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Corrupção eleitoral: uma análise do art. 299, do Código Eleitoral

Corrupção eleitoral é o delito que trataremos na coluna de hoje, seguindo-se a análise de alguns crimes eleitorais. O crime de corrupção eleitoral está tipificado na regra do art. 299, do Código Eleitoral:

Art. 299. Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita: Pena – reclusão até quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias-multa.

A corrupção é, sob qualquer modalidade, conduta das mais nocivas a sociedade, razão pela qual deve ser objeto de tutela penal. Não é menos verdade, porém, que a lei penal deve guardar proporcionalidade entre a conduta e a sanção penal.

Não é o que ocorre em relação ao crime de corrupção eleitoral, que engloba em um mesmo tipo penal as modalidades de corrupção ativa e passiva, ou seja, pune condutas de gravidades muito distintas com penas idênticas.

Além disso, a corrupção eleitoral passiva deveria ser um dos ilícitos mais graves no âmbito do direito penal eleitoral, porém em face de sua pena mínima (art. 284, do CE), admite suspensão condicional do processo (art. 89, da Lei 9.099/95).

Feitas essas considerações introdutórias, realiza-se uma análise dogmática do tipo penal em questão.

O bem jurídico objeto de tutela da corrupção eleitoral consiste no liberdade do exercício de direitos político, mais especificamente do direito ao voto. A regra incrimina tanto a denominada corrupção eleitoral ativa (nas modalidades dar, prometer e oferecer) como a corrupção eleitoral passiva (nas modalidades solicitar e receber).

Trata-se portanto de tipo múltiplo ou de conteúdo variado, sendo que a prática de mais de um verbo nuclear pela mesma pessoa, em uma mesma circunstância factual, implica no reconhecimento de crime único.

A corrupção eleitoral ativa é crime comum, que pode ser praticado por qualquer pessoa. Não se exige, portanto, qualidade especial do sujeito ativo para a prática do delito. Nesse aspecto, diferencia-se da corrupção passiva prevista no Código Penal (art. 317, CP), que possui exige que a solicitação ou recebimento da vantagem indevida decorra das funções públicas.

Na casuística, a distinção entre a corrupção eleitoral e a corrupção do Código Penal, do ponto de vista do sujeito ativo, é realçada em alguns precedentes:

Possível a investigação de corrupção eleitoral restrita aos autores imediatos do delito, pois o crime pode ser praticado por qualquer pessoa, não sendo necessário, na sua modalidade ativa, seja o candidato agente da infração. – g.n. – (TSE – HC 39.073, Rel. Min. Maria Thereza Rocha de Assis Moura, DJE 27.3.2015)

A prática do crime capitulado no art. 299 do Código Eleitoral pode ser cometido inclusive por quem não seja candidato, uma vez que basta, para a configuração desse tipo penal, que a vantagem oferecida esteja vinculada à obtenção de votos. (TSE – HC 65, Rel. Min. Fernando Neves da Silva, DJ 21.6.2004)

Muito embora os precedentes acima não promovam qualquer distinção, sugerindo que ambas as modalidades de corrupção eleitoral não exigem qualidade especial do sujeito ativo, a corrupção eleitoral passiva exige que o sujeito ativo seja eleitor e, mais, que seja apto a votar no candidato (ou grupo de candidatos) específico.

É que a solicitação ou o recebimento de vantagem está atrelada à obtenção do voto ou abstenção do eleitor e, portanto, se o cidadão que praticar os verbos nucleares não for eleitor ou estiver com os direitos políticos suspensos, não poderá ser sujeito ativo do crime, salvo se solicitar ou receber vantagem em nome de terceiro eleitor.

E seguindo esse mesmo raciocínio, na corrupção ativa, exige-se que o sujeito passivo seja eleitor com potencialidade de voto no(s) candidatos(s) que oferta(m), direta ou indiretamente, a vantagem. Caso contrário, cuidar-se-á de crime impossível.

No que diz com o elemento subjetivo do tipo, trata-se de crime doloso, em qualquer de suas modalidades. Deve-se advertir, contudo, que o dolo genérico é insuficiente, exigindo-se o especial fim de agir, vinculado à finalidade de obtenção do voto ou abstenção. Assim, exemplificativamente, considera-se atípica a conduta de distribuição de vantagens/bens não vinculada à finalidade de obter e dar o voto, ou prometer abstenção:

A jurisprudência do TSE estabelece a necessidade de dolo específico para a caracterização do crime previsto no art. 299 do Código Eleitoral. (TSE – AgRg em AI 8.956, Rel. Min. José Augusto Delgado, DJ 15.2.2008)

Sendo elemento integrante do tipo em questão a finalidade de “obter ou dar voto ou prometer abstenção”, não é suficiente para a sua configuração a mera distribuição de bens. A abordagem deve ser direta ao eleitor, com o objetivo de dele obter a promessa de que o voto será obtido ou dado ou haverá abstenção em decorrência do recebimento da dádiva. (TSE – HC 463, Rel. Min. Luiz Carlos Lopes Madeira, DJ 3.10.2003)

Nos casos de corrupção eleitoral ativa, nem mesmo o pedido de apoio político – que se não confunde com finalidade de obtenção de voto ou abstenção eleitoral – se presta a preencher o elemento subjetivo especial:

A configuração do crime de corrupção eleitoral exige a presença do dolo específico, qual seja, obter ou dar voto, conseguir ou prometer abstenção, e que os eleitores corrompidos sejam identificados na denúncia. Precedentes. 3. A realização de bingos, com a distribuição de brindes e pedido de apoio político aos presentes, apesar de não ser conduta legalmente autorizada, não se adéqua ao tipo do art. 299 do Código Eleitoral.  (TSE – AgRg em REsp 445.395, Rel. Min. José Antônio Dias Toffoli, DJe 29.11.2013[1]).

