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O crime organizado na mira da justiça penal pactuada

O crime organizado na mira da justiça penal pactuada 

Vivemos tempos sombrios. O número injustificado de prisões cautelares só aumenta no Brasil e cada vez mais inocentes estão sendo punidos pelas garras da gestão penal desqualificada.

A decretação de prisões preventivas em terras canarinhas tem sido utilizada para alcançar dois objetivos básicos pelos juízes criminais sanguinários: i) dar uma resposta à opinião pública; ii) fazer com que o denunciado ou réu entregue o suposto esquema criminoso.

Percebe-se que é necessário o conluio com o Ministério Público no segundo item, de forma a tratar-se do que se convencionou chamar de delação premiada.

Na verdade, o tema gira em torno da justiça penal negociada, que vem sendo trabalhada há muitos anos de forma bastante equivocada em dois países principais: Alemanha e Estados Unidos.

Aqui o Brasil, os perseguidores de plantão, carrascos da liberdade, estão vendendo um verdadeiro lobo em pele de cordeiro. Produto de quinta categoria, mas é apresentado como de Primeiro Mundo. Triste constatação.

A Lei 12.850/2013 disciplina as relações envolvendo a organização criminosa. Traz no seu art. 4º o instituto jurídico da colaboração premiada nos seguintes termos:

Art. 4º O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados:

I – a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas;

II – a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa;

III – a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa;

IV – a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa;

V – a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.

Num primeiro momento, não há o que enxergar de negativo nos dispositivos transcritos acima. Ora, mais parecem benefícios ao acusado. Melhor ainda, ao que consta, para a sociedade, que terá mais chances de ter os seus algozes desmascarados, principalmente pela ajuda dos próprios comparsas.

Ledo engano. Explico.

Temos aqui a possibilidade de uma situação muito peculiar. Na condição desigual de órgão acusador, o Ministério Público coage o réu para a admissão de prática criminosa, pois como o “bico aberto” funciona como um meio probatório, valorando a declaração do “dedo-duro”, inclusive com o uso da prisão preventiva para condicionar a colaboração premiada, nada melhor do que entregar um hipotético esquema para reduzir a pena criminal.

Prevalece, evidentemente, a lógica maldosa da persecução criminal. O caráter voluntário não existe na maioria dos casos, ou seja, não pode ocorrer sob algum tipo de coação ou ameaça.

Nota-se, portanto, a caracterização da delação como uma declaração de extorsão.

Nos EUA, a Justiça Consensuada abrange a possibilidade do uso da chamada plea bargaining. Quase 100% dos casos em matéria penal estão sendo resolvidos assim, quando há previsão legislativa.

Os efeitos destrutivos da má utilização desse instituto jurídico por lá foram muito bem descritos por Jed S. Rakoff, juiz federal em Nova Iorque (US District Court for the Southern District of New York), em um artigo intitulado “Why Innocent People Plead Guilty”, publicado pela The New York Review of Books.

Ele relata um cenário assustador, demonstrando que como as penas criminais são elevadíssimas, qualquer acordo é benéfico para o acusado. O antes galardoado devido processo legal (due processo of law) foi abandonado.

Não há o que se falar em igualdade em momentos como esse. O desequilíbrio na balança é latente. O medo de ser preso bate à porta do réu.

Os prosecutors americanos são tão verdugos como alguns procuradores da república e promotores de justiça brasileiros.

Assim sendo, à luz do que foi minimamente exposto, sem pretensão de esgotar o tema, tem-se que, muitas vezes, é forçosa, com base em ilações do Ministério Público, a constituição de organizações criminosas. O crime organizado é pautado, no Brasil, sob intensos mitos. crime organizado crime organizado crime organizado crime organizado

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