Crimes nas relações de consumo e justa causa para a ação penal
Crimes nas relações de consumo e justa causa para a ação penal
O presente artigo tem o objetivo de analisar o crime previsto no inciso IX, do artigo 7º, da Lei nº 8.137/90, levando em conta a necessidade da produção de prova pericial e a justa causa para a persecução penal, nos crimes contra as relações de consumo.
Nesse sentido, os verbos que caracterizam o crime são:
vender, ter em depósito para vender ou expor à venda ou, de qualquer forma, entregar matéria-prima ou mercadoria, em condições impróprias ao consumo.
Impende salientar que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é pacífica ao estabelecer que, para apurar o delito previsto no inciso IX, art. 7º, da Lei nº 8.137/90, a produção de prova pericial é indispensável, sob pena de configurar a deplorável responsabilidade penal objetiva.
Crimes nas relações de consumo e prova pericial
Em verdade, sem a prova pericial para apurar o crime em comento, não se vislumbra a materialidade delitiva. Logo, não há justa causa para ação penal, conforme disposição contida no artigo 395, inciso III, do Código de Processo Penal (CPP).
Nas valorosas lições de Aury Lopes Jr (2007):
a justa causa identifica-se com a existência de uma causa jurídica e fática que legitime e justifique a acusação (e a própria intervenção penal).
Para ilustrar os fatos e fundamentos jurídicos sobreditos, vale destacar os seguintes arestos do STJ:
RECURSO EM HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA AS RELAÇÕES DE CONSUMO. ART. 7º, INCISOS II E IX DA LEI N. 8.137/90. ALIMENTOS SEM INDICAÇÃO DE PROCEDÊNCIA E IMPRÓPRIOS PARA O CONSUMO. MERCADORIA COM PRAZO DE VALIDADE VENCIDA. AUSÊNCIA DE PERÍCIA TÉCNICA. MATERIALIDADE DELITIVA NÃO DEMONSTRADA. FALTA DE JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL. TRANCAMENTO. RECURSO PROVIDO. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça se firmou no sentido de que a conduta tipificada no art. 7º, parágrafo único, inciso IX, da Lei 8.137/90 – expor à venda produtos impróprios para o consumo – deixa vestígios, razão pela qual a perícia é indispensável para a demonstração da materialidade delitiva, nos termos do art. 158 do Código de Processo Penal – CPP. Precedentes. 2. Da mesma forma, o tipo previsto no inciso II do art. 7º da Lei n. 8.137/90, “vender ou expor à venda mercadoria cuja embalagem, tipo, especificação, peso ou composição esteja em desacordo com as prescrições legais, ou que não corresponda à respectiva classificação oficial” deve ser considerado de natureza material a exigir perícia para a sua tipificação. Assim, no caso dos autos a criminalização da exposição à venda de carne bovina, sem a indicação de procedência, depende também da realização de prova pericial para que fique demonstrado que a mesma é imprópria para o consumo humano, sob pena de restar configurada a responsabilidade objetiva. 3. Recurso em habeas corpus ao qual se dá provimento para determinar o trancamento da ação penal por falta de justa causa. (RHC 97.335/SC, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 19/03/2019, DJe 28/03/2019) (grifo nosso)
RECURSO EM HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA AS RELAÇÕES DE CONSUMO. ART. 7º, IX, PARÁGRAFO ÚNICO DA LEI N. 8.137/90. MERCADORIA COM PRAZO DE VALIDADE VENCIDO. AUSÊNCIA DE PERÍCIA TÉCNICA. MATERIALIDADE DELITIVA NÃO DEMONSTRADA. FALTA DE JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL. TRANCAMENTO. RECURSO PROVIDO. I – O trancamento da ação penal constitui medida de exceção, justificada apenas quando comprovadas, de plano, sem necessidade de análise aprofundada de fatos e provas, inépcia da inicial acusatória, atipicidade da conduta, presença de causa de extinção de punibilidade ou ausência de prova da materialidade ou de indícios mínimos de autoria. II – A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça se firmou no sentido de que a conduta tipificada no art. 7º, IX, da Lei 8.137/90 (inclusive parágrafo único) – expor à venda produtos impróprios para o consumo – em razão de deixar vestígios, exige a realização de perícia para a demonstração da materialidade delitiva, nos termos do art. 158 do CPP. Precedentes. III – A existência de mero “auto de exibição e apreensão”, noticiando o vencimento do prazo de validade não é suficiente para atestar que o produto seja efetivamente impróprio para o consumo, afigurando-se imprescindível a realização de perícia técnica que ateste o fato. Precedente. Recurso em habeas corpus provido para decretar o trancamento da ação penal. (RHC 105.272/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 11/12/2018, DJe 01/02/2019) (grifou-se)
Portanto, o simples “Termo de Interdição Cautelar”, informando que foram apreendidos alimentos com datas de validade vencida ou com potencial lesivo à saúde humanam não é suficiente para justificar a persecução penal, com fulcro na jurisprudência consolidada do STJ.
Conclui-se que, não havendo prova pericial sobre os alimentos apreendidos, não há como verificar materialidade delitiva e, por conseguinte, não há justa causa para a ação penal.
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