Crime, castigo e mídia
Crime, castigo e mídia. Essa – a midiatização dos fatos suscetíveis ao processo – continua a ser uma das maiores problemáticas do “processo penal”, especialmente quando encontra interlocutores diretos e supostamente (ou sedizentes) comprometidos com os interesses da sociedade ou “do povo”.
Em casos de homicídio, a condução de inquéritos ou ações penais (pelos seus respectivos atores: delegados, promotores, advogados, magistrados) deveria merecer a mais rigorosa isenção e discrição, de maneira a preservar absolutamente todas as possibilidades de garantia ao indiciado/acusado ou à indiciada/acusada, até o trânsito em julgado.
Pois, do contrário, aquele julgamento prévio – que passa a circular na sociedade ou na comunidade – é muito capaz de impregnar por completo a mentalidade do futuro Conselho de Sentença, quando do julgamento em plenário.
As inverdades “vazadas” à mídia sensacionalista por autoridades e partícipes formam mentalidade, formam opiniões que antecipadamente julgam.
Essa mídia sensacionalista comete falso testemunho tanto quanto uma testemunha mentirosa, e macula o expediente do processo, contribuindo diretamente com um pré-julgamento deveras prejudicial àquelas garantias acima citadas.
Um delegado ou um promotor que experimenta com gosto o furor da entrevista veiculada e aplaudida, um advogado que, veladamente (ou escancaradamente), se oportuniza com a entrevista para ampliar sua rede de captação de clientela, um magistrado – o que é mais raro e grave! – que se deslumbra com as câmeras na pretensão de virar herói, causa(m) o pior mal que pode resultar ao processo penal: a sujeição do indiciado/acusado ou da indiciada/acusada e a sua rotulação preliminar, a sua estigmatização, marca indelével difícil, senão impossível, de ser apagada, e absolutamente contrária às garantias fundamentais para as quais tanto lutamos e prosseguimos na luta permanente e incansável.
Muitas vezes a mentira ou o exagero hermenêutico (as versões) – propagada(o) pela mídia, pela sociedade ou pelas autoridades do processo – formam aquele pré-julgamento útil até mesmo ao ato autoritário de prender e manter preso o/a [suposto/a] autor/a.
Nesses casos, é cada vez mais comum, nos Tribunais brasileiros, uma espécie de repetição de decisões pretéritas que seguem insistentemente a falsa premissa originária, adotando-a como “verdade” (ou, o que é pior, como “verdade real”). E aqui, o desserviço programado pela mídia sensacionalista é irresponsável ao ponto de simplesmente esquecer o assunto tão logo outro “crime” desponte nas ruas da cidade e no imaginário popular.
O Tribunal repetiu a mentira midiática, esta retirou qualquer responsabilidade sobre os fatos, mas o Tribunal pode seguir repetindo ad infinitum a mentira midiática, adotando-a como (ou convertendo-a em) verdade.
Erro ou má-fé? Responsabilidade jornalística ou interesse financeiro? Senso de justiça ou comodismo?
Seja como for, e onde for, os atores coadjuvantes da pretensa justiça – autoridades, mídia, sociedade – não têm olhado para o único ator ou única atriz principal que ainda resta nessa cena, e de cujas vontades e esforços depende o seu destino: o/a acusado/a.
Leia também, do mesmo autor: Mídia sensacionalista no processo criminal (AQUI).