NoticiasJurisprudência

STJ: inquérito policial que tramita há anos configura constrangimento ilegal ao investigado

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria, concedeu o habeas corpus para trancar Inquérito Policial, sem prejuízo da abertura de nova investigação, caso surjam provas substancialmente novas, pois muito embora o prazo para a sua conclusão quando o investigado está solto seja impróprio, é possível exercer o controle acerca da razoabilidade da duração da investigação por meio de HC quando excessiva demora para a sua conclusão.

Votaram com o Ministro Relator Sebastião Reis Júnior, os Ministros Rogerio Schietti Cruz, Antonio Saldanha Palheiro e Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região).

Votou vencida a Ministra Laurita Vaz.

EMENTA:

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIMES PREVISTOS NOS ARTS. 168 E 171 DO CÓDIGO PENAL E NOS ARTS. 102, 106 E 107 DO ESTATUTO DO IDOSO. SUPOSTA AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA E ALEGADA ILEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. QUESTÕES JÁ APRECIADAS NOS AUTOS DO HC N. 499.256/SC. OCORRÊNCIA DE FISHING EXPEDITION. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. EXCESSO DE PRAZO PARA A CONCLUSÃO DO INQUÉRITO POLICIAL. INVESTIGADO SOLTO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. TRANCAMENTO. ORDEM CONCEDIDA.

  1. A suposta ausência de justa causa e a alegada ilegitimidade do Ministério Público já foram apreciadas por esta Corte Superior nos autos do HC n. 499.256/SC, o que impede o conhecimento do writ no ponto.
  2. A alegada ocorrência de fishing expedition não foi analisada pelo Tribunal local, o que impede a manifestação desta Corte Superior, sob pena de indevida supressão de instância.
  3. O prazo para a conclusão do inquérito policial, em caso de investigado solto: é impróprio; assim, pode ser prorrogado a depender da complexidade das investigações. De todo modo: consoante precedentes desta Corte Superior, é possível que se realize, por meio de habeas corpus, o controle acerca da razoabilidade da duração da investigação, sendo cabível, até mesmo, o trancamento do inquérito policial, caso demonstrada a excessiva demora para a sua conclusão.
  4. A propósito, “ainda que não decretada a prisão preventiva ou outra medida cautelar diversa, o prolongamento do inquérito policial por prazo indefinido revela inegável constrangimento ilegal ao indivíduo, mormente pela estigmatização decorrente da condição de suspeito de prática delitiva” (RHC 135.299/CE, Relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, DJe 25/3/2021).
  5. Constata-se, no caso, o alegado constrangimento ilegal decorrente do excesso de prazo para a conclusão do inquérito policial na origem, instaurado em 2013, ou seja, há mais de 9 (nove) anos. As nuances do caso concreto não indicam que a investigação é demasiadamente complexa; apura-se o alegado desvio de valores supostamente recebidos pelo Paciente, na qualidade de advogado da vítima (pessoa idosa, analfabeta e economicamente hipossuficiente);
    há apenas um investigado; foi ouvida somente uma testemunha e determinada a quebra do sigilo bancário de duas pessoas, diligências já cumpridas. Outrossim, a investigação ficou paralisada por cerca de 4 (quatro) anos e a autoridade policial, posteriormente, apresentou relatório que concluiu pela inexistência de prova da materialidade e de indícios suficientes de autoria. No entanto, a pedido do Ministério Público, a investigação prosseguiu.
  6. Mostra-se inadmissível que, no panorama atual, em que o ordenamento jurídico pátrio é norteado pela razoável duração do processo (no âmbito judicial e administrativo) – cláusula pétrea instituída expressamente na Constituição Federal pela Emenda Constitucional n. 45/2004 -, um cidadão seja indefinidamente investigado, transmutando a investigação do fato para a investigação da pessoa.
  7. Colocada a situação em análise, verifica-se que há direitos a serem ponderados. De um lado, o direito de punir do Estado, que vem sendo exercido pela persecução criminal que não se finda. E, do outro, do paciente em se ver investigado em prazo razoável, considerando-se as consequências de se figurar no polo passivo da investigação criminal e os efeitos da estigmatização do processo.
  8. Ordem concedida para trancar o Inquérito Policial objeto da presente impetração, sem prejuízo da abertura de nova investigação, caso surjam provas substancialmente novas.
    (HC n. 653.299/SC, relatora Ministra Laurita Vaz, relator para acórdão Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 16/8/2022, DJe de 25/8/2022.)

HC nº 653299 / SC

Priscila Gonzalez Cuozzo

Priscila Gonzalez Cuozzo é graduada em Direito pela PUC-Rio, especialista em Direito Penal e Criminologia pelo ICPC e em Psicologia pela Yadaim. Advogada e Consultora Jurídica atuante nas áreas de Direito Administrativo, Tributário e Cível Estratégico em âmbito nacional. Autora de artigo sobre Visual Law em obra coletiva publicada pela editora Revista dos Tribunais, é também membro do capítulo brasiliense do Legal Hackers, comunidade de inovação jurídica.

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo