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Crime de injúria versus liberdade de expressão

Crime de injúria versus liberdade de expressão

Foi publicada recentemente decisão da Turma Recursal do TJ-RS, mantendo condenação por injúria de professora universitária que escreveu em post de rede social, acerca do livro ““Bandidolatria e Democídio”, que:

E mais Rodrigo depois de anos de total mediocridade intelectual, formação manualísticas, rejeição de toda e qualquer estudo ou pesquisas acadêmicas, conseguiram sistematizar toda a sua visão classista, racista, intolerante e antidemocrática numa obra chamada “Bandidolatria e Democídio”. Seria cômico se não fosse trágico. (grifos nossos). 

Dispõe o Código Penal acerca do crime de injúria:

Art. 140 – Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:

Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.

(…). Art. 142 – Não constituem injúria ou difamação punível:

(…) II – a opinião desfavorável da crítica literária, artística ou científica, salvo quando inequívoca a intenção de injuriar ou difamar; (…).

Polêmicas à parte, o caso em tela mostra a tênue linha que separa a liberdade de expressão, da professora universitária expressando em rede social sua opinião acerca de uma obra polêmica, da questão dos autores sentirem-se vítimas de injúria. 

A própria doutrina reconhece o quanto a injúria é subjetiva. O Acórdão traz a definição de Nucci:

Ainda, sobre o crime de injúria, ensina Guilherme de Souza Nucci:

Injuriar significa ofender ou insultar (vulgarmente, xingar). No caso presente, isso não basta. É preciso que a ofensa atinja a dignidade (respeitabilidade ou amor-próprio) ou o decoro (correção moral ou compostura) de alguém. Portanto, é um insulto que macula a honra subjetiva, arranhando o conceito que a vítima faz de si mesma. 

O Acórdão traz o depoimento de várias testemunhas, de defesa e acusação. Ressaltemos que as críticas se fazem em torno da obra “Bandidolatria e Democídio”, e das opiniões elencadas na obra pelos autores, que levaram a professora, e muitas outras pessoas nos fóruns de discussões das redes sociais, a qualificar os autores como racistas.

Se o crime de injúria deve atingir a honra subjetiva das vítimas, e as duras críticas da professora dizem respeito às opiniões defendidas pelos autores em seu livro, a questão é se houve realmente o cometimento de crime de injúria pela querelada. Não se trata de uma opinião pessoal da querelada acerca das personalidades das vítimas e autores do livro, mas de críticas às ideias defendidas pelos autores em sua obra. É o que expressa um dos votos, que contraria o Relator e que pede a nulidade do processo:

Daí a dizer-se, como contido na inicial da queixa-crime, que o dolo está demonstrado, vai uma larga distância. Aliás, a demonstração do fato e de todos os elementos caracterizados do tipo penal é carga probatória que se atribui aos autores.

Pois bem, confesso toda a minha dificuldade em alcançar a mesma leitura até aqui estabelecida em relação ao comentário feito pela querelada, que em nenhum momento fez referência expressa aos autores da obra, mas que, ao contrário, fez expressa referência a obra, tanto que a nominou.

(…) Entretanto, mesmo que possam ser considerados deselegantes os termos empregados, não consigo, não sem cogitar de uma construção cerebrina e sem suporte na prova dos autos, chegar à conclusão de que a querelada, com o seu comentário, teve a intenção de atingir a honra subjetiva dos querelantes, quando, pelo contrário, tudo indica que se referia ao livro.”

(…) A conduta da querelada, portanto, que teceu críticas ao livro “Bandidolatria e democídio”, e não aos autores da obra, é manifestamente atípica.

Voto, pois, por dar provimento ao recurso a fim de absolver, fulcro no art. 386, III, do CPP, a querelada.

Infelizmente, foi voto vencido, pois o Acórdão manteve a condenação:

O fato em apreço, portanto, não se tratou de opinião/critica de âmbito acadêmica sobre obra literária, mas de ofensa pura e simples direcionada a dignidade e ao decoro dos querelantes, a conduta motivada pelo simples fato destes não partilharem consigo das mesmas opiniões/posições, tudo a indicar ato de intolerância e desrespeito ao próximo. 2. SUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. SENTENÇA CONDENATÓRIA MANTIDA. Devidamente caracterizado o crime de injúria praticado pela recorrente, mostrando-se impositiva a manutenção do édito condenatório. Singela adjetivação dos querelantes como “medíocres intelectualmente”, adunada aos epítetos de “classista, racista, intolerante e antidemocrática” sem qualquer liame lógico com critica ou opinião literária – inexistente aliás – revelou a presença do “animus injuriandi”, pois a conduta advém de professora com titulo de doutoramento de quem se exige conduta conforme a norma, especialmente a crítica e a opinião literária que, se lançada fosse, tornaria lícita a conduta, pois ao abrigo da Constituição Federal. Perfeitamente caracterizada a ofensa à honra subjetiva dos recorridos, impositiva a manutenção do édito condenatório. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO, E, NO QUE CONHECIDO, DESPROVIDO.


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Maria Carolina de Jesus Ramos

Especialista em Ciências Penais. Advogada.

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