Crimes contra a ordem tributária: quando ocorre a consumação do delito?
Crimes contra a ordem tributária: quando ocorre a consumação do delito?
A consumação do crime só ocorrerá após o processo administrativo, tendo em vista que esse serve para a verificação da existência, ou não, do fato gerador, inclusive, se for o caso, para o cálculo do montante devido, e aplicação das penalidades civis, administrativas e penais.
O lançamento definitivo do tributo ocorre após o devido processo legal administrativo, no qual devem ser respeitados os princípios norteadores do mesmo, pois só as garantias processuais poderão limitar o poder do estado sobre o contribuinte.
Crimes contra a ordem tributária
Umas das principais bases do constitucionalismo moderno é o respeito à forma, que é uma limitadora do poder estatal sobre o cidadão, nesse caso, o contribuinte. É a garantia do devido processo legal em todas as suas circunstâncias. Como ministra Gilmar Mendes:
A incorporação de um dispositivo exclusivamente destinado a positivar essa garantia fundamental pode estar associada à vontade constituinte de romper com a ordem política do período anterior (1964-1985)
Sendo assim, a Constituição Brasileira garante o devido processo legal para a privação de bens e demais direitos. O processo administrativo deverá respeitar o principio do contraditório e da ampla defesa, pois a função do processo administrativo é a de apurar a existência do fato gerador, respeitando o direito positivado na Carta da República Federativa do Brasil, art 5°, LV:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes
No texto constitucional, fica clara a necessidade da observância do principio do contraditório, não apenas em processos judiciais, mas também nos processos administrativos, sob pena de nulidade. Assim tem sido o entendimento pátrio, como neste Habeas Corpus do extinto Tribunal de Alçada do Estado de São Paulo (TACRIM-SP HC 491798-4, 7ª Câmara, rel. Francisco Menin, 14.04.2005, v.u):
Verifica-se ser nula a notificação do acusado realizada no procedimento, pois impossibilitou o exercício do direito à ampla defesa, de forma que não há como considerar esgotada a esfera administrativa e, consequentemente, não restará caracterizado o delito por falta de tipicidade, já que inexistente o ‘tributo’ objeto de supressão ou redução, conforme previsto no ‘caput’ do mencionado dispositivo legal.
O crédito tributário, momento em que o Estado poderá cobrar o tributo, será formalizado tão somente após o lançamento definitivo do tributo, não tendo início com o fato gerador. Nesse sentido tem sido o entendimento da jurisprudência pátria:
TRIBUTÁRIO – PRESCRIÇÃO – REPETIÇÃO DE INDÉBITO – TERMO INICIAL – IMPOSTO DE RENDA RETIDO NA FONTE. A retenção do tributo na fonte pagadora é inconfundível com a extinção do crédito tributário. O crédito tributário não surge com o fato gerador. Ele é constituído com o lançamento (artigo 142 do CTN). Em se tratando de Imposto de Renda, o lançamento deve ocorrer após as informações do sujeito passivo, na declaração de ajuste (Lei nº 8.383/91, artigo 15) ou pela informação da fonte que promoveu a retenção. Qualquer das hipóteses leva ao exame dos artigos 147 e 150, parágrafo 4º. Não havendo homologação expressa ela ocorreria tacitamente, decorridos 05 (cinco) anos do fato gerador, e só aí há extinção do crédito. Recurso parcialmente provido (STJ – REsp: 250306 DF 2000/0021404-3, Relator: Ministro GARCIA VIEIRA, Data de Julgamento: 06/06/2000, T1 – PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 01.08.2000 p. 208).
Jurisprudências nos crimes contra a ordem tributária
Parece-nos inclusive lógico o entendimento da doutrina e da jurisprudência, pois se não existe a obrigação principal tributária, não há que se falar em ilicitude penal ou tributária. Nesse sentido, Hugo Brito Machado:
Em face da obrigação tributária o Estado ainda não pode exigir o pagamento do tributo. Também em face das chamadas obrigações acessórias, não pode o estado exigir o comportamento a que está obrigado o particular, Pode, isso, sim, tanto diante de uma obrigação tributária principal, como diante de uma obrigação principal (CTN art 113 § 3°), fazer o lançamento, constituindo crédito a seu favor. Só então poderá exigir o objeto da prestação obrigacional, isto é, o pagamento.
Matéria já pacificada nos Tribunais Superiores, inclusive com a edição da Súmula 24 do Supremo Tribunal Federal:
I. Crime material contra a ordem tributária (L. 8137/90, art. 1º): lançamento do tributo pendente de decisão definitiva do processo administrativo: falta de justa causa para a ação penal, suspenso, porém, o curso da prescrição enquanto obstada a sua propositura pela falta do lançamento definitivo. 1. Embora não condicionada a denúncia à representação da autoridade fiscal (ADInMC 1571), falta justa causa para a ação penal pela prática do crime tipificado no art. 1º da L. 8137/90 – que é material ou de resultado -, enquanto não haja decisão definitiva do processo administrativo de lançamento, quer se considere o lançamento definitivo uma condição objetiva de punibilidade ou um elemento normativo de tipo. 2. Por outro lado, admitida por lei a extinção da punibilidade do crime pela satisfação do tributo devido, antes do recebimento da denúncia (L. 9249/95, art. 34), princípios e garantias constitucionais eminentes não permitem que, pela antecipada propositura da ação penal, se subtraia do cidadão os meios que a lei mesma lhe propicia para questionar, perante o Fisco, a exatidão do lançamento provisório, ao qual se devesse submeter para fugir ao estigma e às agruras de toda sorte do processo criminal. (…)” (HC 81611, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, julgamento em 10.12.2003, DJ de 13.5.2005)
De modo que, sendo tributo elemento normativo do tipo penal, este só se configura quando se configure a existência de tributo devido, ou, noutras palavras, a existência de obrigação jurídico-tributária exigível. No ordenamento jurídico brasileiro, a definição desse elemento normativo do tipo não depende de juízo penal, porque, dispõe o Código Tributário, é competência privativa da autoridade administrativa defini-lo. Ora – e aqui me parece o cerne da argumentação do eminente Relator -, não tenho nenhuma dúvida de que só se caracteriza a existência de obrigação jurídico-tributária exigível, quando se dê, conforme diz Sua Excelência, a chamada preclusão administrativa, ou, nos termos no Código Tributário, quando sobrevenha cunho definitivo ao lançamento. (…) E isso significa e demonstra, a mim me parece que de maneira irrespondível, que o lançamento tem natureza predominantemente constitutiva da obrigação exigível: sem o lançamento, não se tem obrigação tributária exigível. (…) Retomando o raciocínio, o tipo penal só estará plenamente integrado e perfeito à data em que surge, no mundo jurídico, tributo devido, ou obrigação tributária exigível. Antes disso, não está configurado o tipo penal, e, não o estando, evidentemente não se pode instaurar por conta dele, à falta de justa causa, nenhuma ação penal.” (HC 81611, Voto do Ministro Cezar Peluso, Tribunal Pleno, julgamento em 10.12.2003, DJ de 13.5.2005)
A súmula vinculante 24 deixa clara a necessidade do lançamento definitivo do tributo para a existência da justa causa na ação penal. Sendo assim, em não havendo o lançamento definitivo, a denúncia deverá ser rejeitada pelo juiz de direito, em respeito ao artigo 395, III, do Código de Processo Penal, pela a falta da justa causa.
Art. 395. A denúncia ou queixa será rejeitada quando:
I – for manifestamente inepta;
II – faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou III – faltar justa causa para o exercício da ação penal.
Processo penal e crimes contra a ordem tributária
Isso ocorre porque o processo penal possui diversos requisitos para o início da ação. No momento da peça denominada denúncia ou queixa, esta deverá compor em sua estrutura a exposição do fato criminoso com todas as suas circunstâncias.
Porém, em delitos complexos como os previstos no art 1º e 2º da Lei nº 8.137/90, seria impossível a demonstração de todas as circunstâncias sem a análise realizada em um processo administrativo. Pois, o processo administrativo serve para a verificação da existência, ou não, do fato gerador, sendo, portanto, fundamental para a verificação das circunstâncias em que ocorreram os fatos.
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