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CPI-Ciber: encerrados os trabalhos, iniciados os problemas?


Por Dayane Fanti Tangerino


Depois de mais de 230 dias de funcionamento e 4 prorrogações, finalmente a Comissão Parlamentar de Inquérito – Crimes Cibernéticos (CPI-CIBER), criada em 17 de julho de 2015, cujo objetivo era de investigar a prática de crimes cibernéticos e seus efeitos deletérios perante a economia e a sociedade deste país, tendo sido presidida, desde então, pela Deputada Mariana Carvalho (PSDB/RO), tendo como Relator o Deputado Esperidião Amin (PP/SC), encerrou seus trabalhos, produzindo, como fruto de uma construção que pretendeu ser coletiva, um relatório contendo, entre outras coisas, 6 projetos de lei a serem encaminhados para processo legislativo. São eles:

1) PL que estabelece a perda dos instrumentos do crime doloso destinados à prática reiterada de crimes;

2) PL que altera a redação do art. 154-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, para ampliar a abrangência do crime de invasão de dispositivo informático;

3) PL que altera a Lei nº 5.070, de 7 de julho de 1966, autorizando o uso dos recursos do Fistel por órgãos da polícia judiciária;

4) PL que inclui os crimes praticados contra ou mediante computador, conectado ou não a rede, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado ou de telecomunicação no rol das infrações de repercussão interestadual ou internacional que exigem repressão uniforme, quando houver indícios da atuação de associação criminosa em mais de um Estado da Federação ou no exterior;

5) PL que altera o Marco Civil da Internet, Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014, determinando a indisponibilidade de cópia idêntica de conteúdo reconhecido como infringente, sem a necessidade de nova ordem judicial e dá outras providências;

6) PL que possibilita o bloqueio a aplicações de internet por ordem judicial, nos casos em que especifica.

Conforme era nosso propósito, ao longo dos trabalhos finais da referida CPI, fomos lançando, neste espaço de debate e promoção do saber, informações, notícias e reflexões acerca dos trabalhos e, especialmente, do conteúdo do citado relatório que estava sendo construído, tendo sido prometido ao leitor que, após a votação do Relatório Final apresentaríamos uma análise final do seu teor, apontando as questões controvertidas e construindo um panorama geral dos encaminhamentos adotados pela Comissão e, em especial, das propostas de lei que, a partir de agora, irão tramitar pelo nosso legislativo.

Encerrada em 04/05/2016, a CPI-CIBER aprovou nesta mesma data, por 17 votos favoráveis e 6 contrários, o relatório final redigido pelo deputado Espiridião Amin (PP-SC). PT, PCdoB, PTB e Rede recomendaram a rejeição do texto.

Como lembrado pelo Deputado Espiridião Amin, os projetos de lei sugeridos tramitarão como projetos de autoria da CPI, em regime de prioridade, junto ao legislativo federal.

A nosso ver, há inúmeras questões a serem levantadas e pensadas em todos os PL´s sugeridos pelo relatório final, o que, com certeza, nos proporcionará muitas e muitas linhas de reflexão crítica, pelo que, neste momento, nos ateremos a apresentar os pontos mais polêmicos do referido relatório.

Um dos grandes pontos de polêmica Durant toda a tramitação do relatório, e que foi mantido, trata do projeto de lei que visa alterar o Marco Civil da Internet – Lei 12.965/2014, para nele incluir o artigo 23-A, que permite aos juízes a determinação do bloqueio de sites e aplicativos dedicados à prática de crimes. A CPI rejeitou – por 13 votos contra 9 – destaque do PCdoB para retirar o projeto do relatório. Com isso, pelo texto do projeto de lei, sugerido pelo sub-relator deputado Rafael Motta (PSB-RN), juízes poderão determinar o bloqueio do acesso a sites e aplicativos hospedados fora do País ou que não possuam representação no Brasil e que sejam precipuamente dedicados à prática de crimes puníveis com pena mínima de dois anos de reclusão. Por sugestão do deputado Sandro Alex (PSD-PR), um dos sub-relatores da CPI, o texto final do projeto deixa claro que aplicativos de mensagens instantâneas, como o WhatsApp, não poderão ser bloqueados.

