há a necessidade de toda uma análise sobre os princípios constitucionais e a inserção de métodos utilizados em outros países. Inicialmente, o confisco alargado mostra-se à frente no que tange às medidas assecuratórias, podendo satisfazer os anseios legais de reparação e/ou redução do delito. Mas, como dito, merece amplas discussões e um polimento sobre sua aplicação e seus efeitos.
Portanto, o que se pretende com o presente artigo é incentivar a pesquisa e discussões sobre o mecanismo do confisco alargado de bens, diante da baixa existência de referenciais doutrinários no país.
NOTAS
[1] A proposta apresenta os seguintes delitos:
Art. 91-A. Em caso de condenação pelos crimes abaixo indicados, a sentença ensejará a perda, em favor da União, da diferença entre o valor total do patrimônio do agente e o patrimônio cuja origem possa ser demonstrada por rendimentos lícitos ou por outras fontes legítimas: I – tráfico de drogas, nos termos dos arts. 33 a 37 da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006; II – comércio ilegal de arma de fogo e tráfico internacional de arma de fogo; III – tráfico de influência; IV – corrupção ativa e passiva; V – previstos nos incisos I e II do art. 1º do Decreto-Lei nº 201, de 27 de fevereiro de 1967; VI – peculato, em suas modalidades dolosas; VII – inserção de dados falsos em sistema de informações; VIII – concussão; IX – excesso de exação qualificado pela apropriação; X – facilitação de contrabando ou descaminho; XI – enriquecimento ilícito; XII – lavagem de dinheiro; XIV – associação criminosa; XV – estelionato em prejuízo do Erário ou de entes de previdência; XVI – contrabando e descaminho, receptação, lenocínio e tráfico de pessoas para fim de prostituição, e moeda falsa, quando o crime for praticado de forma organizada.
INDICAÇÕES DE LEITURA
MARQUES, Paulo Jorge da Silva. O confisco ampliado no direito penal português. Universidade Lusíada. Publicado em 15 de julho de 2014. Disponível em: Repositório das Universidades Lusíada.
LINHARES, Sólon Cícero. Confisco de Bens: Uma Medida Penal, com Efeitos Civis Contra a Corrupção Sistêmica. 1ª Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2016.
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