ArtigosAdvocacia Criminal

Como se portar diante de uma situação de conflito emocional em audiência

Como se portar diante de uma situação de conflito emocional em audiência

Inicialmente, quero advertir que o texto desta semana não se destina aos de pouca vivência, perspicácia ou àqueles de índole um tanto quanto puritana. De igual forma, o presente texto não se destina àqueles que apresentem qualquer predisposição às discussões celeradas e sanguíneas que em nada guardam relação com o exercício da dialética processual e da ética profissional.

O advogado, de acordo o artigo 33, parágrafo único, da Lei Federal 8.906/94 (Estatuto da Advocacia), tem por obrigação pautar sua conduta de acordo com o Dever Geral de Urbanidade para com a comunidade, o cliente, e quaisquer outros profissionais.

Mas não apenas durante o seu mister, este dever segue o advogado inclusive no âmbito da sua vida particular. Conforme a inteligência do parágrafo único, do artigo 34, do referido Estatuto.

Importa também fazer observar que o leitor não encontrará nenhum exemplo, que não o a seguir demonstrado, ou fórmulas pré-constituídas que sirvam para uso no seu ministério. Ou seja, com a permissão que a lírica textual nos consente:

AS MANOBRAS A SEGUIR FORAM REALIZADAS EXCLUSIVAMENTE POR PROFISSIONAIS TREINADOS E GABARITADOS. NÃO TENTE ALGO DO TIPO SEM ESTAR NO CONTROLE DAS SUAS MAIS AFIADAS FACULDADES MENTAIS E A SUPERVISÃO DA ASTÚCIA E DO BOM SENSO!

Todo e qualquer profissional que se preze, desde o momento do seu primeiro contato com a técnica jurídica, ainda nos bancos da faculdade, está a tentar desenvolver e absorver a maior quantidade e melhor qualidade de conhecimentos no intuito de se preparar para os embates que seguramente vão se apresentar durante todo seu tempo enquanto advogado.

Mas o que fazer quando determinada situação foge ao script da técnica? Como se portar diante de uma situação de conflito que transborda às margens do procedimento e da dialética processual e a inteligência dos operadores do direito que representam os polos da relação jurídica se perde em conflitos emocionais que prejudicam os interesses da parte que o advogado busca representar?

Ao menos para este que vos escreve tal hipótese jamais fora aventada no período da graduação, muito menos cuidaram de preparar para situações de conflito que fugissem ao domínio do Direito.

Nada que a boa sorte e a curiosidade inflada pelo temperamento juvenil tendente a viver fortes emoções não pudessem ensinar.

A boa sorte se resumiu a ter bons monitores durante a prática do estágio profissionalizante, que sem nenhuma falsa modéstia – pois “a modéstia é uma falsa virtude, a virtude do imbecis, muitas vezes confundida com a humildade, esta sim uma virtude!”, conforme ensinado por um dos maiores tribunos que pude conhecer –, cuidaram de nutrir a minha mente com boas ideias.

A resposta é simples: seja vivaz, irônico, mordaz, sem nunca perder a razão, postura ou a paz de espírito!

Como quase tudo, a simplicidade do dizer contrasta com a complexidade do pôr em prática.

Da mesma forma que me foi passado, apenas o exemplo será suficiente para fazer entender. Embora este seja um texto, o que pressupõe a não convivência entre este autor e os leitores, estes talvez um pouco mais inexperientes, buscaremos alguns exemplos da própria experiência que possam inspirar ideias em situações onde já não será mais suficiente lançar mão da boa técnica jurídica.

Frise-se, somente vale a pena usar do quanto aqui demonstrado quando todas as possibilidades de diálogo pautada na técnica jurídica não surtirem mais nenhum tipo de efeito e o responsável pela desinteligência não se fizer mais respeitar ao tempo em que lhe falta com o dever reciproco de respeito e urbanidade, além de estar incorrendo em manifesto prejuízo aos direitos do seu cliente.

Antes que se possa pensar que estamos a inovar dentro da prática jurídica devemos lembrar que a advocacia não deve ser encarada como um simples ofício. Deve também ser entendida como sendo uma arte e como tal merece albergar o dom de cada um dos seus profissionais. Que, por sua vez, podem e devem inovar na defesa dos direitos dos seus constituintes.

Fato este que não passou despercebido pelo legislador. Bastando, para tanto, que se observe o quanto descrito no § 3º, do artigo 2º, do Estatuto da Advocacia, ao afirmar que o advogado é inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão.

E mais, para garantir a atuação do advogado o Estatuto afirma que o advogado não está hierarquicamente subordinado a nenhuma autoridade judicial ou representante do Ministério Público, devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíprocos. Devendo o advogado ser tratado com dignidade (artigo 6º, § único).

Mas não é só. O advogado a fim de garantir a dignidade do seu ministério pode, a qualquer momento ou jurisdição, reclamar, verbalmente ou por escrito, perante qualquer juízo, tribunal ou autoridade, contra a inobservância de preceito de lei, regulamento ou regimento, inclusive contra ato que infrinja os direitos observados pelo Estatuto (inciso XI, artigo 7º).

Tendo, para tanto, assegurada sua imunidade profissional, não constituindo injúria ou difamação puníveis qualquer manifestação de sua parte, no exercício de sua atividade, em juízo ou fora dele (§ 2º, artigo 7º).

Dito tudo isto, incitamos os advogados a não se calarem diante de qualquer desrespeito ou ataque desmesurado conforme nos exemplos que cuidamos de trazer a seguir.

Destarte, cuidávamos de patrocinar um caso de suposto latrocínio, crime que causa, como não poderia deixar de ser, bastante repulsa no meio social e que contamina com inadvertido prejulgamento os espíritos daqueles operadores do direito menos preparados para lidar com situações de maior complexidade com a imparcialidade que se espera.

