Contraditório prévio ao (não) recebimento da denúncia
Contraditório prévio ao (não) recebimento da denúncia
Com o frenético aumento da quantidade de ações penais, o legislador brasileiro, em 2008, com a edição da Lei 11.719, reformou parte do Código de Processo Penal para viabilizar, se apoiando na pretensão de imprimir economia processual, tanto causas de rejeição da denúncia (art. 395, CPP), quanto de absolvição sumária (art. 397, CPP).
Assim sendo, referidas possibilidades de decisões judiciais findariam ações penais ilegais e desnecessárias, de tal sorte a, em um só ato, tanto satisfazer o intento de economia processual, quanto assegurar as garantias fundamentais do cidadão, que, é claro, rechaçam a possibilidade de acusações injustas.
Isto porque nada justifica dar seguimento a ações penais em que, por exemplo, a denúncia é claramente inepta (art. 395, I, CPP) ou não está embasada pela justa causa (art. 395, III, CPP), ou ainda que existe manifestamente uma causa excludente de ilicitude (art. 397, I, CPP) ou, também, que da sua imputação não se extrai crime tipificado (art. 397, III, CPP), dentre as demais causas previstas nos incisos dos artigos 395 e 397 do CPP.
Para tanto, a garantia do contraditório prévio à decisão de (não) recebimento da denúncia assume importância ímpar, já que a legitimidade das decisões judiciais imprescinde da prévia participação das partes afetadas pelos seus efeitos (notadamente nas previsões do art. 5º, LV e do art. 93, IX, ambos da CF).
Apesar disto, não andou bem o legislador brasileiro quando da regulamentação da questão, na medida em que, um tanto quanto confuso, positivou duas previsões de recebimento da denúncia, uma antes da manifestação da defesa (art. 396), e outra após (art. 399).
E o grande problema é que a prática dos Tribunais tem sido no sentido de considerar o recebimento da denúncia antes da manifestação da defesa, sem, portanto, um contraditório prévio, evidenciando um claro sintoma inquisitório.
Não por outra razão que este sintoma acaba por desenhar uma realidade em que dificilmente os juízes rejeitam as denúncias no Brasil, já que, é claro, não aguardaram a consagração do contraditório para proferirem as decisões.
Daí se extrai a importância da defesa em pressionar uma desarticulação desta postura inquisitória, propondo uma solução hermenêutica para esta confusão do legislador, tal qual a aventada pelo Prof. Aury Lopes Jr., que se demonstra a mais adequada.
A proposta seria de uma interpretação do artigo 396 do CPP conforme à Constituição da República (art. 5, LV; art. 93, IX etc.), de sorte a entender a citação mencionada no artigo 396 como sendo apenas uma notificação, a exemplo da do artigo 55 da Lei de Tóxicos (n. 11.343/06), de tal sorte que o recebimento descrito nele seria tão somente formal, necessitando do indispensável aperfeiçoamento pelo material/válido do artigo 399.
Mas não é suficiente.
Logo após, como defendido pelo processualista gaúcho, pertinente o ataque da situação pela nulidade parcial sem redução de texto, afastando o sentido de admissibilidade da ação penal do artigo 396, realocando-o para o artigo 399 do CPP.
Não obstante, via de regra, quando os juízes têm efetivado o contraditório prévio nesta fase, e, em decorrência dele, decidem pela rejeição da denúncia (art. 395) ou absolvição sumária (art. 397) – pela economia processual e para impedir acusações infundadas –, o acusador público tem adotado posturas contrárias, no sentido de recorrer aos Tribunais que, geralmente, têm, por comodidade, reformado as decisões e optado pelo prosseguimento da ação penal.
Mas a defesa não pode desanimar e se intimidar!
Pelo contrário, deve pressionar ainda mais, não abrindo mão de contrarrazoar e proferir sustentações orais nos recursos dos acusadores. Ainda, se necessário, deve a defesa também recorrer das decisões que vierem a reformar as rejeições das denúncias ou absolvições sumárias.
Ora, afinal de contas, a não aplicação de algum dos artigos 395 ou 397 do CPP – em primeira ou última instância –, acaba por resultar num verdadeiro vilipêndio de garantias fundamentais do cidadão vítima de um processo em que, por si só – sem contar as medidas cautelares e demais restrições –, já é uma punição, instrumentalizada e camuflada em um rito promovedor de angústias, preconceitos e tudo de negativo que daí decorre.
Agora, para os alienados, incapazes de se sensibilizarem com a violação de direitos fundamentais – alheia, é claro –, dar seguimento a um processo passível de qualquer das causas de rejeição da denúncia ou absolvição sumária, por desrespeitar a economia processual, resulta num verdadeiro assalto aos cofres públicos, praticado, em concurso de pessoas, através de reiterados atos de delegados, promotores e juízes, que, se foram confrontados por uma defesa digna, se silenciaram a estes argumentos para interromper um processo injusto com o cidadão e por demais dispendioso para as finanças públicas.
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