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Consumo compartilhado e o tráfico de drogas

Consumo compartilhado e o tráfico de drogas

Precisamos, mais uma vez, falar sobre drogas. Elementar o debate entre consumo pessoal e o tráfico drogas nos tempos atuais. Quando é uso? Quando é tráfico? Qual conduta, ou quantidade, define essa tênue distinção?

A coluna, todavia, não é exatamente do consumo pessoal individual, mas do consumo compartilhado (art. 33, §3, da Lei 11.343/2006). Em que momento o compartilhamento de drogas não consiste no tráfico de drogas?

Sabe-se, e não são raras às vezes, que o usuário consome a droga (maconha, cocaína, drogas sintéticas em festas eletrônicas, etc.) com uma ou mais pessoas de seu relacionamento, momento em que os indivíduos são abordados pela polícia e são presos pelo crime de tráfico de drogas, que resulta na prisão de apenas um dos consumidores ou de todos. Tal conduta recai efetivamente no tráfico (art. 33, caput)?

Vejamos.

Dispõe o artigo 33, §3, que “Oferecer droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para juntos a consumirem: Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano”.

Em outras palavras, o individuo que consome esporadicamente a droga e a oferece a outra pessoa de seu relacionamento, sem insistência e sem objetivo de lucro, não incorre no delito descrito no caput do citado artigo, isso, pois, resta ausente o dolo específico do caput.

Assim, em sendo os tipos penais que definem os delitos muito próximos (art. 33, caput e 33, §3º, além do art. 28º da Lei 11.343/2006), a diferença entre as figuras penais recai na forma da prisão/apreensão (natureza, local, objetos apreendidos, circunstâncias, quantidade), e, especialmente, no elemento subjetivo do tipo diverso do dolo (E.S.T.D.D.).

Isto é, se subjetivamente a droga apreendida em posse destinava-se ao compartilhamento com pessoas do relacionamento sem objetivo de lucro ou a traficância.

A análise desse elemento psíquico é fundamental, pois sem ele o agente figuraria no gravíssimo delito de tráfico de drogas, quando na verdade a finalidade dirigida na conduta é para o consumo entre amigos, sem finalidade de lucro, em momento específico.

Assim, o tipo penal exige que o oferecimento da droga seja eventual, ou seja, uma única oferta, pois caso exista um compartilhamento reiterado e insistente oferta o agente incorre no delito de tráfico de drogas, além da inexistência de finalidade de lucro e que as pessoas sejam do relacionamento (amigos, esposa, familiares, etc.), mesmo que mais de uma pessoa.

Isto é, na ausência de qualquer um dos requisitos objetivo, não há que se falar em consumo compartilhado.

A posição é inovação da lei 11.343/2006, que viu a necessidade de readequar o tratamento penal do indivíduo diante da pena desproporcional da lei anterior, extremamente severa para que aquele que compartilhava a droga com alguém conhecido, que antes previa a pena mínima de 03 (três) anos (art. 12 da Lei 6.368/76) no enquadramento como tráfico de drogas para a atual posição de consumo com a mínima de 06 (seis) meses de competência do Juizado Especial Criminal.

Nesse sentido, Nucci (2007, p. 329)

"O tipo penal inédito teve por finalidade abrandar a punição daquele que fornece substância entorpecente a um amigo, em qualquer lugar onde pretendam utilizar a droga em conjunto. Fazendo-o em caráter eventual e sem fim de lucro aplica-se a figura privilegiada."

Como exemplo, tem-se o consumo compartilhado entre dois ou mais amigos de um cigarro de maconha (RANGEL; BACILA, 2014. p.108). Ou, ainda, o caso de quatro amigos que combinam de ir a uma festa eletrônica, e lá, apenas um deles entra no estabelecimento com um pacote contendo drogas sintéticas.

Logo após adentrar o estabelecimento, e ainda sem reencontrar seus amigos, é flagrado retirando o pacote antes de repassar a quantidade de consumo das pessoas de seu relacionamento. No primeiro momento, pelo segurança/polícia que o flagrou parece configurar o delito de tráfico de drogas (art. 33, caput – trazer consigo).

Contudo, em verdade, o elemento subjetivo do tipo diverso do dolo é de compartilhar a droga em sua posse com pessoas de seu relacionamento, de forma eventual (somente nesta festa) e sem objetivo de lucro, caracterizando, assim, o consumo compartilhado com pessoas de seu relacionamento (art. 33, §3º).

Diante disso, tem-se que o jovem que compartilha a droga não consiste automaticamente em um traficante, tendo em vista que a inovação trazida com a lei 11.343/2006, embora pequeno, foi um importante passo na política de drogas no tema da política criminal de drogas que merece longo e intenso debate.


REFERÊNCIAS

NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

RANGEL, Paulo; BACILA, Carlos Roberto. Lei de Drogas, comentários penais e processuais. 2. ed. São Paulo, Atlas, 2014.

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