Ademais, preocupou-se, a CPI, em listar os tipos penais que serão aptos a ensejar o referido bloqueio, sendo eles: terrorismo, crimes hediondos, tráfico de drogas, exploração sexual de crianças e adolescentes, descritos nos artigos 240 a 241-E do ECA, tráfico internacional de armas, violação de propriedade intelectual, crimes contra a propriedade industrial e violação de direito de autor de programa de computador.

Além disso, em relação a outro dos pontos polêmicos do relatório – retirada de conteúdos – manteve o relatório final, aprovado, que, para a retirada de conteúdos iguais a outros que já tiveram a retirada determinada pela Justiça, não será necessária nova decisão judicial, bastando, para tanto, que o interessado notifique o provedor ou site.

Apesar da sugestão de supressão apresentada pelo PT e das argumentações do Deputado Leo de Brito, que lembrou que a proposta de projeto que visa alterar o artigo 154-A do Código Penal penaliza os chamados “hackers do bem”, que fazem invasão em sistemas para testar a sua vulnerabilidade, também se manteve no relatório a sugestão do PL que visa modificar (frise-se, ampliar) o crime de invasão de dispositivo informático (CP, art. 154-A). No projeto proposto o fim específico do crime deixa de existir e a invasão de qualquer sistema informatizado, com ou sem vantagem pessoal, passaria a ser crime, suprimindo-se o elemento subjetivo específico do tipo “com o objetivo de obter, adulterar ou destruir dado ou informações sem autorização do dono do dispositivo”.

No que toca ao PL que inclui os crimes praticados contra ou mediante computador, conectado ou não a rede, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado ou de telecomunicação no rol das infrações de repercussão interestadual ou internacional que exigem repressão uniforme, quando houver indícios da atuação de associação criminosa em mais de um Estado da Federação ou no exterior, devemos considerar que tal proposta acaba transferindo para o âmbito da Justiça Federal a competência para investigar, processar e julgar os delitos cometidos não só por meio do computador, mas também aqueles cometidos contra o computador, ou seja, remete à Justiça Federal casos que a nosso ver poderiam ficar na esfera estadual, como, por exemplo, a hipótese de um grupo de revoltosos que adentrem lojas da Apple, por questões ideológicas, e destruam os aparelhos que ali se encontrem, repetindo tal prática em vários Estados. Pensamos que esse tipo de conduta deveria ficar adstrita à Justiça Estadual, porém pela redação do referido PL, seria ela de competência federal.

Além destes pontos polêmicos, o relatório final da comissão também prevê duas Propostas de Fiscalização Financeira e Controle para que a Câmara fiscalize, com o auxílio do Tribunal de Contas da União, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), e recomenda a apreciação de várias propostas que já tramitam na Casa.

Com isso, a nosso ver, não obstante os trabalhos da CPI pretenderam e, de fato, orientaram-se por princípios éticos e democráticos, buscando investigar e compreender o fenômeno da criminalidade informático na sua plenitude, esforçando-se em propor soluções para a sua mitigação, em prol da coletividade, em muitos pontos, os trabalhos deixaram a desejar, encampando conceitos, princípios e diretrizes contrários e, por vezes, violadores dos princípios arduamente construídos e positivados no Marco Civil da Internet.

Encerrada esta etapa da CPI e de seus trabalhos, nos cabe agora permanecer alertas para acompanhar, debater e, se necessários for, intervir, através da pressão popular e das organizações civis, nas tramitações que irão se iniciar para a aprovação dos mencionados projetos de Lei referidos, lembrando que estamos em uma nova era política que, já de início se mostrou bastante diversa daquela que havia e na qual não sabemos como serão tratados e interpretados os valores e ideais de justiça social, liberdade de expressão e comunicação e, sobretudo, o respeito às minorias e às garantias constitucionais fundamentais do nosso Estado Democrático de Direito.

Que os projetos de lei que agora vão à tramitação sejam analisados e debatidos pelos legisladores com base nos princípios que norteiam a Internet e que eles se lembrem, a todo o momento, que a rede deve ser um ambiente onde a liberdade e a segurança sejam a regra, reconhecendo sua escala mundial e finalidade social, assim como seu caráter dinâmico para a contínua evolução e inovação.

_Colunistas-Dayane

 

Dayane Fanti Tangerino

Mestre em Direito Penal. Advogada.

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