ArtigosCriminologia

Criminologias: da necessidade de invenções

Não é difícil listar vários problemas e limites acerca dos discursos das criminologias contemporâneas, mas me ocuparei aqui de tecer alguns apontamentos sobre o dilema da reterritorialização do idealismo e do autoritarismo, que permanecem habitando a crítica criminológica.

Criminologias

Um acontecimento comum: enquanto buscam escapar do idealismo e seus resquícios com bases teóricas materialistas, frequentemente os criminólogos mergulham nos efeitos do autoritarismo.

E enquanto buscam apartar-se do autoritarismo, frequentemente se lançam nas filosofias idealistas, sem reinvenções e deslocamentos para impedir suas armadilhas e pontos-cego. Grosso modo, não conseguem tirar ambos os pés disso: a tentativa de escapar de um, parece fomentar o mergulho no outro.

O cenário pode ser melhor compreendido à luz das especificidades das bases teóricas dominantes situadas nesse embrionário campo no país, e que não cabem nesse texto, mas que apontam, por excelência, para distintas tradições filosóficas em disputa.

Grave problema

Temos, então, um grave problema: engendramos, em cada amarração teórica dominante nesse campo, sujeitos e discursos que interceptam algumas armadilhas e problemas, permanecendo cegos e inflexíveis para outras; ou dito de outra forma, inflexíveis sobre os limites de suas bases teóricas.

Exemplificativamente, destaco algo simples, é curioso constatar como alguns criminólogos críticos focam seus esforços em combater o relativismo absoluto (dizeres rasos como “tudo serve, qualquer sentido está autorizado, ciência é só mais um discurso, não existem fatos, só interpretações” etc.) e outros em combater a ilusão de objetividade e de assepsia (dizeres também rasos como “meu discurso não é ideológico, o que digo é proveniente exclusivamente da lógica e da razão, o sentido só pode ser um” etc.). Contudo, isso frequentemente ocorre sem darem-se conta dos efeitos e dos problemas perniciosos de ambas as posturas no mundo, e não de uma ou outra.

A percepção dos inimigos declarados em cada formação discursiva, é dizer, a consideração do que possui estatuto de absurdo, continuamente impede amarrações e deslocamentos que cubram os limites e os pontos-cegos (não rumo a uma incompletude irreal, mas, ao menos, rumo a um discurso com mais possibilidades críticas de potência transformadora).

Superando limites

Esse é apenas um exemplo grosseiro do que parece acontecer nas criminologias contemporâneas: os movimentos teóricos, metodológicos e analíticos dos pesquisadores parecem desatar um nó recriando outros, com sujeitos intolerantes/inflexíveis com o lembrete de que estão refazendo armadilhas funcionais à supressão da transformação.

Para superar esses limites, podem ser necessários diálogos não convencionais (sem receio de “macular” uma tradição); e um dos diálogos em que venho apostando, abarca a crítica criminológica e o abolicionismo penal atrelado às histórias dos pensamentos libertários (ou, simplesmente, abolicionismo penal libertário), em diálogo com uma teoria materialista do discurso, preocupada com o funcionamento ideológico.

Existem tensões teóricas e problemas não resolvidos nesse percurso, mas a profunda coerência que abarca alguns diálogos teóricos nas tradições dominantes, adquire sua coerência, precisamente, silenciando os problemas e contradições existentes, não constituindo, então, necessariamente uma grande vantagem. Não existe uma “crítica final” criminológica construída, isso não se encontra na mesa, e quem vende tal coisa impossível, simplesmente faz questão de apagar seus limites.

A produção de coragem na interceptação das múltiplas armadilhas teóricas que atravessam os discursos criminológicos contemporâneos, demanda estudo, mas também certa ousadia e revolta com o estabelecido, pois do contrário, apenas se reproduz uma escola e seus chefes, invisibilizando os problemas dessa travessia covarde.

É preciso atrever-se a se revoltar, dar-se por insatisfeito com os limites reproduzidos e inscrever algo diferente; é preciso transformar e não ser absorvido. Produzir diferenças e resistir.

Leia também:

Visita íntima às adolescentes privadas de liberdade


Quer estar por dentro de todos os conteúdos do Canal Ciências Criminais?

Então, siga-nos no Facebook e no Instagram.

Guilherme M. Pires

Doutor em Direito Penal (UBA). Advogado.

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo