A corrupção privada será um dia tipificada no Brasil?
A corrupção privada consubstancia-se, grosso modo, na prática dos verbos dar, prometer e até mesmo aceitar e receber vantagem indevida, no ambiente privado.
De forma exemplificativa, insere-se na conduta do agente que, visando a obter sucesso em certo negócio empresarial, oferece vantagem ao responsável pela aceitação ou movimentação do negócio.
Sob outra ótica, também pode ser conferida ao agente que, percebendo fortes interesses concorrenciais, solicita ou recebe vantagens indevidas para favorecer certa pessoa jurídica.
Tal conduta fere questões no âmbito concorrencial, tais como a livre concorrência, pois possibilita que a entidade com maior poderio econômico consiga obter vantagens privadas com maior facilidade, situação que gera desequilíbrio econômico para as concorrentes, gerando possíveis monopólios.
No âmbito internacional, a corrupção privada já se amolda como conduta criminosa. Em países como os Estados Unidos, por meio do Foreign Corrupt Practices Act, também conhecido pela sigla FCPA, punem-se práticas de corrupção envolvendo agentes locais com estrangeiros, por exemplo.
Além desta, há a Bribery Act, a qual pune, com até dez anos de prisão, mais multa, pagamentos de propina entre agentes privados.
Ao todo, a decisão transnacional de tipificar a corrupção privada fora motivada por acordos internacionais envolvendo, principalmente, o combate à corrupção, dentre elas a privada.
Contudo, mesmo com densas movimentações na seara internacional, o Brasil somente tipificou a corrupção passiva e ativa em seu Código Penal, ou seja, somente com questões que envolvam entes privados para com a administração pública brasileira.
Corrupção privada e o Projeto de Lei nº 5.895/2016
No entanto, no Brasil há o Projeto de Lei nº 5.895 de 2016 que trata como crime, na Lei de Propriedade Intelectual (Lei nº 9.279/96), a corrupção privada, elencando-a conjuntamente com o crime de concorrência desleal, aplicando pena de detenção de três meses a um ano, ou multa.
Para além do mais, conforme consta no projeto do novo Código Penal brasileiro, caracterizado pelo Projeto de Lei nº 236/2012 do Senado, uma das novas tipificações legais seria a da corrupção privada, a qual no referido projeto denomina-se de corrupção entre particulares.
A sanção descrita no projeto em comento para o delito apresentado seria de prisão de um a quatro anos. Notadamente, cabe destacar o caráter sancionador inferior aos outros delitos de corrupção tipificados no Código Penal, com penas de dois a 12 anos para corrupção passiva e ativa.
Exemplos recentes envolvendo organizações brasileiras e seus representantes consistiram no envolvimento de dois ex-presidentes de entidades esportivas brasileiras (Confederação Brasileira de Futebol e Comitê Olímpico do Brasil).
Ambos os casos obtiveram fundadas suspeitas acerca do envolvimento desses com o pagamento de vantagens indevidas, tais casos foram denunciados nos Estados Unidos e França, o que demonstra relevante movimentação internacional acerca da tipificação da corrupção privada.
Ao todo, perceptível que o Brasil carece de certa disposição nesse sentido, posto ter assinado a convenção da ONU sobre o combate à corrupção, a qual fora firmada no ano de 2009 e, dentre suas disposições, rege sobre a tipificação da corrupção privada.
Sob esta ótica, muito embora inexista, até o presente momento, uma tipificação da corrupção privada no Brasil, a cultura local está em fase de transição cultural. Tal mudança caracteriza-se por uma redução da tolerância corporativa sobre atos não condizentes com fatores éticos, bem como que possam gerar riscos corporativos.
Um desses riscos está adstrito à conformidade legislativa. Em uma era cada vez mais transnacional, empresas cujo mercado envolve negociações ou adequações a outros países passam a demandar de metodologias que tragam a conformidade da pessoa jurídica ante a legislação estrangeira.
Veja que, no exemplo dos ex-presidentes, o risco da não observância à legislação estrangeira ocorreu, ou seja, ambos se viram envolvidos em denúncias criminais sobre a corrupção privada. Tal conduta, muito embora não tipificada no Brasil, não obstou que outros países buscassem a responsabilização penal dos autores de uma possível prática de corrupção privada.
Nesse posto, independente da capitulação como delito no país, entidades locais com atividades de cunho internacional, principalmente as que realizam transações com países que tipificam a conduta, necessitam prevenir a ocorrência de tais práticas, objetivando uma não responsabilização criminal.
Ademais, o que se verifica nesse sentido, insere-se em uma reprovabilidade moral da conduta, posto em uma nova cultura, voltada para a integridade e conformidade.
Sendo assim, inexiste (ainda) tipificação da corrupção privada no Brasil. No entanto, a nova cultura corporativa, voltada à gestão de riscos e a conformidade tacitamente reprova a conduta, atendendo a certa influência da legislação internacional.
Outrossim, como se vê através dos projetos de lei acima descritos, bem como na assinatura de tratado internacional que determina a tipificação da corrupção privada, há sim uma movimentação favorável a sua inserção na legislação criminal brasileira. Resta a nós aguardar o tempo para que a inclusão ocorra.
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