Questão controversa, no que se refere ao especial fim de agir, diz com a necessidade ou não de que a finalidade de obtenção de voto ou abstenção seja expressa, ou se é possível que seja implícita. Nas hipóteses de corrupção eleitoral, o Tribunal Superior Eleitoral entendeu que o tipo penal subjetivo estaria preenchido sem o pedido expresso de voto:

“Para a configuração do delito de corrupção eleitoral exige-se a finalidade de obter ou dar o voto ou conseguir ou prometer a abstenção, o que não se confunde com o pedido expresso de voto.” (TSE – AgRg em AI 7.758, Rel. Min. Fátima Nancy Andrighi, DJE 9.4.2012)

Ao se entender que a finalidade de obtenção do voto não se confunde com o pedido expresso de voto, isso implica reconhecer a possibilidade do pedido implícito do voto/abstenção (na corrupção ativa) ou da solicitação implícita da vantagem (na corrupção passiva).

No caso de corrupção eleitoral ativa, a se admitir que o pedido possa ser implícito, será necessário que no curso da instrução processual seja demonstrado que o(s) eleitor(es) efetivamente poderiam ser corrompidos em face da oferta implícita. Isso porque não se pode perder de vista a realidade social brasileira, na qual uma grande parcela da população, muito embora possua título de eleitor, é analfabeta funcional e tem pouca ou quase nenhuma capacidade de compreensão de uma eventual proposta velada.

Assim, em que pese se reconhecer a possibilidade da oferta implícita, não se afasta a necessidade de se demonstrar, para a que se cogite de condenação, a potencialidade lesiva da conduta perpetrada pelo corruptor, sob pena de se incorrer em hipótese de crime impossível, por absoluta ineficácia do meio empregado da conduta, nos termos do art. 17, do CP.

Ainda nesse contexto, no plano da corrupção ativa, não se pode confundir o pedido implícito, que é dirigido a um eleitor (ou conjunto de eleitores) determinado(s) ou determinável(eis), do pedido genérico, que consiste em proposta de vantagem indeterminada formulada a um conjunto de eleitores indeterminados ou indetermináveis. Enquanto a primeira modalidade pode configurar o crime de corrupção eleitoral, a segunda é conduta atípica:

HABEAS-CORPUS. ARTIGO 299 DO CÓDIGO ELEITORAL. TIPICIDADE. A CONFIGURAÇÃO DO TIPO PREVISTO NO ARTIGO 299 DO CÓDIGO ELEITORAL REQUER ABORDAGEM DIRETA AO ELEITOR, COM O OBJETIVO DE DELE OBTER A PROMESSA DE QUE O VOTO SERÁ DADO OU DE QUE HAVERÁ ABSTENÇÃO EM DECORRÊNCIA DA OFERTA FEITA, NÃO SENDO SUFICIENTE O MERO PEDIDO DE VOTO REALIZADO DE FORMA GENÉRICA. PRECEDENTES. ORDEM DE HABEAS-CORPUS CONCEDIDA. (TSE – HC 373, Rel. Min. Maurício José Corrêa, DJ 12.11.1999)

Nesse contexto, a imputação de corrupção ativa contida na denúncia deve individualizar o eleitor (ou conjunto de eleitores) que foram potencialmente aliciados, sob pena de inépcia por violação ao art. 41, do CPP e por violação à ampla defesa (art. 5º, LV, da CR/88):

Na acusação da prática de corrupção eleitoral (Código Eleitoral, art. 299), a peça acusatória deve indicar qual ou quais eleitores teriam sido beneficiados ou aliciados, sem o que o direito de defesa fica comprometido (RHC nº 45224, Rel. Min. Laurita Vaz, Rel. designado Min. Henrique Neves, DJe de 25.4.2013) (TSE – RHC 13.316, Rel. Min. Luciana Christina Guimarães Lóssio, DJE 18.2.2014)

Na próxima coluna, seguiremos com a análise do crime de corrupção eleitoral.


NOTAS

[1] Em sentido diverso, porém adotando um conceito de corrupção eleitoral de maior amplitude: “O conceito de corrupção eleitoral deve ser interpretado de forma ampla, a fim de alcançar a repressão de práticas tendentes a atingir os ideais democráticos previstos pela Constituição. 3. Caracteriza corrupção eleitoral a apresentação de proposta de pagamento de pecúnia em troca de apoio de liderança política e a eleitoral, bem como  qualquer outra via direcionada ao fim de corromper a vontade do eleitor. 4. Recurso improvido.” (TRE/AL – REL 914, Rel. Orlando Monteiro Cavalcanti Manso, DOE 13.1.2010)

Bruno Milanez

Doutor e Mestre em Direito Processual Penal. Professor. Advogado.

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