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Criminalização da vítima

Criminalização da vítima

O estudo do fenômeno da vitimização vem interessando diversas áreas de conhecimento, entre elas o direito. Diz respeito à capacidade da vítima diante de infrações penais, sua personalidade e como reagem as consequências pós-traumáticas.

Na esfera processual, existe grande tendência de atribuir à vitima a responsabilidade do crime. Trata-se de uma estratégia muitas vezes usada na defesa para imputar ao outro “a tal culpa” pela violação cometida àquele padecente para justificar o feito.

Cabe ressaltar que a mulher é a mais atingida pela “criminalização” da vitimização. Nas mulheres recaem acusações como se fossem as rés no processo, ou seja, tendo sempre as mais ilógicas justificativas para explicarem tais atrocidades realizadas contra elas.

Salienta-se que não basta a consequência negativa que atinge as vítimas (vitimização primária); exige-se também a presença da vitimização secundária ou revitimização, que nas palavras de Trindade (2011, pg. 434), se subdivide em heterotimização secundária ou autovitimização secundária.

Uma heterovitimização secundária, se decorrer da relação com outras pessoas ou instituições; ou uma autovitimização secundária, se decorrer de sentimentos autoimpostos, geralmente como decorrência de sentimentos de culpa inconscientes.

Mesmo após o evento vitimizador, as vítimas precisam continuar se relacionando com outros agentes, tais como familiares, colegas, advogados do processo, médicos ou até mesmo com o próprio transgressor. Tais situações vão de alçada ao ressurgimento da situação traumática, podendo ocorrer o processo de vitimização secundária.

Não raras as vezes, a vítima passa encontrar explicações para o fato, constantemente se auto incriminando pelo evento danoso. Frisa-se que muitas dessas vítimas, principalmente as que são vitimas de estupro, não buscam recursos para verem punidos seus algozes, válido também para as mulheres vítimas de violência doméstica. Nestes casos, a mulher se impõe ao medo do constrangimento, da rejeição ou até mesmo pela descrença da justiça face a discrepante desídia aos seus direitos.

Conforme Trindade (2011, pg. 435) expõe:

O fenômeno da vitimização secundária parece estar se tornando comum no mundo moderno e servindo para o agravamento da situação das vítimas. Por isso, há a necessidade de um olhar atento tanto da psicologia, quanto do direito, tanto dos psicólogos, quanto dos operadores judiciais.

Nesse sentido, Abrahão de Oliveira conceitua a vitimologia como “estudo da vítima sob os aspectos antropológicos, psíquico e social”, que visa a apurar as condições em que

o indivíduo apresenta tendência a ser vítima de uma terceira pessoa, dos seus próprios atos ou de grupos de qualquer natureza (1996, p. 34).

Dessa maneira, não restam dúvidas quanto a necessidade de uma reestruturação no âmbito jurídico e psicossocial para readaptar essas vítimas na esfera social, apresentando mecanismos para voltarem a estabelecer o relacionamento interpessoal, bem como restabelecer a dignidade humana. Conforme Abrahão cita:

somos quase todos vítimas das circunstâncias que se impõe, por vezes com uma brutalidade estonteante” (1996, p. 34).

Há, assim, um dever de atendimento adequado proporcionando uma integração positiva e acolhimento as vítimas de delitos penais.


REFERÊNCIAS

TRINDADE, Jorge. Manual de psicologia jurídica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011.

OLIVEIRA, Frederico Abrahão de. Vítimas e criminosos. Porto Alegre: Sagra DC Luzzatto, 1996.


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Danielle Ortiz de Avila Souza

Especialista em Direito Penal e Processo Penal e Pós-graduanda em Direito Público. Pesquisadora.

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