Crimes financeiros “à la carte”
Por Cezar de Lima
Recentemente, o HSBC ocupou as manchetes dos jornais brasileiros, primeiro em relação ao escândalo envolvendo a filial suíça que, em tese, teria facilitado a prática de sonegação fiscal e, mais recentemente, pelo comunicado de que estaria encerrando grande parte das suas atividades no Brasil.
A crise de uma instituição financeira deixa a sociedade como um todo em alerta, pois essa desconfiança afeta o crédito, a liquidez e a própria atividade financeira.
A Lei nº 7.492/86, com todos os seus vícios e equívocos, surgiu com o objetivo de estabelecer uma proteção ao sistema financeiro nacional. No entanto, na própria exposição de motivos da lei é possível perceber que o legislador deixou claro que a norma já entraria em vigor com a necessidade de reformulação.
Em resumo, a legislação penal dos crimes financeiros é muito criticada, ora porque se pune em excesso, tratando severamente meras irregularidades e equívocos do gestor financeiro, ora porque se pune de menos, deixando impunes comportamentos graves. Isso traz uma insegurança jurídica a todos os operadores envolvidos com a interpretação da norma.
No último mês o TRF3 condenou um publicitário a quatro anos de reclusão e ao pagamento de 60 salários mínimos (valores vigentes na data dos fatos) pelo crime de evasão de divisas, por deixar de declarar às autoridades brasileiras os valores recebidos em contas nos EUA, provenientes de serviços prestados durante as eleições brasileiras. O crime ocorreu entre 2003 e 2006 e a ação é oriunda do desmembramento do I.P n.º 2.245 do Supremo Tribunal Federal (STF), posteriormente convertido na ação penal n.º 470. [1]
Tal condenação é um exemplo dessa interpretação “à la carte” que está sendo aplicada desde a vigência da lei, até porque na própria ação penal 470 do STF, mais conhecida como mensalão, tivemos casos semelhantes que a interpretação não foi a mesma dada pelo TRF3, em que tiveram réus absolvidos pela mesma conduta descrita acima.
Diante disso, está mais do que na hora de realizarmos uma profunda revisão no texto legal para que sejam definidos, de forma transparente, determinados conceitos e tipos penais que apresentam uma descrição vazia.
Um dos delitos mais criticados é o crime de gestão fraudulenta a instituição financeira, previsto no art. 4º, caput, da Lei nº 7.492/86, o qual dispõe: “Gerir fraudulentamente instituição financeira. Pena – Reclusão, de 3 (três) a 12 (doze) anos, e multa”.
Na opinião de BITTENCOURT e BREDA “o caráter abstrato dessa descrição típica faz com que sejam subsumidas uma infinidade de práticas do mercado financeiro”[2] e que seria melhor “uma descrição mais pormenorizada da conduta ofensiva ao mercado”[3].
O crime de evasão de divisas, capitulado no artigo 22 da referida norma, também não escapa das críticas. Da forma como está previsto “efetuar operação de câmbio não autorizada, com o fim de promover evasão de divisas do País”, muitas vezes não é possível responsabilizar o doleiro que efetua de forma clandestina ou fraudulenta a remessa de valores para o exterior.
A legislação não proíbe que brasileiros tenham valores depositados em contas bancárias no exterior, desde que informe, caso esteja obrigado, ao BACEN. No entanto, em muitos casos o sujeito é processo injustamente pelo crime de evasão de divisas por conta da forma genérica como o delito está tipificado.
Diante disso, caros leitores, precisamos engrossar o coro para uma reformulação na lei dos crimes contra o sistema financeiro nacional, pois se continuarmos assim estaremos responsabilizando profissionais, que em muitos casos foram negligentes em determinadas condutas, de forma “À La Carte” – ora se pune esse, ora se pune aquele – deixando impune grandes organizações criminosas que se beneficiam das falhas legislativas para abalar o sistema financeiro nacional como um todo.
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[1] BITENCOURT, Cezar Roberto. Crimes contra o sistema financeiro nacional & mercado de capitais. Lumen Juris. Rio de Janeiro. 2010. P. 40
[2] BREDA, Juliano. Gestão Fraudulenta de Instituição Financeira e Dispositivos Processuais da Lei 7.492/86. Renovar. Rio de Janeiro. 2002 P. 94-5.
[3] Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Seção Judiciária de São Paulo. 6ª vara Federal. Processo: 00132645-63.2011.403.6181. Íntegra da decisão, clique aqui.