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Criminalidade e sociedade: um brinde à nossa hipocrisia diária!

Por Frederico de Lima Santana

Não adianta olhar pro céu, com muita fé e pouca luta
Levanta aí que você tem muito protesto pra fazer e muita greve, você pode, você deve, pode crer[1]

Recentemente temos convivido com fatos extremamente alarmantes como “as facadas no Rio de Janeiro”, além das fervorosas discussões acerca da redução da maioridade penal (PEC nº 171/2013) e até a necessidade de revermos o Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/2003).

Indubitavelmente, além de ser extremamente dolorosa a perda de uma vida, ninguém nega isso, principalmente de forma tão trágica assim, a “dor” da sociedade virou contra os “menores pelas ruas cometendo crimes e usando drogas, matando pessoas para roubarem bicicletas e/ou outros pertences”.

Tristemente temos sim jovens nesta situação, mas, embora tenhamos uma juventude nas ruas cometendo delitos, quaisquer que sejam os mesmos, não podemos ignorar as ausências anteriores a esses “crimes” que acabam, lamentavelmente, impulsionando, ainda que indiretamente, diversos “menores” ao cometimento destes crimes, levando toda massa manipulada a criticá-los superficialmente.

Cumpre informar que não entrarei no mérito do consumo de “drogas” pelos adolescentes neste texto, bem como, por estar em voga toda esta discussão acerca dos jovens brasileiros. Estou citando-os, entretanto, porque o mesmo pensamento se aplica não só a eles como para todos os problemas político-sociais que viram questões criminais e sobrevoam ameaçadoramente toda a população brasileira há tempos, seja ela jovem, adulta, idosa ou recém-nascida.

Neste sentido, não podemos ser levianos nem egoístas, sair apontando o dedo para os “criminosos” dizendo “pega ladrão” achando que a solução dos problemas está no encarceramento destes indivíduos. Não, não está! O problema vem antes mesmo do cometimento do crime, nas constantes ausências ocorridas durante a vida do desviante, do “criminoso”.

Por desvio entende-se ser aquele conjunto de pessoas que são rotuladas de desviantes, que partilham o rótulo e a experiência de serem rotuladas como desviantes. Se um ato será ou não desviante, isso vai depender de como as outras pessoas reagem a ele, sendo problemática então a resposta dos outros em relação aos desviantes. A esses, designados por outros como desviantes, será imposta a consideração de que se situam fora do círculo dos membros “normais” do grupo ou da sociedade[2].

Assim, inegavelmente, podemos dizer que todos estes jovens são desviantes. Contudo, qual a origem do desvio dos mesmos ou qual nossa parcela de culpa nisto?

Quando temos um regime democrático (mais difícil e complexa forma de Governo), onde tal regime é o que dá mais oportunidades para todos desempenharem seus papéis de sedução e conquista, o voto passa a ser um dos gestos que externaliza o mecanismo da sedução, pois, ainda que de forma indigesta, política é sedução. Então, nesta seara, quando vivenciamos processos eleitorais, nada mais temos do que um jogo de sedução onde tentam captar sua atenção para que seja favorável a um e não a outro.

E é assim que votamos em políticos como Eduardo Paes, Luiz Fernando “Pezão”, Beto Richa, Aécio Neves, Eduardo Cunha, Eduardo Azeredo, Zezé Perrella, Edmar Moreira, Renan Calheiros, Dilma Rousseff, dentre outros.

Mas por que esses políticos? Minimamente são os que me recordo no momento, ainda que saibamos que a lista é bem maior. Desde já informo também que não comentarei sobre todos eles, me aterei aos políticos cariocas (de onde sou) para não me estender demais, frisando que a realidade daqui é igual à de todo o Brasil.

Eduardo Paes (PMDB-RJ), Prefeito do Município do Rio de Janeiro, já socou um músico em um bar (aqui). Não suficiente, nosso Prefeito disse que “menor infrator é problema policial, não social” (aqui). Será essa uma postura digna de um político? Ainda que provocado, nunca um político poderá agir desta forma, quiçá poderá atribuir às Polícias e ao Judiciário a atribuição de “ressocializar” tais pessoas, pois à política (Legislativo e Executivo) atribuiu-se a competência de gerir a sociedade, rumando sempre à evolução e qualificação social (conforme, por exemplo, artigos 1º, 3º e 5º, todos da Constituição Federal de 1988).

