Corrupção ativa em transação comercial internacional
Por Thathyana Weinfurter Assad
O tema da corrupção tem nos assolado constantemente, enquanto cidadãos de uma nação soberana. A cada notícia “bombástica” sobre o assunto, somos surpreendidos com os vultosos números envolvendo esse triste fenômeno. A inversão de valores (quiçá, a falta deles), a ausência de punibilidade adequada, a falta de fiscalização, a ganância, o poder: são todos motivos lançados para tentar explicar, mas que sabemos insuficientes. O que se sabe, no entanto, é que se trata de uma via de mão dupla (de um lado, os corruptos; de outro, os corruptores). E podemos ficar anos tentando explicar, entender, justificar. Mas, de fato, algo por aqui (e não só aqui) deu muito errado (não vamos perder a esperança, mesmo assim).
Numa crônica publicada no Estadão, Luis Fernando Verissimo nos leva à reflexão:
Etimológicas
“Corrupção” vem do latim “rumpere”, ou romper, quebrar.
“Corrumpere” quer dizer quebrar completamente, inclusive moralmente, o que significa que quem foi corrompido não tem conserto. O mais inquietante é que da mesma origem latina vem a palavra “rota”, através de “ruptura”, que virou “rupta” no latim vulgar, um caminho aberto ou batido, e que está na origem do francês “route”, de “rota” e de “rotina”. Quer dizer, há poucas esperanças de a corrupção deixar de ser uma rotina no Brasil. Até a etimologia está contra nós. (…)
Quando falamos em corrupção, muitas ideias permeiam nossa mente. O dicionário do Aurélio coloca como significado de corrupção: “1. Depravação; 2. Suborno; 3. Alteração; 4. Sedução”. Ao tratar sobre o tema em seu sítio eletrônico, o United Nations Office on Drugs and Crime alerta:
A corrupção é um complexo fenômeno social, político e econômico que afeta todos os países do mundo. Em diferentes contextos, a corrupção prejudica as instituições democráticas, freia o desenvolvimento econômico e contribui para a instabilidade política. A corrupção corroi as bases das instituições democráticas, distorcendo processos eleitorais, minando o Estado de Direito e deslegitimando a burocracia. Isso causa o afastamento de investidores e desestimula a criação e o desenvolvimento de empresas no país, que não conseguem arcar com os “custos” da corrupção.
A corrupção, em outras palavras, causa o verdadeiro caos num país, corroendo suas mais importantes bases. Todavia, a corrupção pode ultrapassar fronteiras, pode envolver pessoas de mais de uma nação, pode comprometer uma transação comercial internacional. E os países devem ficar atentos a isso.
Justamente com tal escopo, qual seja, de tentar proteger as transações comerciais internacionais dos atos de corrupção, foi firmada a Convenção sobre o Combate à Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais, concluída em Paris, em 17 de dezembro de 1997, promulgada no Brasil pelo Decreto nº 3.678, de 30 de novembro de 2000.
O primeiro “considerando” mencionado no Preâmbulo, de aludida Convenção, é de grande relevância para compreender o motivo que deu ensejo às nações preocuparem-se com o tema. Consta da seguinte forma:
Considerando que a corrupção é um fenômeno difundido nas Transações Comerciais Internacionais, incluindo o comércio e o investimento, que desperta sérias preocupações morais e políticas, abala a boa governança e o desenvolvimento econômico, e distorce as condições internacionais de competitividade; (…)
Ou seja, a corrupção nas transações comerciais no âmbito internacional acarreta sérios prejuízos e abala a confiança no próprio comércio. Como Estado, Direito e Economia estão intrinsecamente ligados, não há como não pensar que os acontecimentos num desses âmbitos pode afetar, em maior ou menor medida, a outra esfera.
Nesse diapasão, o artigo 1, da Convenção sob análise, trata especificamente do que chamou de “Delito de Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros”. Vejamos:
1. Cada Parte deverá tomar todas as medidas necessárias ao estabelecimento de que, segundo suas leis, é delito criminal qualquer pessoa intencionalmente oferecer, prometer ou dar qualquer vantagem pecuniária indevida ou de outra natureza, seja diretamente ou por intermediários, a um funcionário público estrangeiro, para esse funcionário ou para terceiros, causando a ação ou a omissão do funcionário no desempenho de suas funções oficiais, com a finalidade de realizar ou dificultar transações ou obter outra vantagem ilícita na condução de negócios internacionais.
2. Cada Parte deverá tomar todas as medidas necessárias ao estabelecimento de que a cumplicidade, inclusive por incitamento, auxílio ou encorajamento, ou a autorização de ato de corrupção de um funcionário público estrangeiro é um delito criminal. A tentativa e conspiração para subornar um funcionário público estrangeiro serão delitos criminais na mesma medida em que o são a tentativa e conspiração para corrupção de funcionário público daquela Parte.
3. Os delitos prescritos nos parágrafos 1 e 2 acima serão doravante referidos como “corrupção de funcionário público estrangeiro”.
4. Para o propósito da presente Convenção:
a) “funcionário público estrangeiro” significa qualquer pessoa responsável por cargo legislativo, administrativo ou jurídico de um país estrangeiro, seja ela nomeada ou eleita; qualquer pessoa que exerça função pública para um país estrangeiro, inclusive para representação ou empresa pública; e qualquer funcionário ou representante de organização pública internacional;
b) “país estrangeiro” inclui todos os níveis e subdivisões de governo, do federal ao municipal;
c) “a ação ou a omissão do funcionário no desempenho de suas funções oficiais” inclui qualquer uso do cargo do funcionário público, seja esse cargo, ou não, da competência legal do funcionário.
Sendo o Brasil signatário, e com a finalidade de dar concretude ao Decreto que promulgou tal Convenção, foi inserido, pela Lei nº 10.467, de 11 de junho de 2002, o artigo 337-B, do Código Penal, que dispõe sobre o crime, rubricado pelo legislador de “corrupção ativa em transação comercial internacional”, nos seguintes preceitos:
Art. 337-B. Prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a funcionário público estrangeiro, ou a terceira pessoa, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício relacionado à transação comercial internacional:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 8 (oito) anos, e multa.
Parágrafo único. A pena é aumentada de 1/3 (um terço), se, em razão da vantagem ou promessa, o funcionário público estrangeiro retarda ou omite o ato de ofício, ou o pratica infringindo dever funcional.
Portanto, tipificou-se, no Brasil, referido crime (com penas mínima e máxima cominadas absurdamente distantes, diga-se de passagem).
A dinâmica do comércio internacional, porém, exige muito mais que isso (e lembrando do Direito Penal como ultima ratio, e não a primeira). Ele se altera, ele muda constantemente, ele ocorre num mundo que denominamos “globalizado”. Nessa gigantesca integração, ao menos temos como acompanhar os dados. É um grande passo, já que até a etimologia estaria contra nós.