O crime compensa?
O crime compensa?
É comum ver por aí afirmações e questionamentos sobre o crime e se ele compensa ou não.
Eu, desde já, te falo a minha opinião: o crime compensa (e muito!).
Mas é claro, depende do crime e do criminoso. Não é todo e qualquer tipo de crime que compensa, só os mais graves, aqueles que causam maior dano coletivo.
Para esclarecer o motivo pelo qual afirmo categoricamente que o crime compensa, vou te contar a história de uma ação penal que passou pela minha mão esses dias.
Analisava os autos de um processo que apuravam a prática de crime contra a ordem tributária, tipificada no artigo 1º, inciso V, da Lei 8.137/90 – cuja pena pode ser de 02 (dois) a 05 (cinco) anos de reclusão, além da aplicação de multa.
De acordo com a denúncia e as provas dos autos, os acusados, sócios de uma mesma empresa, todos com poder de administração e gerência, deixaram de recolher ICMS (IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS e SERVIÇOS), num valor aproximado de 200 mil reais.
Os fatos foram em 2003, a denúncia só foi oferecida no início de 2009, mesmo período em que ela foi recebida.
A instrução processual foi encerrada no final de 2015 e o processo foi sentenciado em abril de 2017, a uma pena de 04 (quatro) anos de reclusão e ao pagamento de 75 dias-multa, fixado o valor do dia em um salário-mínimo; tendo transitado em julgado (sem possibilidade de recurso) para o Ministério Público.
Nesse caso, mesmo que a pena tenha se afastado do mínimo legal, em valor que corresponde ao dobro do mínimo (que é de 02 anos), o regime de cumprimento inicial da pena fixado foi o aberto (artigo 33 do Código Penal), com substituição da privação de liberdade por restrição a direitos, pois a pena foi igual a 04 (quatro) anos (artigo 44 do Código Penal).
Diante desse cenário, pergunto: o que vai acontecer com essas pessoas que foram condenadas pela sonegação de mais de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais)? Qual a pena que eles vão efetivamente cumprir?
Simples! Não serão presos (nunca) e sequer terão o nome “sujo” pela condenação.
Nada lhes acontecerá, sabe por qual razão? O processo está prescrito. O interessante é que não é só esse, mas diversos processos do tipo.
No presente caso, a prescrição (que é retroativa) será calculada com base na pena aplicada aos réus, que foi de 04 (quatro) anos, fazendo com que a prescrição ocorra após o transcurso de 08 (oito) anos.
Importante destacar que a análise, em uma prescrição retroativa, leva em conta, por exemplo, o período entre o recebimento da denúncia e o trânsito em julgado para o Ministério Público.
Assim, se entre esses marcos prescricionais transcorrer o prazo de 08 (oito) anos, prescrita estará a pretensão punitiva do Estado e nada mais existirá contra o réu relativamente a essa condenação.
Será como se eles nunca tivessem respondido a processo algum ou tivessem sido condenados criminalmente.
Nada acontecerá com eles, absolutamente nada!
E foi exatamente o que aconteceu nesse caso, a denúncia foi recebida em 2009 e o trânsito em julgado para o Ministério Público em 2017, 08 (oito) anos após.
Eles sonegaram cerca de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) e nada, nadica de nada lhes acontecerá.
O crime compensou? Para eles, valeu a pena praticar o crime?
Parece que sim, né?! Além de não terem recolhido o imposto devido, com certeza lucraram muito dinheiro em cima dessa sonegação, fazendo com a vantagem econômica obtida tenha sido muito maior do que os 200 mil.
Só que nem sempre é assim, não é em todos os casos que é vantajoso praticar crimes.
Sabe pra quem o crime não compensa? Pro “Zé” e pro “João” que roubaram um celular no ponto de ônibus, sem nem mesmo usar de uma arma de fogo.
Pra esses dois, a pena mínima aplicada por essa subtração é de 5 anos e 4 meses, podendo chegar a 15 anos, ficarão presos durante todo o processo e até mesmo após a condenação, terão o nome, a honra, a dignidade, as eventuais oportunidades de emprego e tudo o mais na sarjeta e carregarão essa condenação para toda uma vida.
Sem falar que o regime inicial de cumprimento de pena será, no mínimo o semiaberto, sem possibilidade de substituir a pena privativa de liberdade por restritivas de direito (esses benefícios só são concedidos a “bandidos” profissionais, como no caso de empresários sonegadores de impostos, e não para amadores que subtraem celular).
Só para se ter uma ideia, o site Quanto Custa o Brasil tem um “sonegômetro” para apurar o quanto é sonegado no Brasil. Veja só a estimativa para esse ano de 2017, de 01/01/2017 a 23/10/2017: míseros R$ 463.305.082.193,26 (quatrocentos e sessenta e três bilhões, trezentos e cinco milhões, oitenta e dois mil, cento e noventa e três reais e vinte e seis centavos), o que, segundo informações do site, daria para pagar 22.700.037 (vinte e dois milhões, setecentos mil e trinta e sete) salários anuais de professores do ensino fundamental (piso MEC).
Mas o que é mais grave? Qual conduta gera mais dano? Qual delas merece uma reação mais intensa do Estado? A sonegação de centenas de milhares de reais ou a subtração de aparelho celular?
E depois dizem que não existe seletividade penal e que não dá para entender como defendem a sua existência.
Um grande abraço e até semana que vem.