Coronavírus e audiência de custódia através de videoconferência
Retirar direitos é o caminho mais fácil em tempos de crise. É muito mais cômodo tomar tais atitudes, ainda mais se no bojo da questão estiver envolvendo a marginalizada massa carcerária. A pergunta que me remonta a realizar tal escrita é a seguinte: Porque um plenário da mais alta corte do poder judiciário brasileiro nega seguimento a uma tutela incidental (Tutela na ADPF 347) que visava a diminuição da população carcerária e consequentemente a redução dos óbitos que irão (certamente ocorrer) dentro cárcere.
O argumento que punitivistas vão encontrar para a resposta anterior está estampado no voto da abertura da divergência no referido julgamento, proferido pelo Ministro Alexandre de Moraes:
O que há na medida cautelar é uma determinação para que se realize uma megaoperação dos juízes de execução para analisar detalhadamente todas essas possibilidades, não se aguardar caso a caso. Há, a meu ver, formalmente o problema da ampliação do pedido. E há uma determinação expressa, não para que se solte todo mundo, mas para que se faça uma espécie de mutirão de todos os indivíduos. E fora do âmbito da ADPF.
Os argumentos utilizados pelos Ministros reverberam que a FORMA (em caps lock mesmo) é mais importante do que consequências nefastas que estão por vir no cenário da Pandemia. Alguém em sã consciência liga para o que vai acontecer com os presos amontoados em verdadeiras masmorras do século XXI? Na nossa Suprema Corte tupiniquim parece que sim.
O Ministro Gilmar Mendes foi o único na corte a acompanhar o relator e votar no sentido de referendar as sugestões do relator Ministro Marco Aurélio. No caso em análise o Ministro entendeu que por ser uma tutela incidental que versava sobre assunto constitucional poderia ser apreciado pelo plenário do Supremo Tribunal Federal (STF). Para corroborar a fala do Eminente Ministro segue literalmente trechos do seu voto:
Havia pedidos de redução do número de presos, más condições sanitárias, e por isso elencava-se uma série de pedidos, tanto no mérito quanto na cautelar, de modo que me parece que há este enquadramento. O que eu depreendi da decisão do ministro Marco Aurélio é que ela se enquadra no pedido que foi feito na própria ADPF, que era um pedido de declaração do estado de coisas inconstitucional. E todas essas questões foram discutidas, as más condições sanitárias nos presídios e tudo o mais.
Mas o que tudo isso tem a ver com a referida audiência de custódia ser realizada por meio de videoconferência? TUDO, isto porque a resolução 213 do CNJ possui disposição que a referida Audiência será sempre realizada por meio físico.
Ora, nos ensinamentos de Aury Lopes Jr temos que a forma processual penal é sempre garantia, ou seja, qualquer atitude que contrarie a disposição serviria de nulidade absoluta. Essa forma processual garante o respeito aos direitos mínimos do preso.
O ponto-chave da questão é: porque o TJ/RJ não se agarra ao formalismo que o STF se agarrou para negar uma importante tutela incidental e mantém as audiências de custódias conforme é previsto na Resolução 213 do CNJ.
O cenário piora se observar que no final do ano de 2019 o Superior Tribunal de Justiça editou o informativo 663 que proíbe a realização das Audiências de Custódia através do sistema de videoconferência, demonstrando cabalmente e reforçando a resolução 213 do CNJ que é inviável a realização através desse meio.
Outro ponto que reforça a ideia da possibilidade da realização das audiências de custódia físicas é que o próprio índice de “flagrantes” tende a cair em todo o estado, visto que os delitos patrimoniais (roubo e furto) diminuirão devido a reduzida quantidade de transeuntes na rua e utilização de policiamento ostensivo voltado para outros meios, bem como fiscalização do cumprimento da quarentena.
Uma coisa é certa a audiência de custódia vai continuar a ser realizada pelo modelo de videoconferência durante o período estabelecido do ato normativo do Tribunal de Justiça do estado do Rio de Janeiro, o que esperamos é que seja resguardado na plenitude os direitos dos presos e que seja evitada desnecessárias prisões preventivas.
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