Audiência

Assim, após algumas horas de audiência e diversas interferências do juiz em desfavor do réu, inclusive com alaridos e afirmações de se tratar, este advogado, de profissional de pouco valor técnico, passamos a oitiva da última testemunha de acusação.

Segundo a mesma, era apenas conhecida da vítima e de sua família sem qualquer parcialidade ou interesse no deslinde da ação penal, embora, ainda em sede inquisitorial, tivesse afirmado ser

muito amiga da vítima e de toda sua família e com estes ter uma dívida de vida impagável.

Como se pode imaginar, tentamos inicialmente contraditar a testemunha que, ao ser questionada sobre o motivo de ter afirmado ser “muito amiga da vítima e de toda sua família e com estes ter uma dívida de vida impagável”, apenas afirmou que não se lembrava de ter dito isto. Tendo, o juiz, prontamente intervindo sem maiores esclarecimentos e perguntado “se a testemunha se sentia apta a falar a verdade”. No que prontamente, a mesma, até pelo fato de naturalmente a ninguém ser confortável declarar-se faltoso com a verdade, respondeu que “sim!”.

Concomitante a isso, o magistrado, em tom de voz desproporcional, indeferiu a contradita bem como não permitiu que este advogado realizasse mais perguntas nos termos da contradita.

Não pensem as senhoras e os senhores leitores que este que vos escreve não ardia no mais profundo rancor potencializado pelo fato de ter um cliente em profundo pavor somado ao medo pessoal, além do fato de estar numa sala de audiência minúscula com pelo menos quatro policiais militares fortemente armados e outros tantos policiais civis todos a gargalhar ante o pavoroso espetáculo produzido pelo magistrado e endossado pelo órgão ministerial no hábito de acusador sistemático.

Contudo, ciente do descontrole emocional do magistrado, que restava cada vez mais evidente a cada pergunta favoravelmente respondida em relação ao réu, foi importante esperar o momento certo onde o “perfeito inquisidor” mostraria sua face de parcialidade de maneira inconteste e poria todo aquele teatro absurdo a perder.

Foi então que durante as perguntas do órgão acusador a dita testemunha caiu em contradição, no que imediatamente tratamos de explorar a fim de tentar demonstrar a fragilidade da narrativa apresentada. Qual não fora a surpresa quando do momento da pergunta o magistrado vociferou contra a testemunha chamando-lhe de “BURRA!”. Antes mesmo que a mesma pudesse responder, passando claramente a demonstrar nervosismo e ficar em silêncio absoluto.

Diante disso, passamos a insistir no questionamento e, mais uma vez, o magistrado cuidou de intervir, agora afirmando que haveria repetição de pergunta já realizada, no que cuidamos de argumentar no sentido de não ter sido respondida.

De inopino, Sua Excelência, sacou de um vade mecum que estava ao seu alcance e passou a ler o artigo 212, caput, do CPP, afirmando, mais uma vez, que faltava a este Causídico o mínimo de conhecimento jurídico. No que subitamente este que vos escreve afirmou:

V. Exa. tem razão! O texto do artigo diz isso. V. Exa. demonstrou saber ler, mas demonstrou também não saber interpretar a norma!

No que aquele respondeu, em impaciente deboche:

Estou lendo a norma! O Sr. Dr. Advogado não entendeu? Se o Sr. não entendeu, não sei mais o que estou fazendo aqui!.

Ao que respondi: “Pela primeira vez nessa mesa de audiência nós estamos concordando em alguma coisa. Também não sei o que o Sr. está fazendo aqui, pois o juiz até agora não se mostrou nesta assentada! A Defesa está a labutar contra um verdadeiro Torquemada sentado na poltrona do juiz! Faria muito gosto se pudesse, por gentileza, chamar o Magistrado para que nós pudéssemos começar com a audiência, a hora já vai adiantada”.

Não é difícil imaginar que ser acusado de inquisidor, tendo seu estado de ânimos exaltados, traria à tona uma avalanche dos piores sentimentos que aquele senhor estava, ainda que minimamente, procurando represar.

Pois bem, para o azar do mesmo a audiência era toda gravada por meio áudio visual e, dentre os muitos insultos e ameaças de prisão por desacato proferidos contra a pessoa deste Causídico, foram registradas algumas manifestações que davam conta da sua parcialidade no caso em processamento.

Foi o suficiente para conseguir além da nulidade da audiência, o reconhecimento, em sede de tribunal de justiça, da suspeição. Isso apenas para citar as repercussões processuais.

Diante disso, fica o registro de que o advogado deve sempre estar no controle dos seus ânimos, seja o profissional mais exaltado ou até o mais comedido, devendo sempre lembrar a lição máxima de Carnelutti ao afirmar que a advocacia está regida pelo signo da humilhação, pois o advogado deve se humilhar a fim de que seu constituinte não seja.

Manter a calma ante qualquer ataque e esperar pelo melhor momento de provocar o “adversário” atingindo-lhe o ego exaltado com uma fina ironia pode e deve ser um dos muitos recursos da retórica processual. Mas, como dito, não deve ser usada de forma leviana, sob pena de padecer não apenas o direito do constituinte, mas também a ética do constituído.


Quer estar por dentro de todos os conteúdos do Canal Ciências Criminais, incluindo novos textos sobre audiência?

Siga-nos no Facebook e no Instagram.

Disponibilizamos conteúdos diários para atualizar estudantes, juristas e atores judiciários.

Gianluca Sá Mantuano

Pós-graduando em Ciências Criminais. Advogado criminalista.

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo