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Crimes digitais: do que estamos falando?

Por Marcelo Crespo

A tecnologia impacta em diversos aspectos da nossa vida, de modo que não haveria como não repercutir, também, no Direito Penal. Não há dúvidas, portanto, que a disseminação da tecnologia implica na prática de condutas ilícitas com grande frequência em face do uso mais constante da Internet especialmente em dispositivos móveis, tais como aparelhos celulares e tablets.

O incremento da criminalidade no meio digital naturalmente faz crescer o interesse social por conhecimento sobre estes ilícitos e, é igualmente natural que muitos se aventurem a discorrer sobre o tema. Apesar da maior exposição, na mídia, de notícias sobre crimes digitais e de “especialistas” comentando o assunto, fato é que, na doutrina nacional, não há muitos trabalhos e estudos técnicos sobre o tema.

De fato, alguma parcela dos que se aventuram nesta temática – inclusive alguns com bom destaque no meio jurídico – não são criminalistas e, portanto, nem sempre a abordagem praticada é tecnicamente adequada ao ramo do Direito envolvido, verificando-se, por vezes, certa superficialidade no trato de questões com repercutem de forma importante para o direito penal e processo penal. Nestes casos, invariavelmente, há prejuízos (de timing e até mesmo financeiros com honorários e perícias) para a apuração do delito porque a estratégia e o assessoramento quanto a produção das provas ignora as particularidades dos ramos penal e processual penal. Mas esta questão sobre a condução da produção das provas será alvo de artigo específico.

Vamos, por hora, nos concentrar em definir e explicar o que são os crimes digitais e as razões pelas quais assim são – ou deveriam ser – denominados. Neste sentido, as dificuldades conceituais iniciam-se já quanto à nomenclatura usada para a eles se referir dada a variedade de denominações encontradas em textos técnicos e na mídia: “crimes virtuais”, “crimes eletrônicos”, “crimes cibernéticos”, “crimes de Internet”, “crimes de computador”, “crimes por meio da informática”, “crimes digitais”, entre outros.

Considerando-se que “virtual” é algo que não existe em realidade, sendo algo potencial; que “cibernético” refere-se à teoria das mensagens e dos sistemas de processamento de mensagens (em um estudo comparativo entre o funcionamento do cérebro humano e dos computadores) que se encontra em desuso há décadas; e, considerando-se, ainda, que os crimes não são necessariamente cometidos por computadores ou pela Internet, os termos acima não parecem corretos ou precisos, à exceção de uma delas. Assim, a expressão que adotamos como a mais adequada é “crimes digitais” em razão do que se pretende referir: os dados que decorrem da eletrônica digital. Note-se que “digital” deriva do inglês digit, que, por seu turno, deriva do latim, digitus e que significa a forma mais primitiva de exprimir os número (com os dedos da mãos). A eletrônica digital é aquela em que os dados são convertidos nos números “0” e “1”, que formam o sistema binário, base para o armazenamento de dados, mais moderna e atualizada que a eletrônica analógica.

Mas, afinal, que são os crimes digitais? São todas as condutas previstas em lei que sejam punidas com pena criminal e cuja prática envolva aparatos tecnológicos, seja porque a conduta destina-se contra os sistemas informatizados e contra dados, seja porque o meio utilizado é tecnológico, embora o crime pudesse ser praticado de outra forma. Há, portanto, basicamente dois tipos de crimes digitais, a saber:

  1. crimes digitais próprios ou puros (condutas proibidas por lei, sujeitas a pena criminal e que se voltam contra os sistemas informáticos e os dados. São também chamados de delitos de risco informático. São exemplos de crimes digitais próprios o acesso não autorizado (hacking), a disseminação de vírus e o embaraçamento ao funcionamento de sistemas.
  2. crimes digitais impróprios ou mistos (condutas proibidas por lei, sujeitas a pena criminal e que se voltam contra os bens jurídicos que não sejam tecnológicos já tradicionais e protegidos pela legislação, como a vida, a liberdade, o patrimônio, etc). São exemplos de crimes digitais impróprios os contra a honra praticados na Internet, as condutas que envolvam trocas ou armazenamento de imagens com conteúdo de pornografia infantil, o estelionato e até mesmo o homicídio.

Simplificando, pode-se dizer que os crimes digitais são tanto os crimes tradicionais, já previstos na legislação, contra os valores que tradicionalmente reconhecemos como merecedores de proteção, praticados com auxílio da mais moderna tecnologia, bem como as condutas ilícitas passíveis de penas que se voltem contra os sistemas informatizados e os dados. Para maior detalhamento, vide o nosso “Crimes Digitais” (Saraiva: São Paulo, 2011).

Feitos tais esclarecimentos, cremos ter desfeito um antigo equívoco que vinha sendo mencionado como um verdadeiro mantra até, pelo menos, dezembro de 2012. O equívoco mencionado decorre das afirmações então feitas de que em razão da inexistência de normas específicas, a persecução penal de ilícitos praticados no âmbito tecnológico era inviável senão impossível. Mas, como vimos, sob a ótica da classificação dos crimes digitais próprios (ou puros) e dos crimes digitais impróprios (ou mistos), tal ideia mostrava-se equivocada. Fato é que quanto aos crimes digitais próprios o cenário foi alterado em 2012 com a edição das leis nº 12.735 e 12.737 que ficaram conhecidas, respectivamente, como “Lei Azeredo” e “Lei Carolina Dieckmann” em alusões ao relator do projeto que se tornou lei e, também, à atriz protagonista de episódio em que teve fotos com conteúdo de nudez divulgadas por toda Internet.

Com a edição das leis acima, os crimes digitais, cada vez mais comuns no nosso cotidiano, passaram a contar com mais algumas normas que tipificam condutas antes irrelevantes para o Direito Penal. Mas isso é assunto para o próximo artigo, onde esclareceremos o conteúdo das leis 12.735 e 12.737 de 2012.

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Marcelo Crespo

Advogado (SP) e Professor

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