Coronavírus, quarentena e aprisionamento carcerário
Brasil, 25 de março de 2020. Vive-se a quarentena pelo chamado novo coronavírus – COVID19 – um vírus altamente contagioso que pode levar o sistema público de saúde ao colapso e que, inclusive, já levou em outros países, ocasionando mortes, queda da bolsa de valores e circuit breakers vistos anteriormente apenas na crise de 1929.
“FIQUEM EM CASA” é o que se lê, é o que se escuta, é o que se pede, se implora. O vírus não é propriamente fatal, mas o país não está preparado para enfrentá-lo e a população idosa, com problemas respiratórios, diabetes e/ou outros problemas de saúde é quem mais corre perigo. Por eles e por um bem maior, os cidadãos brasileiros estão dentro de suas casas (ou pelo menos deveriam estar).
Parece até filme. Cidades vazias. Carros de som passam com o aviso “mantenham-se dentro de suas casas”. Os mercados têm algumas de suas prateleiras vazias. Álcool em gel é difícil de se encontrar, máscaras então… mas tudo bem, notícias nos trazem índices que afirmam que conseguiremos diminuir a curva de pico do vírus se nos mantivermos em casa durante as próximas duas semanas. E assim o faremos, ou pelo menos os mais sábios o farão.
Mas qual a relação disso com o sistema carcerário? Peço licença para aproveitar-me um pouco da informalidade neste texto e dizer-lhes que ontem, no conforto do meu sofá, estava assistindo uma série na Netflix, comendo pipoca, com meus cachorros e minha família. A série era relacionada a presídios.
De imediato, me lembrei das ocasiões em que abordo o tema presídios nas aulas de processo penal – sou professora de Direito Penal e Processual Penal – e os alunos, que não raras vezes ainda estão no início de sua caminhada, não vislumbram problema nas condições do Presídio Central, localizado em Porto Alegre e mundialmente conhecido por ferir quase todos os Direitos Humanos dos presos.
O argumento principal é o seguinte: por que deveria um preso ser bem tratado após cometer um crime quando existem famílias pobres sem mínimas condições em que o Estado não fornece o mínimo? Argumentam que o preso deve cumprir sua pena da pior maneira possível, devendo o Estado gastar o mínimo possível com a sua prisão e, portanto, privando-o de saneamento básico, higiene e quaisquer outros direitos que possam ser considerados “luxos”, mas que são Direitos Humanos de todos os seres humanos.
Peço desculpas aos que não pensam assim, e desde logo me manifesto no sentido de sentir-me indignada por aqueles que trabalham todos os dias e ainda assim são vítimas de crimes e não conseguem ter o mínimo para si e para suas famílias, mas privar a população carcerária de direitos humanos não deu e nunca dará mais condições aos cidadãos.
O que pode nos ajudar foi, é e sempre será a educação. Se conseguimos encontrar esse pensamento punitivista dentro dos bancos das universidades, imaginem os absurdos que não escutamos nas ruas. Esquecem-se, essas pessoas, de que pelo menos 50% dos presos do Presídio Central lá ainda não foram condenados. Sim, são presos temporários, mas esse seria um tópico para outro artigo.
Dito isso, minha resposta é sempre a mesma, proponho que essas pessoas façam o seguinte exercício: isolem-se no conforto de suas casas, com comida, água, bebida, Netflix, chuveiro quente, internet, ligação, família, cachorros, gatos, o que quiserem! Com a única restrição de não poderem sair de casa. E aí sim entenderão qual o verdadeiro sentido da prisão.
Quarentena e aprisionamento carcerário
Acontece que estamos passando exatamente por isso. Nesse momento. No mundo inteiro. As pessoas estão em quarentena e estão “enlouquecendo”. Não sei dizer quantas reclamações no feed de Instagram vejo diariamente. E mais, o que vemos dentro de prisões? Superfaturamento de produtos? As pessoas fizeram com álcool em gel aqui fora também. O comportamento se repete. Estoque de comida nas residências mais afortunadas. E aqueles que não têm dinheiro para fazer estoque? Esses são os mais prejudicados.
A aproximação que quero fazer aqui é a seguinte:
A Constituição Federal em seu artigo 5º proíbe penas cruéis;
Prisão é caracterizada pelo cerceamento de liberdade do indivíduo, mas não de direitos humanos;
Tiraram nossa liberdade, mas não tiraram nossos privilégios. Ainda assim, estamos enlouquecendo. O julgamento da população carcerária não tem sentido quando a sociedade age da mesma maneira. Sejamos mais coerentes. Sejamos mais humanos. Lutemos pelos Direitos Humanos, de todos. E por favor, fiquemos em casa!
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