Neste mesmo sentido, o Governador do Estado do Rio de Janeiro, Luiz Fernando “Pezão” (PMDB-RJ), além de já ter dito que os Estados do Sudeste deveriam ter um Código Penal diferente dos demais Estados (veja), indo contra o princípio democrático-federativo Brasileiro (art. 1º da Constituição Federal), alegou que, após o erro policial na investigação sobre a “facada da Lagoa”, nenhum dos três jovens envolvidos é inocente (leia), confrontando com a única presunção aceita constitucionalmente, que é a Presunção de Inocência (art. 5º, LVII da Constituição/88).

Eles realmente nos representam? Por que somos tão agressivos em casos de crimes comuns e tão passivos em crimes de colarinho branco? Por que isso não nos revolta tanto quanto uma trágica morte na Lagoa? Será que é por que a canetada deles mata alguém ou prejudica absurdamente a vida de alguém que não faz parte da sua vida?

Cumpre citar aqui parte da letra da música “Dando nome aos bois” (assista) do grupo de rap carioca Oriente, onde inteligentemente dizem que

No país da saia justa e do dinheiro na cueca
Quem faz cara de santinho na real é quem mais peca
No país da saia justa e do dinheiro na cueca
Corrupção é uma fonte e parece que não seca
No país da saia justa e do dinheiro na cueca
Vejo no Brasil inteiro, mas Brasília é a Meca![3]

As afirmações contidas no rap citado junto a todas as outras aqui expostas não são suficientes para pararmos de gastar energia discutindo soluções simbólicas que na verdade irão piorar a situação (como a redução da maioridade penal e a revisão do Estatuto do Desarmamento), para nos atermos ao que realmente importa?

Só para exemplificar, uma das prioridades expostas na campanha para a reeleição de Dilma Rousseff (PT), nossa atual Presidente da República, sofreu um corte de R$ 9 bilhões de Reais (leia). E qual era essa prioridade? A educação. Então, se deixam de investir R$ 9 bi em educação, mas investem R$ 1 bi em um Shopping Center na Câmara dos Deputados (leia), está tudo correto e não precisamos nos manifestar? Menos R$ 9 bi em educação significa indiretamente investir num futuro marginal para muita gente, como todos que criticam sem saber o que falam.

Digo isso, pois, notoriamente, esta maioria da juventude, negra e pobre, apontados como culpados por todos os problemas da “insegurança pública”, jovens que não têm base familiar, não têm saneamento básico, não têm educação, sobrevivem da exclusão e vivem dos restos de uma política miserável de constantes ausências, deverão, por tamanha miséria, ser enviados ao cárcere ao invés de uma escola?

Deixemos as individualidades de lado, deixemos também a superficialidade e a hipocrisia de lado e a tomada de decisões impulsivas e simbólicas ineficazes como a redução da maioridade penal e a revisão do Estatuto do Desarmamento. Vamos começar a usar nossa energia de forma mais justa, inteligente e humana indo às ruas para exigirmos o que de fato deve ser feito, colocando de lado intenções veladas ou pensamentos mesquinhos.

Para finalizar, vale citar novamente parte da música “Até Quando?”, do Gabriel “o Pensador” (assista) no ímpeto de fomentar nossas intransigentes manifestações reivindicando fundamentos, objetivos e garantias fundamentais nossas diariamente usurpadas.

Muda, que quando a gente muda o mundo muda com a gente. A gente muda o mundo na mudança da mente. E quando a mente muda a gente anda pra frente. E quando a gente manda ninguém manda na gente. Na mudança de atitude não há mal que não se mude nem doença sem cura. Na mudança de postura a gente fica mais seguro, na mudança do presente a gente molda o futuro! Até quando você vai levando porrada? Até quando vai ficar sem fazer nada? Até quando você vai ficar de saco de pancada? Até quando você vai levando?[4]

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[1] GABRIEL O PENSADOR. “Até Quando?”, in.; Seja Você Mesmo (mas não Seja sempre o Mesmo). Rio de Janeiro, Sony Music, maio de 2001. 1 CD. Faixa 2 (4’23’’). Acessada em 30/05/2015 pelo link https://www.youtube.com/watch?v=atXuxbc7zZk.

[2] BECKER, Howard Saul. Outsiders: estudos de sociologia do desvio. Trad. Maria Luiza X. de Borges; rev. téc. Karina Kuschnir. Rio de Janeiro, Ed. Zahar, 2008, p. 22-27

[3] ORIENTE. “Dando nome aos bois”, in.: Yin Yang. Niterói, Gravadora independente, outubro de 2014. Single do álbum “Yin Yang” (4’07’’). Acessada em 30/05/2015 pelo link http://orienterj.com/musicas/dando-nome-aos-bois/.

[4] GABRIEL O PENSADOR. Op. cit.

FredericoSantana

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